OPINIÃO
Por quem os sinos votam
PEDRO SOUSA
CARVALHO 22/08/2014 / PÚBLICO
Isto de estar
morto tem muitos inconvenientes. Um deles é não se poder votar. É uma chatice.
Dizem que o direito a votar é universal, coisa que não é bem verdade. Quem está
morto não pode votar. E isto não é uma lei eleitoral, é a lei da vida. A não
ser que seja um “eleitor-fantasma”.
Os jornais desta
semana davam conta da história de dois mortos, um de Famalicão e outro de
Guimarães, que passaram a ter as quotas em dia e ficaram habilitados a votar
como militantes do Partido Socialista. Imagino que os mortos gostassem muito de
discutir política e que talvez um fosse apoiante de António Costa e o outro de
António José Seguro. A rivalidade deveria ser tanta que os dois militantes do
PS resolveram pagar as quotas para poderem votar, a 6 de Setembro, nas eleições
para escolher o líder da distrital de Braga. Nestas eleições, que são uma
espécie de primárias antes das primárias, concorrem Maria José Gonçalves,
próxima de Seguro, e Joaquim Barreto, apoiante de Costa.
Os incrédulos
dirão que esta história é mentira, porque os mortos não discutem política. Terão
com certeza alguma razão. Até podemos admitir que os mortos não terão grande
interesse em discutir as eleições no PS. Só que então alguém também terá de
admitir que os mortos não podem ter as quotas em dia.
A história é
surreal e foi denunciada esta semana por António Ramalho, que faz parte da
Comissão Organizadora do Congresso Federativo do PS-Braga. E conta que foram
detectadas várias outras situações de irregularidades nos cadernos eleitorais
nesta estrutura federativa. No espaço de pouco tempo, cerca de 40% ou 2200
militantes regularizaram as suas quotas. Além dos ditos militantes que já
faleceram, também há relatos de militantes do concelho de Amares que se
encontravam acamados e que algum cacique se terá abeirado deles e dito: ‘levanta-te
e anda… e já agora aproveita e vai votar’.
Há uns quantos
que receberam cartas em casa a afirmar que tinham as quotas em dia, apesar de
os próprios nunca terem gasto um tostão para regularizar a sua militância. Apesar
dos apelos para que as eleições fossem adiadas, o actual líder da distrital de
Braga desvalorizou as denúncias, dizendo que “nesta fase não há que mostrar
preocupação excessiva. A seu tempo analisaremos os factos”. O meu receio é que
esse tempo não chegue ou que demore tanto tempo que quando chegar já será
irrelevante, judicialmente e politicamente. Até porque a direcção nacional do
partido já invocou o sigilo bancário.
Confrontada com a
existência de dois cidadãos mortos dados como "aptos a votar" nos
cadernos eleitorais provisórios, um dos candidatos às eleições (Maria José
Gonçalves) ensaiava uma justificação: "Há dez anos que não havia dois
candidatos para este cargo. É normal que haja mais militantes a participarem e
que as candidaturas também se mobilizem. É
natural".
Não, não é natural
que os mortos se mobilizem. A serem verdadeiras as denúncias, ou estamos
perante um milagre da ressurreição ou perante um caso de falsificação e fraude
eleitoral.
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