EDITORIAL / PÚBLICO / 1-8-2014
Alguém que dê a cara na crise do
BES
Ninguém assumiu a paternidade das contas do Banco Espírito Santo. Mas
alguém as deveria explicar
OBanco Espírito
Santo (BES) apresentou esta quarta-feira os resultados do primeiro semestre e,
ao contrário do que é habitual, não houve uma conferência de imprensa para
explicar as contas. É natural que a nova administração liderada por Vítor Bento
não quisesse assinar e muito menos aparecer associada a resultados que reportam
a um período ( Janeiro a Junho) em que não tinha nenhuma responsabilidade na
gestão do banco. Um período negro na história do BES, a julgar pelos prejuízos
de 3,6 mil milhões de euros.
Vítor Bento e a
nova equipa de gestão do BES limitaram-se a emitir um comunicado em que
explicam que estão a preparar um plano para recapitalizar o banco e ainda um
programa estratégico de reestruturação. É pouco. Para tentar evitar a queda
abrupta das acções e para acalmar os clientes é preciso que alguém apareça e dê
a cara. Vítor Bento carrega consigo uma imagem de credibilidade e foi também
por causa disso que o Banco de Portugal o aceitou como presidente do BES num
momento tão delicado. Se fosse para ficar na sede do banco na Avenida da
Liberdade a analisar as contas, mais valia ter-se contratado uma empresa de
contabilidade. Mais do que dinheiro, o que o banco precisa urgentemente neste
período é de uma injecção de confiança.
O mesmo se
poderia pedir e exigir ao governador do Banco de Portugal que, depois de ter
anunciado que o BES tinha uma almofada de capital suficiente para poder arcar
com os prejuízos, se viu obrigado a mudar de discurso. E também não chega
Carlos Costa fecharse num escritório na Rua do Comércio e emitir um comunicado.
É preciso dar a cara e enviar uma mensagem de tranquilidade. A queda superior a
40% das acções do banco foi ontem um sinal de alerta.
Estado pode ficar com 70% do BES
sem traumas ideológicos
Banco de Portugal continua a atirar pedras para o buraco do BES a ver se há
algum barulho
Pedro Sousa
Carvalho / PÚBLICO / 1-8-2014
O que assusta no
caso do BES é que o Banco de Portugal deixou de antecipar os acontecimentos e
passou a correr atrás do prejuízo. Literalmente a correr atrás do prejuízo. O
BES veio anunciar prejuízos de 3,6 mil milhões de euros. É muito dinheiro, ou
melhor, é muito pouco dinheiro. E Carlos Costa teve de dar o dito pelo não
dito.
Há duas semanas o
governador do Banco de Portugal jurava a pés juntos que o BES tinha uma
almofada financeira que lhe permitiria absorver o impacto do buraco provocado
pela exposição do banco às empresas do grupo Espírito Santo. Ficámos agora a
saber que afinal o buraco era uma cratera. E o Banco de Portugal continua a
atirar pedrinhas e auditores para dentro do buraco, a ver se ouve algum
barulho, para tentar perceber se a cratera tem algum fundo.
Quando o Banco de
Portugal ordenou uma auditoria às empresas do grupo, descobriu um buraco. Nessa
altura, sabendo que tinham sido cometidas ilegalidades, o governador deveria
ter substituído de imediato Ricardo Salgado e o resto da administração do
banco. O problema é que Carlos Costa deixou que fosse Ricardo Salgado a dizer
como seria o seu próprio enterro como banqueiro. E Salgado quis ser
transportado num pedestal, numa espécie de pira que ia ardendo e sendo
alimentada com dinheiro do próprio banco.
Chegámos ao
cúmulo de ser não o Banco de Portugal, mas o próprio Ricardo Salgado a dizer
numa entrevista ao Jornal de Negócios que se tinham detectado irregularidades
graves no grupo. Carlos Costa estava nessa altura preocupado com a imagem do
banqueiro e queria que Salgado se afastasse com alguma dignidade. E foi nessa
entrevista que Salgado veio culpar o contabilista pelas ilegalidades. Aliás, os
contabilistas estão para a banca como os mordomos estão para os policiais, são
sempre os culpados.
Salgado não só
escolheu a forma de dar a notícia, como ainda o nome do seu sucessor, que por
sinal era o seu braço direito. E numa primeira fase o Banco de Portugal, mesmo
sabendo das ilegalidades, foi pactuado com essas veleidades até que percebeu
que a situação estava a ficar descontrolada. Os clientes e os accionistas já não
confiavam na família para gerir o banco. No sector da banca, onde a confiança é
o bem mais precioso, o “logo se vê” e o “deixa andar” é meio caminho para a
desgraça. Na banca não se deve confiar por defeito. E por norma deve-se
desconfiar. É a desconfiança dos reguladores que nos faz confiar em quem guarda
o nosso dinheiro.
E foi já em
desespero que o Banco de Portugal correu com Ricardo Salgado e nomeou Vítor
Bento para tomar conta do banco. Bento tem nome de Papa, mas não faz milagres.
O que a nova administração do BES precisa nesta altura é de tempo e dinheiro. E
tempo é dinheiro. Tempo Vítor Bento não vai ter. As acções chegaram ontem a
cair 50%. E Bento não se pode dar ao luxo de se enclausurar numa sala a ler
relatórios e contas. Quando acabar de desenhar o seu plano estratégico de
reestruturação, já não terá nada para reestruturar.
Dinheiro será
muito difícil de desencantar. Os actuais accionistas que foram ao último
aumento de capital em Junho compraram acções a 65 cêntimos. Ontem essas mesmas
acções chegaram a ser vendidas a 17 cêntimos. Só mesmo por masoquismo é que
voltam a meter dinheiro no banco.
Há outra opção
para salvar o BES. O Banco de Portugal e Vítor Bento garantem que há
investidores de fora interessados. Com as imparidades e provisões agora
assumidas, os capitais próprios do banco ficaram reduzidos a 3 mil milhões de
euros. Isto quer dizer que o BES precisa, no mínimo, de outros 3 mil milhões
para repor os rácios a níveis confortáveis e acima do mínimo legal. E quem lá
puser os 3 mil milhões, tendo em conta a actual capitalização, ficará com mais
de 70% do BES, o que até parece ser um bom negócio.
O problema é que,
enquanto não se perceber a real dimensão das perdas, nenhum investidor privado
arrisca investir no BES. E para apurar as perdas totais vai ser preciso tempo.
E tempo é coisa que o banco não tem. Como tal, resta o Estado, que ainda tem
6,4 mil milhões de dinheiro da troika precisamente para tapar buracos na banca.
E aqui não se trata de salvar a família ou de nacionalizar prejuízos. Trata-se
de salvar o património dos clientes e o sistema financeiro. E não precisamos de
ter grandes pruridos ideológicos. Os bancos têm de ser nacionalizados quando
têm de ser nacionalizados e ponto final.
Editorial: o GES,
o BES, Vítor Bento e o governador
O terramoto
31/07/2014 |
12:35 | Dinheiro Vivo
As contas
apresentadas ontem pelo BES não são contas, é uma autópsia, uma condenação
feroz à anterior administração e um catálogo de indícios e acusações que
puseram o banco de pernas para o ar e levaram o Banco de Portugal, ainda ontem
ao fim da noite, a redigir o comunicado mais violento (digo: bárbaro) da sua
história.
Não ficará pedra
sobre pedra no BES. Carlos Costa sentiu-se enganado, parece ter sido enganado
ao longo dos últimos meses, e agora soltou definitivamente os cães. A ordem de
purga imposta aos administradores da anterior gestão que ainda não tinham saído
do banco - e que afetará também as linhas imediatamente abaixo - é um tiro de
canhão que está neste preciso momento a fazer estremecer o edifício da avenida
da Liberdade.
Quanto às contas
do primeiro semestre, o essencial a sublinhar nesta altura (com a informação
disponível...) é que a exposição do BES às dívidas do Grupo Espírito Santo
parece finalmente definida e consolidada. Isto é: o contágio e os riscos estão,
agora sim, incorporados no balanço, talvez até contando com os piores cenários,
o que significa que pelo menos os ventos envenenados do GES terão esgotado os
efeitos destruidores no banco. Um prejuízo de 3,6 mil milhões de euros não tem
paralelo em Portugal. Traduz a derrocada da dinastia Espírito Santo e implicará
forçosamente, inevitavelmente a refundação do banco.
Há no entanto um
risco que ainda se mantém presente: o BESA, o banco que o BES tem em Angola
(controla 55% do capital), mantém-se de pé apenas porque o Estado angolano
emitiu uma garantia de 5,7 mil milhões de dólares, 4,2 mil milhões de euros,
assumindo a responsabilidade "pelo bom e integral cumprimento das
operações de crédito executadas". Apesar desta garantia, na verdade ainda
não está totalmente excluído que estas perdas ou parte delas não se possam
refletir no balanço do BES, que financiava a operação do BESA.
Portanto, o
problema é o seguinte: Vítor Bento tem de fazer um aumento de capital que pode
atingir os três mil milhões de euros. Se os problemas do BES estivessem
totalmente estancados e assumidos, apesar da enormidade do valor, a verdade é
que o BES controla um quinto do mercado bancário nacional, tem quase 800
balcões dentro e fora de Portugal, mais de 90 mil milhões de euros em ativos e
51 mil milhões em crédito concedido, ou seja, tem uma máquina comercial capaz
de gerar receitas. Livre do peso e dos esquemas do GES é um bom banco, um banco
capaz de gerar lucros e dividendos. Acontece que os novos investidores só
entram se confiarem que já não há mais cartas escondidas e riscos evidentes - e
é isso que o BESA ainda é: um elefante que pode afastar os investidores. Vítor
Bento tem de começar a resolver este problema. Provavelmente está disposto a
sair de Angola, mas veremos como o fará e se isso vai custar o quê ao BES.
Também é
importante que Bento fale e dê a cara. O comunicado que produziu ontem não chega,
é curto em explicações. A queda das ações do BES explica-se por causa do
aumento de capital prometido (o valor das ações ficará diluído), mas o atual
resguardo de Vítor Bento não ajuda a tranquilizar investidores e depositantes. O
novo CEO não é um gestor de falências, é o novo CEO e tem de se comportar à
altura dos acontecimentos do ponto de vista público. Exige-se liderança dentro
do banco (e isso está a acontecer), mas também fora dele. Até agora
compreende-se que tenha estado 100% ocupado, mas não pode continuar muito mais
tempo fechado no gabinete.
Um último ponto
sobre o governador do Banco de Portugal. Não vale a pena inverter as coisas e
considerá-lo culpado disto tudo, mas não deixa de surpreender que tudo tenha
acontecido debaixo do seu nariz nos últimos dois anos. E mais: espanta que se
tenha deixado iludir nos últimos meses, permitindo que o contágio do GES ao BES
não só não parasse como aumentasse exponencialmente. Portanto, o Banco de
Portugal falhou em parte. Talvez fosse inevitável, hoje todos sabemos que não
só não há regulação perfeita como, aliás, ela é demasiado imperfeita pelo mundo
fora. No entanto, há apenas três semanas o governador assegurou (deu a sua
palavra) ao país que havia uma almofada de segurança no BES. Ora bem, essa
almofada afinal não chega, é curta, e isso deixa o BdP não apenas vulnerável às
críticas, mas acima de tudo um pouco mais enfraquecido na sua capacidade de
tranquilizar investidores e depositantes. E isso sim é
preocupante numa altura destas.
E o impossivel aconteceu
Demolidor, estrondoso, surpreendente, inédito, colossal ,
inacreditável. Seja qual for a palavra que se procure, nenhuma parece
suficientemente chocante para dar a verdadeira dimensão do prejuízo histórico
que o Banco Espírito Santo (BES) ontem apresentou: 3.577 milhões de euros.
Helena Cristina Coelho in Diário Económico / 1-8-2014.
Sim, são precisos pelo menos dez dígitos para medir o fosso
que está a engolir um banco inteiro, juntamente com a reputação de um
banqueiro, o futuro de uma dinastia e a confiança de investidores, clientes,
mercados. Porque aquilo que até há bem pouco tempo todos diriam ser, numa
palavra, impossível, aconteceu. E rebentou bem na cara de todos.
Depois da notícia, veio o baque. Depois do abalo, a
estupefacção. O assombro não foi apenas nacional. A partir de Londres,
Frankfurt, Bruxelas, Paris, Madrid, Nova Iorque, São Paulo ouviram-se
comentários de choque, outros de indignação, quase todos de incredulidade. E
muitas interrogações. Como é que esta hecatombe pôde acontecer? Como é que
durante tanto tempo foi possível dissimular actos de legalidade suspeita
capazes de ferir de morte um dos maiores impérios financeiros do país? Quem é
responsável por tal caos e quem deixou que ele se instalasse? E que mais há por
descobrir que possa ameaçar o que ainda resta?
Ao final da noite de quarta-feira, logo depois de o BES
divulgar as trágicas contas, e durante todo o dia de ontem, as reacções
multiplicaram-se em forma de ‘posts', ‘tweets' e comentários nos sites
noticiosos mais influentes. Simon Nixon, correspondente do "Wall Street
Journal" em Londres, era um deles. Sobre os resultados, dizia serem
"impressionantes", questionava "como tudo isto podia ter
acontecido mesmo sob os narizes da ‘troika'" e ainda lançava farpas a um
aparentemente "distraído" Banco Central Europeu, cuja credibilidade
sofre um forte rombo com este caso BES, acusou. Surpresas e indignações que
correm mundo e de que o banco não vai recuperar tão cedo (basta ver o tombo de
42% que levou num só dia em bolsa), o mercado também não.
Depois de tantas interrogações, sobram agora duas que é
preciso fazer até à exaustão: como se recupera do desaire histórico? Como se
salva uma marca financeira que caiu no abismo? A resposta está neste momento
nas mãos de Vítor Bento, mas a solução não passa unicamente por si e pelo plano
de reestruturação que está a desenhar e que ainda falta conhecer com detalhe.
Há activos para vender, linhas de financiamento para garantir, capital para
injectar, correcções dolorosas para aplicar - e ainda alegadas irregularidades
de gestão para esclarecer e punir. E isso passa pelos novos investidores
(preferencialmente privados e sem ajuda do Estado) que é preciso captar e que
podem até passar por outros bancos, passa por garantir encaixe suficiente para
alargar o garrote da dívida, passa por uma supervisão mais vigilante e
interventiva, passa por fortalecer a confiança dos clientes que, apesar de todo
o choque e indignação, ontem não correram aos balcões do banco a exigir o
dinheiro de volta. Esse é o primeiro capital que o banco terá de segurar: o da
credibilidade. Assumir os números mais negros da história do banco e da família
Espírito Santo foi o primeiro passo nesse sentido. O que vier a seguir depende
agora de como Vítor Bento quer que a história se escreva.
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