A Europa de hoje é aborrecimento
e perdeu a alma, diz Matteo Renzi
JORGE ALMEIDA
FERNANDES 01/07/2014 - PÚBLICO
Começa esta terça-feira a presidência italiana da UE. Renzi discursa amanhã
no Parlamento Europeu. Consta que não falará em “bruxelês”, para os europeus
perceberem, e que o tom será marcadamente político.
O
primeiro-ministro italiano, Matteo Renzi, apresentará amanhã ao Parlamento
Europeu as grandes linhas da presidência italiana neste semestre. Pelo que tem
dito nos últimos tempos, será um discurso essencialmente político. “A Europa de
hoje é a do aborrecimento, (...) submersa em números e sem alma”, declarou há
dias na Câmara dos Deputados italiana. Propõe uma mudança de estilo e de
método.
A primeira
prioridade do semestre italiano é o crescimento e o emprego. A segunda é o
encorajamento das reformas estruturais nacionais — do Estado ao mercado do
trabalho, do sistema político ao combate à corrupção — e o aumento do
investimento, os dois pilares da retoma do crescimento. A terceira é colocar na
frente a economia real e reforçar a solidariedade. Mas, para ter direito a uma
aplicação flexível do Pacto Orçamental, é preciso fazer reformas. E sem
flexibilidade na aplicação do Pacto há o risco de provocar recessão.
Noutra vertente,
é fundamental “mudar o discurso europeu”. Cinco anos de crise “com um debate
político exclusivamente centrado na austeridade, provocaram um pesado
desgaste da União Europeia. (...)
Precisamos de restabelecer a confiança entre os Estados membros, ultrapassar o
fosso que os cidadãos europeus sentem em relação às instituições da UE. (..)
Isto exige uma abordagem global, para lá do economia. Temos de empurrar o
discurso europeu para além da pós-crise financeira.” O primeiro grande nó a
desfazer é a percepção que muitos europeus têm da UE como entidade longínqua e
estranha às suas vidas.
Só retórica?
“Não basta ter
uma moeda, um presidente e uma fonte de financiamento em comum. Ou aceitamos um
destino e valores comuns ou perdemos o papel da Europa perante si mesma.”
Estas ideias não
são propriamente originais. Falta ouvir o discurso de amanhã. É preciso notar
que, em Renzi, o tom é particularmente importante. Ele mudou a linguagem
política da esquerda italiana e tal foi, ao lado da energia e do activismo, uma
das chaves da sua meteórica ascensão ao poder. Explicou aos italianos que o
mundo mudou e não se pode hoje governar com as políticas e programas do século
XX. Foi aquilo a que a esquerda e os sindicatos mais resistiram. Ele reivindica
pertencer à “geração Erasmus”. Também
não fala o “bruxelês”. Isto pode fazer muita diferença.
Renzi não tem a
veleidade de substituir a chanceler Merkel. O que ele parece pretender é criar
uma nova dinâmica na política europeia e fala muito em “mudar os métodos”. Se
não tem poder, tem a seu favor uma conjuntura política nova. Após o surto dos
populistas e eurocépticos nas eleições europeias de 25 de Maio, sabe que a
política europeia não pode deixar de mudar, sob pena de suicídio comunitário.
“As eleições
europeias mostraram uma generalizada e ainda não respondida aspiração de
mudança”, lê-se no documento italiano enviado ao Conselho Europeu. “A escolha é
nossa. Podemos fechar os olhos e esperar que esta aspiração azede, alimentado
sentimentos anti-europeus e até xenófobos. Ou poderemos responder às queixas
subjacentes. Transformar as escaldantes tensões na Europa em energia positiva.”
A margem de
manobra de Renzi é muito estreita. A presidência rotativa não é um poder, é uma
oportunidade. “O semestre da presidência italiana arranca num clima difícil,
com a disputa dos postos na UE, com um Parlamento acabado de eleger e que viu a
afirmação das forças anti-europeias”, declara à AFP Federico Niglia, professor
de História Contemporânea na Universidade Luiss de Roma. Para não falar nos
grandes focos de crise, como a Ucrânia. Conclui Niglia: “O resultado das
eleições europeias é um indicador impossível de ignorar, foi um sinal de
alarme.”
A “renzomania”
Há um excesso de
expectativas em torno do jovem presidente do Conselho de Ministros italiano. O
Figaro fala numa “renzomania à conquista da UE” e aponta-o como a nova
“coqueluche” da Europa — o grande comunicador que soube “restituir a confiança
a um país deprimido por dois anos de austeridade” e que também soube “seduzir
Angela Merkel”. Quer mudar a orientação da Europa.
É evidente que
Renzi está a capitalizar as reformas em curso na Itália para reforçar o seu
peso na Europa. Não tem grande “experiência europeia”, o que tanto pode ser um
handicap como um trunfo. Mas, com Merkel mais preocupada com os riscos
políticos da UE, com François Hollande na “mó de baixo”, com David Cameron
isolado na sua trincheira nacionalista, Renzi é o melhor colocado para pedir
“um pouco mais de solidariedade e um pouco menos de austeridade”.
Interrogava-se há
dias o jornal online EUobserver: “Pode o serial killler da política italiana
mudar o curso da austeridade na UE?” É um bom título
mas algo exagerado.
Nem só de
política europeia se vai ocupar Renzi, Na quinta-feira tem uma nova prova de
fogo no Senado, exactamente a propósito da reforma da câmara alta. Há grandes
reticências dos senadores de Berlusconi e da esquerda do Partido Democrático,
de Renzi. Na Itália as reformas estão sempre por um fio.
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