Ó Sr. Prof. Dr. Eng.!
• Lucy Pepper
31/8/2014 / OBSERVADOR
Aos meus olhos estrangeiros, todos estes títulos revelam falta de
auto-estima. Quase ninguém parece capaz de quebrar a tradição, e de dizer “por
amor de deus, chame-me Zé, não Sr. Dr. Prof. Eng..."
A utilização de
títulos é muito importante em Portugal.
Na Grã-Bretanha,
existem muitos títulos. Há Lords e Ladies, Dames, Dukes e Sirs, e não devemos
esquecer Majesties e Highnesses. No entanto, acontece que não há muitas pessoas
com títulos desse género. Existem, por outro lado, os títulos profissionais:
por exemplo, “Reverend” para os padres anglicanos, “Doctor” para os médicos
(até chegarem a “consultants”, quando se tornam Mr. ou Mrs. de novo), ou
“Professor” para os catedráticos nas universidades. Fora das forças armadas e
da magistratura, não há outros títulos profissionais. Existem, claro, pessoas
que levam os títulos demasiado a sério, mas há ainda mais que lhes ligam
nenhuma.
doctor doctor
Até o uso de Mr.
ou Mrs. (ou Miss ou Ms.) se reduziu muito nestes últimos cinquenta anos. São formas
utilizados de uma maneira parecida à de Sr. e Srª. em Portugal, para mostrar um
certo respeito, falta de reconhecimento, ou para manter uma distância saudável
de pessoas que não suportamos. Estas formas de tratamento são muitas vezes
esquecidas logo que se estabelece uma razoável familiaridade entre as pessoas,
até no emprego. Não me lembro de alguma vez ter chamado Mr. ou Mrs. a um
chefe.
O título Dr. é
utilizado para anunciar publicamente que essa pessoa dá jeito no caso de nos
encontrarmos doentes, e não para suscitar adulação ou respeito (as pessoas com
doutoramentos podem intitular-se Dr., mas muitas não usam o título, talvez para
evitarem ser chamadas num avião quando outro passageiro sofre um ataque
cardíaco.)
Na Grã-Bretanha,
os veterinários não são Drs., e os arquitectos não têm título, nem os
engenheiros. Estes profissionais usam letras a seguir aos seus nomes, para
utilizarem em sítios oficiais, para explicarem que são qualificados e registos
com as instituições respectivas, mas não há veterinário que espere de um
agricultor humilde que lhe diga: “Bom dia, Mr. Harris, BVetMed MRCVS, pode dar
uma vista de olhos à minha vaca, se faz favor?” Os professores não têm título
profissional, nem os outros diplomados, com a excepção dos de medicina.
Em Portugal,
também há muitos títulos… e muitas e muitas pessoas que os usam.
Há tantos
doutores que não há nada de especial em ser doutor. Doutores de medicina SÃO
especiais, e estarei sempre disposta a chamar-lhes o que quiserem, sempre que a
minha vida estiver nas suas mãos.
Se o leitor é
arquitecto, irrita-se se o pedreiro não lhe chamar Sr. Arquitecto em sinal de
respeito, mesmo sabendo que pelas suas costas ele lhe chama idiota? E o leitor
chama-lhe o quê a ele? Sr. Pedreiro? Não, chama-lhe o Zé (ou talvez “Sôr” Zé).
Se você é engenheiro, sente-se respeitado porque uma pessoa utiliza o seu
título correcto, mesmo que eles se riam da sua insistência em ser chamado Sr.
Engenheiro?
É tudo porque
quer ser respeitado publicamente, não é? Mais: quer ser considerado melhor do
que os outros e tratado melhor do que os outros, só porque tem uma licenciatura
ou mestrado desta ou daquela espécie?
Clamar por
respeito é pouco digno e absurdo, porque o respeito devia-se ganhar (para além
de ser simplesmente merecido quando se é um ser humano decente) através do que
uma pessoa realmente faz bem. Não? Parece que há pessoas que consideram os
títulos académicos mais importantes do que o trabalho, do que curar, do que
construir, do que ensinar, do que desenhar, do que a coisa que realmente nos
define e justifica o respeito dos outros — o trabalho duro e honesto.
Aos meus olhos
estrangeiros e patetas, todos estes títulos revelam falta de auto-estima. Quase
ninguém parece capaz de quebrar a tradição, e de dizer “por amor de deus,
chame-me Zé, não Sr. Dr. Prof. Eng.”. E assim, o sistema dos títulos excessivos
continua, de tal modo que dá ideia de que o respeito público depende de um mero
título universitário. É uma grande pena, porque Portugal realmente tem muitas,
mas muitas pessoas que merecem respeito e justificam orgulho, sem precisarem de
ser doutores.
(Traduzido pela
autora a partir do original inglês)
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