A salvação dos canalhas
03 Novembro 2008,
13:00 por Pedro Santos Guerreiro | psg@negocios.pt
A nacionalização
do BPN é uma infâmia inevitável. Os infames são os gestores e accionistas que
já lá não estão; os inevitáveis são os contribuintes. E num tenebroso limbo
estão os reguladores e auditores, que protegeram uns e falharam aos outros. Se
são inocentes, são impotentes - e então de que nos servem?
O Estado vai
comprar o que vale pouco ou nada, levar um peso-morto que a Caixa Geral de
Depósitos dispensaria carregar e ligar à máquina um projecto que merecia
eutanásia. Não é possível que o ministro das Finanças tenha anunciado esta
nacionalização sem que bílis lhe ardesse por dentro. Se não lhe ardeu, ardeu
aos contribuintes. O BPN devia morrer, os seus accionistas perder o dinheiro e
os gestores chamados aos tribunais. Já agora: onde estão eles?
Miguel Cadilhe
vai à frente desta barca mas não é ele quem entrará no inferno. O gestor
filiou-se numa missão impossível, que quase conseguiu inverter não fosse a
crise financeira internacional, que lhe tapou primeiro a liquidez para gerir e
depois o capital para investir. E apesar das cautelas na gestão dos rumores,
criou-se uma ansiedade nacional que levou de facto a uma corrida aos depósitos
do BPN. Foi uma corrida em marcha lenta, mas suficiente para esvaziar os
cofres.
Este colapso tem
um nome: Oliveira e Costa, o gestor que durou anos e que há semanas tratou de
desligar o telemóvel. Foi ele quem geriu na maior das opacidades, numa época
agora investigada pela Procuradoria (na Operação Furacão), pela CMVM e pelo
Banco de Portugal; que foi prometendo dispersões em Bolsa para convencer uma
turba de accionistas que o seu dinheiro valorizaria; que hostilizou a Deloitte,
quando a auditora lhe fez reservas às contas; que contratou, para a substituir,
a BDO Binder que, entretanto, caucinou sem pestanejo as contas anuais. Oliveira
e Costa é, como todos, inocente. Mas a presunção da inocência dos suspeitos não
pode representar a presunção da estupidez dos contribuintes. Até prova em
contrário, são eles que estão a pagar o erro.
Restou a bomba
atómica: a nacionalização. O impressionante é que não se sabe sequer o que se
salvou. O que é o BPN hoje? O que é que lá está dentro? Que mais esquemas com
"offshores" há? O que valem os activos? Quanto mais dinheiro será
preciso?
O Banco de
Portugal não pode dormir sem pesos na consciência, justificando-se com o
mandato formal de que só controla contas. O sistema de supervisão falhou. Outra
vez. E, outra vez, porque se porta como bom samaritano. Porque todo o seu
sistema assenta no pressuposto de que não lhe mentem. De que nada está fora do
balanço. Se toda esta crise não servir para rever a supervisão, então não
serviu para nada.
O BPN foi salvo
porque deixá-lo cair agora detonaria a credibilidade de todo o sistema
financeiro. Era possível salvar os clientes dos BPN sem comprar massa falida
mas isso teria um custo, como aliás teve deixar cair o Lehman Brothers. Esta
crise não tem nada a ver com a origem dos problemas do BPN mas foi o último
prego no seu caixão. Foi por causa da crise que o Governo assumiu o compromisso
de salvar os depósitos ameaçados. É por isso que a crise não matou o BPN, mas
salvou o BPN. O velho BPN morreu; um novo BPN nasceu.
O slogan
"valores que distinguem" não podia ter sido melhor escolhido para o
BPN, que se distinguiu tanto que fica para a História. Mas não pode restar o
vazio de responsabilidades. As últimas palavras desta triste história não podem
ser as de Frei Luís de Sousa: Banqueiro, banqueiro, quem és tu? Ninguém...
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