domingo, 20 de julho de 2014

Um megastério para a cultura, por JOSÉ DIOGO QUINTELA

"Na Cultura, as mãos livres são muito importantes. Servem para bater palmas ao candidato a quem, uma vez eleito, se vão estender."
JOSÉ DIOGO QUINTELA


É MUITO ISTO
Um megastério para a cultura
 JOSÉ DIOGO QUINTELA / 20-7-2014 / PÚBLICO

“Sr. Quintela, uma vez que, tendo aparecido na televisão e escrevendo em publicações, é um intelectual da Cultura, não apoia António Costa? O seu silêncio sobre este tema é por demais ostensivo! Está mais magro!” É desta forma que os meus admiradores me têm abordado.

Obviamente, a resposta é: “Não!” Ao contrário dos outros intelectuais da Cultura, não me vendo a António Costa por um prato de lentilhas.

(Introduzo aqui uma referência bíblica erudita, para provar as minhas impecáveis credenciais, caso alguém esteja desconfiado de que não sou um intelectual da Cultura, mas um simples palerma. Como se deixassem um simples palerma aparecer na televisão e ocupar um espaço de comentário num jornal...)
O prato de lentilhas tem um nome: Ministério da Cultura. A mim não me basta. Eu quero chouriço e ovos escalfados nessas lentilhas. Quero embeber o pão no molho. E depois quero sobremesa e café. E um digestivo. Mais um palito para os dentes. Se António Costa deseja o meu apoio, não chega criar o Ministério da Cultura. A Cultura é demasiado importante para mero Ministério. A Cultura exige um Megastério.

Ministérios são para coisas prosaicas como a Saúde, a Educação ou a Justiça. Sim, têm o seu lugar na vida corriqueira, mas a vida corriqueira é uma maçada. De que serve ter acesso a um bom oftalmologista, se não for para manter os olhos em condições de apreciar uma instalação de Joana Vasconcelos? Para quê aprender a ler, se não for para desfrutar de um romance de Lídia Jorge? Qual a utilidade dos tribunais se não servirem para impedir que o proprietário de um cinema que ninguém quer frequentar possa rentabilizar o imóvel da forma que lhe aprouver?

Desta feita, os intelectuais da Cultura rebaixaram-se. Ali, no Mercado da Ribeira, a emprestarem a António Costa o seu prestígio em troca de um Ministério? Nem pareciam intelectuais. Muito menos da Cultura.

É costume dizer-se que Portugal é um país de poetas. Mas já alguém ouviu dizer que Portugal é um país de pensionistas? Ou que Portugal é um país de doentes em listas de espera? Claro que não. (Só alguém a quem esta crónica seja lida em voz alta. O que acredito que vá acontecer: as palavras dos intelectuais da Cultura são mais saborosas quando ditas.) Quantos prémios Nobel trouxeram os pensionistas para Portugal? Quantos Grammys Latinos lograram? Quantas vezes encheram o Olympia de Paris? Pois se os pensionistas nem se dignam a ir ao estrangeiro actuar!

Menos que Megastério, para mim, é filistinismo. No futuro, aliás, o ideal será haver um Gigastério. Com 627 Secretarias de Estado espalhadas pelo país. Cada uma equipada com a sua própria Caixa de Multibanco, para se levantar mais facilmente a subvenção estatal.


Bob Hope disse um dia que “Cultura é a capacidade de descrever a Jane Russel sem usar as mãos”. Sábias palavras do jogral americano. Na Cultura, as mãos livres são muito importantes. Servem para bater palmas ao candidato a quem, uma vez eleito, se vão estender.

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