“Era uma vez um banqueiro muito
bonzinho...”
Manuel Loff /
14-8-2014 / PÚBLICO
Lembra-se da
historinha do BPNque-não-custaria-um-cêntimo-aoscontribuintes? Permita-me,
então, contar-lhe a historinha do BES. “Era uma vez um banqueiro respeitado, de
família da boa burguesia e com muita tradição na finança portuguesa, de quem
todos os governantes portugueses, antes e depois da Revolução, se sentiam
gratos. Era um homem bem formado, que, depois de sofrer o espólio e o exílio,
triunfara em Portugal depois de governantes sérios, como Cavaco Silva,
corrigirem corajosamente as terríveis injustiças que o coletivismo
revolucionário havia praticado contra ele e a sua família em 1975. O que fez
pelo país e pelo sistema financeiro internacional foi de tal forma reconhecido
pelos seus pares, os governos e as organizações internacionais, que granjeou
prémios e condecorações.
Os melhores
políticos da direita e da esquerda (a democrática, claro!) trabalhavam com ele,
quer antes de ir (e bem) para o governo, quer depois dele saírem. Apesar de ser
tratado carinhosamente como o DDT (Dono Disto Tudo), era um homem discreto e de
bom gosto. Um dia, não se sabe bem porquê, um primo invejoso, que até tinha
boas relações com o jovem primeiro-ministro de turno, conspirou contra ele. Entre
histórias malvadas do primo e muita máfé que contra ele se levantou, o nosso
banqueiro bom, que tanto fizera pelo país (e, é verdade, também por Angola)
acabou perseguido pela justiça e incompreendido pelos mesmos governantes que
até então juravam pela sua honestidade. Ainda hoje não se sabe quem enganou
quem.”
Admita que esta
poderia ser a história de Ricardo Salgado contada às criancinhas. O leitor
acha-a absurda?, de mau gosto? Mas olhe que foi escrita ao estilo de um
especialista destas coisas, João César das Neves ( JCN), o (também ele)
respeitado economista da Universidade Católica que há uns anos nos contou a
historinha das crises financeiras de Portugal: este era, antes do 25 de Abril,
“um país pacato e trabalhador, poupado e prudente, que se sacrificava
generosamente, labutando dia e noite para cumprir os deveres”, e “emigrava e
procurava vida melhor noutras terras. E os patrões, franceses ou alemães,
suíços ou americanos, gostavam dele, por ser pacato e trabalhador, poupado e
prudente”. Por duas vezes, contudo, o país endividou-se acima das suas
possibilidades. Primeiro, contava Neves às criancinhas, por culpa do 25 de Abril:
“A opressão acabara (...) e Portugal voltou [para casa], porque já não seria
preciso ser pacato e trabalhador, poupado e prudente. (...) E Portugal gastou.
Criou autarquias e dinamização cultural, comprou frigoríficos e televisões, fez
planeamento económico, exigiu escolas e hospitais.” É a versão
Cigarra&Formiga da tese da Revolução irresponsável e gastadora. A segunda
vez, depois de Portugal ser “admitido na moeda única”, “achou que já não seria
preciso ser pacato e trabalhador, poupado e prudente”: e gastou. Construiu
autoestradas, fez parques industriais, exigiu computadores para todos os alunos
e novas carreiras médicas”. Desta vez a culpa era dos “dirigentes e políticos
[que] bramavam contra a nova ditadura do dinheiro e exigiam direitos” ( DN, 9/9/2013).
Dos banqueiros
nem sombra. Estas histórias, por algum motivo, não incluem nunca Oliveiras
Costas ou Ricardos Salgados, BPN, BCP ou BES. Nelas nunca aparecem os rombos
colossais abertos pela banca nas finanças públicas, nem nelas se diz que o Estado
faz mal em cobri-los à custa do português “pacato e trabalhador”. César das
Neves é dos que acham (como toda a liberalice económica) que a culpa do
endividamento português é sempre dos “direitos adquiridos”, dos que foram “os
mais favorecidos nos anos de fartura” (“funcionários, médicos, professores,
pensionistas, autarquias”, diz ele), que se “fingem desvalidos e abusam dos
impostos dos pobres” ( DN, 7/10/2013). Esses é que arrombaram a economia do
português “poupado e prudente”!
Em 15 dias, o
governador do BdP e a ministra das Finanças passaram de “afirmar, a pés juntos,
que o BES era um banco sólido e que possuía uma almofada financeira suficiente
para suportar os prejuízos decorrentes da exposição ao grupo” a “dizerem
precisamente o contrário, que tinham sido enganados, e que só tiveram
conhecimento de informação ‘materialmente relevante’ muito recentemente”
(Eugénio Rosa, estudo de 8/8/2014). Em qualquer caso, os contribuintes não
pagarão a fatura!
As mesmas pessoas
que foram (e são!) responsáveis pela liberalização financeira que produziu tudo
isto continuam a ser surpreendidas pelos seus efeitos. Eles são só economistas,
e a Economia deles é assim mesmo: ciência rigorosa para prever a bondade dos
reajustamentos e da austeridade; desvalida e modesta leitura do mundo quando se
trata de supervisionar a liberdade económica. Não se surpreenda agora o leitor
se lhe explicarem, outra vez, que não nos resta senão reformar mais ainda o
Estado, que gasta o que não pode em prestações sociais irresponsáveis, salários
e pensões incomportáveis, resquícios inaceitáveis desse “Verão Quente de 1975” que ainda estamos a
pagar!
Mas... não era do
BES que estávamos a falar?
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