Há um enxame de tuk tuk à solta
nos bairros históricos de Lisboa
INÊS BOAVENTURA
17/08/2014 - PÚBLICO
O presidente da Junta de Santa
Maria Maior diz que esta actividade, “interessante” para os turistas e para a
economia, “está completamente desregulada”. A câmara tem em preparação um
regulamento, com o qual quer definir circuitos e locais de paragem.
Num corrupio que
só cessa ao entardecer, dezenas de tuk tuk, de cores e dimensões variadas,
percorrem por estes dias o percurso que une a Baixa Pombalina à Sé de Lisboa,
de onde partem depois em direcção ao miradouro das Portas do Sol. Pelo caminho,
os triciclos motorizados de inspiração asiática semeiam ruído e, sempre que há
uma subida mais desafiante pela frente, um cheiro a queimado que hão-de
espalhar depois pelas ruas de Alfama e do Castelo.
Junto à Sé de
Lisboa, como o PÚBLICO pôde comprovar durante uma tarde da passada semana, não
passam mais do que dois ou três minutos sem que se aviste um tuk tuk. Alguns
seguem rua abaixo, mas a maioria acaba por parar junto ao monumento nacional,
seja para tentar angariar clientes ou para que os passageiros que seguem a
bordo vejam de perto aquela que é uma das maiores atracções turísticas da
cidade.
Tal como o sempre
a transbordar eléctrico 28, os tuk tuk encaminham-se depois para o Largo das
Portas do Sol, onde é bem visível a ausência de regras de que vários moradores,
autarcas e taxistas se vêm queixando nos últimos tempos. Aqui, há triciclos
motorizados parados em cima do passeio, numa curva em plena faixa de rodagem e
em frente aos acessos ao parque de estacionamento subterrâneo ali existente,
onde permanecem o tempo suficiente para que os turistas que transportam
apreciem e registem para a posteridade a vista que o miradouro oferece sobre
Lisboa.
As ruas estreitas
e sinuosas de Alfama são outro ponto de visita obrigatório em boa parte dos
circuitos realizados pelos tuk tuk, que para lá entrar contornam os pilaretes
instalados à entrada desta “zona de acesso automóvel condicionado”. No dia em
que o PÚBLICO andou pela cidade no seu encalço, a passagem de um camião de
recolha de lixo da Junta de Freguesia de Santa Maria Maior provocou um
verdadeiro engarrafamento daqueles veículos na Rua dos Remédios, não longe do
Museu do Fado.
Ultrapassado esse
obstáculo, uma mão cheia de triciclos motorizados seguiu bairro adentro. O
ruído que produzem anuncia a sua chegada e obriga três vizinhas, em amena
cavaqueira nos degraus de um prédio na Rua de São Miguel, a interromperem a
conversa e a encolherem-se contra a parede.
“É o dia inteiro
assim, até às sete e tal da noite. Passam de dois em dois ou de três em três
minutos”, descreve uma moradora, que quer ser identificada apenas como Maria.
“Fazem muito barulho e muita poluição”, queixa-se.
Também Jorge, que
mora em Alfama há 35 anos e dispensa igualmente o apelido, está insatisfeito
com a roda-viva de tuk tuk no bairro. “É válido para Lisboa mas acaba por ser
saturante. E ainda por cima há os que estão afinadinhos e os que deitam muito
fumo”, diz, garantindo que há dias em que são às centenas os veículos que por
ali passam.
“Inventem
circuitos alternativos para mostrar outras coisas. Lisboa não é só isto”,
sugere este residente, criticando que os veículos de inspiração asiática
circulem com tanta “facilidade” naquele que é um dos bairros históricos da
cidade com acesso automóvel condicionado.
Para o presidente
da Junta de Freguesia de Santa Maria Maior, reclamações como estas não só não
são desconhecidas como são perfeitamente válidas. Os tuk tuk, acusa Miguel
Coelho, “ocupam o espaço público de uma forma muito desordenada, estacionam em
cima do passeio, enfiam-se por todo o lado, condicionam a circulação nas ruas
estreitas e fazem barulho”.
O autarca
socialista acredita que esta é “uma actividade interessante para os turistas,
para a dinamização da vida da cidade e em termos económicos”, mas lamenta que
seja também “uma actividade que está completamente desregulada”. “A sensação
que dá é que há tuk tuk a mais”, diz Miguel Coelho, defendendo que, tal como já
acontece com os táxis, deve ser estabelecido um número máximo de veículos
autorizados a exercer actividade na cidade. Se tal não acontecer, adverte,
poderá estar em causa “a salvaguarda da qualidade de vida dos residentes”.
O próprio gerente
da Eco Tuk Tours, que se apresenta como a única empresa a operar em Lisboa com
veículos eléctricos, reconhece que “há tuk tuk a mais”. “Há um exagero, já se
ultrapassou em muito o número razoável e as pessoas começam a sentir-se
incomodadas”, afirma João Túbal, que estima que haja “pelo menos umas sete”
entidades a oferecer este serviço na cidade.
João Túbal faz
questão de sublinhar a “qualidade” dos seis veículos da sua frota. “Não sendo
poluentes, isso faz toda a diferença nas zonas históricas”, diz, criticando as
empresas rivais por à passagem dos seus tuk tuk deixarem um rasto de “fumarada,
mau cheiro e um barulho que não se aguenta”.
O PÚBLICO tentou,
sem sucesso, falar com um representante da Tuk Tuk Lisboa, que terá sido a
primeira empresa do género a instalar-se na cidade.
Tanto Miguel
Coelho como João Túbal vêem com bons olhos a notícia de que a Câmara de Lisboa
está a preparar, através da Direcção Municipal de Mobilidade e Transportes, um
regulamento que enquadre a actividade dos tuk tuk. “Acho muito bem. É essencial
que a câmara tenha mão nisto e que limite o número de veículos. Senão aquilo
que já é insuportável começa a tornar-se ainda mais”, diz João Túbal.
“Sim, estamos a
preparar uma proposta de regulamento, que deverá ir a reunião de câmara, ter
debate público e posterior aprovação pela assembleia municipal”, confirmou ao
PÚBLICO um porta-voz do município. Questionada sobre qual será o conteúdo desse
documento, cuja necessidade já foi várias vezes defendidas pelos vereadores do
PCP, a câmara esclareceu que ele irá “regular aquilo que se enquadra no âmbito
das suas competências, em particular os circuitos e as paragens e o uso da via
pública”.
Quanto às queixas
de alguns moradores relativamente ao ruído e à poluição provocada pelos
triciclos motorizados, o município diz que “naturalmente gostaria que todos os
veículos fossem silenciosos e de poluição zero”, acrescentando que “tentará
potenciar ao máximo que as futuras tecnologias sejam nesse sentido”.
Quem também tem
criticado os tuk tuk são as associações representativas dos taxistas, que falam
em concorrência desleal, por aqueles veículos poderem apanhar passageiros em qualquer
sítio da cidade e deixá-los onde quiserem, praticando os preços que entenderem.
“Não queremos ter essa guerra”, reage João Túbal, garantindo que aquilo que
interessa à sua empresa é “fazer circuitos turísticos, não serviços de táxi”.
Ninguém sabe quantos tuk tuk há
Afinal quantos
são os tuk tuk a circular nas ruas de Lisboa? Esta é uma pergunta para a qual
ninguém parece ter uma resposta. A Câmara de Lisboa diz que se alguém tiver
essa informação é o Turismo de Portugal, mas esta entidade nem sequer sabe
dizer quantas são as empresas que se dedicam ao transporte de passageiros
nestes triciclos motorizados.
De acordo com a
legislação que “estabelece as condições de acesso e de exercício da actividade
das empresas de animação turística”, aprovada pelo actual Governo, essas
empresas não estão obrigadas a qualquer tipo de licenciamento. O que têm então
de fazer para iniciar actividade? “Efectuam uma mera comunicação prévia (...),
através da regular inscrição no Registo Nacional dos Agentes de Animação Turística
(RNAAT), incluindo a apresentação de comprovativo da contratação dos seguros
obrigatórios - acidentes pessoais e responsabilidade civil - e o comprovativo
do pagamento da taxa, quando devida”, explica o Turismo de Portugal.
Esta entidade
acrescenta que essa comunicação “não limita geograficamente a operação das
empresas habilitadas para o exercício de qualquer actividade de animação
turística”, pelo que uma empresa registada no RNAAT pode exercer actividade em
qualquer local do país. Além disso, acrescenta o Turismo de Portugal, “a
actividade de ‘transporte de passageiros em tuk tuk’ não faz parte da listagem”
constante do anexo ao Decreto-Lei n.º 95/2013. A junção desses dois factores
faz com que não seja possível perceber quantas são as empresas que oferecem
esse serviço em Lisboa.
Em respostas
enviadas através de uma agência de comunicação, o Turismo de Portugal
acrescenta que “a tutela do turismo tem repetidamente informado ser contra a
introdução de quotas nas actividades económicas do sector”. Nessas respostas
diz-se ainda que os tuk tuk “poderão circular, tal como qualquer outro
[veículo] homologado pelas entidades competentes, nas vias públicas
disponíveis” e que “as empresas de animação turística, tal como quaisquer
outras empresas, são livres para estabelecer e/ou definir os preços a
praticar”.
No caso da Eco
Tuk Tours, por exemplo, um dos circuitos pré-definidos mais requisitados é o
“Old Town”, que ao longo de cerca de uma hora e meia vai da Sé ao Castelo, com
passagem por Alfama e Mouraria. O preço desta viagem é 70 euros, tendo os
veículos capacidade para um máximo de seis pessoas. Já o circuito “À La Carte”,
em que os passageiros são convidados a definir o trajecto, custa 50 euros por
hora.
No caso de uma
outra empresa, a Tuk Tuk Lisboa, os preços dos circuitos pré-definidos variam
entre os 60 (uma hora) e os 100 euros (três horas), sendo também possível a
realização de um percurso escolhido pelos clientes.
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