‘Como “mendigos” à procura de
investimentos e de mercados a qualquer custo’.
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OPINIÃO
O que anda a fazer a diplomacia
portuguesa?
TERESA DE SOUSA
27/07/2014 - PÚBLICO
É verdade que os países desenvolvidos não estão a investir em Portugal e
que temos de ir buscar capital à China, a Angola e agora, pelos vistos, à Guiné
Equatorial. Cabe-nos alterar estas circunstâncias em vez de nos rendermos a
elas.
1. Não é para
“bater no ceguinho” outra vez e talvez nem seja para acrescentar muito ao
debate. Mas o nosso “carinho” pelos timorenses, invocado pelo Presidente da
República, não chega para ocultar um grande fracasso da diplomacia portuguesa,
que levou à humilhação nacional. Com Luanda já tinha sido mais ou menos a mesma
coisa, com a diplomacia a vergar-se aos editoriais “ameaçadores” do Jornal de
Angola. Vale, no entanto, a pena dar um passo atrás para olhar devidamente para
este triste episódio.
Comecemos pelo
mundo. Hoje, uma das questões centrais da caótica “ordem” internacional em que
vivemos é a emergência de novos poderes mundiais que, ao contrário do Ocidente
(e da ordem que foi construindo), não colocam na sua agenda externa a questão
dos direitos humanos. E isso acontece não apenas com as novas potências que são
regimes autoritários, mas com as que são grandes democracias. A Europa e os EUA
têm de contar com isso. O Brasil é o exemplo paradigmático. Com o PT de Lula e
de Dilma (ajudados pelas mudanças radicais a que assistimos hoje na economia
global), a questão geopolítica é aproveitar o declínio ocidental para garantir
às novas potências emergentes o lugar na cena mundial a que se acham com
direito. Como dizia um sociólogo brasileiro, “o Brasil não quer democratizar o
mundo, quer democratizar o poder mundial”. A linha que hoje prevalece no
Itamaraty traduz-se no fortalecimento das relações Sul-Sul e já não, como no
tempo de Fernando Henrique Cardoso, uma relação Sul-Norte com os grandes pólos
de poder ocidental (EUA e União Europeia). Nessa altura, a questão da
democracia ainda era forte (o Mercosul foi criado tendo por base o compromisso
com os valores democráticos por parte dos países-membros). Agora, com a
interpretação que o Brasil fez das consequências da crise financeira para o
domínio ocidental, esse vector conta pouco. Brasília olha para a África
Ocidental como um parceiro privilegiado. Qualquer diplomata nos pode explicar
que, depois do Brasil verde (Amazónia), a nova prioridade é o Brasil azul, ou
seja, a valorização estratégica do Atlântico Sul. Os direitos humanos e o bom
governo não têm nada a ver com isto. O petróleo é um dos seus grandes trunfos
internacionais. A última coisa que passaria pela cabeça de Dilma era ver este
objectivo estratégico prejudicado por uma qualquer teimosia de Portugal sobre a
questão dos direitos humanos. Com uma agravante, como uma vez disse em Lisboa o
principal assessor diplomático de Lula (e de Dilma): “a Europa saiu do nosso
radar”.
2. Podemos também
olhar para o que se está a passar na Ucrânia, na nossa velha e boa Europa para
compreender o mundo em que vivemos. A União Europeia, que é ainda um colosso
económico, verga-se às ameaças de Putin com um à-vontade inexplicável. É
verdade que, até agora, tem disfarçado essa tentação, procurando seguir os
Estados Unidos na sua estratégia de sanções cada vez mais duras e no crescente
isolamento internacional da Rússia. Como é óbvio para qualquer observador, a
tragédia do voo da companhia aérea da Malásia deixou Putin ainda mais isolado.
E, no entanto, como referem as análises da imprensa europeia, nem esta tragédia
conseguiu unir a Europa de forma inequívoca. Aliás, viu-se na última cimeira
europeia até que ponto a Rússia divide os europeus e até que ponto alguns governos
não conseguem ver para além dos negócios. É verdade que os chefes da diplomacia
europeia já decidiram elevar as sanções para o “nível três”. Se passarem à
prática, o efeito na economia russa começa mesmo a doer. Terá custos também
para a economia europeia que será preciso suportar para que Putin consiga
perceber que há coisas que não lhe são permitidas.
E isto conduz-nos
de novo à triste cimeira da CPLP. A diplomacia portuguesa pode justificar a sua
rendição aos seus parceiros como um imperativo de realpolitik. O que não
consegue explicar é o que o país beneficia com ele. Preservar a língua? Essa
parte é de gargalhada. Ter acesso a energia mais barata? Isso depende muito
mais de uma estratégia europeia que não seja a da pura fragmentação dos
mercados energéticos. Finalmente, aquela que o Governo nunca invoca e que é a
razão mais forte: Brasília e Luanda queriam assim. Portugal não tinha
alternativa? Claro que tinha. Mas a insistência na chamada “diplomacia
económica” que Paulo Portas instituiu e que o Governo interiorizou matou a
diplomacia política que deve fazer a leitura dos nossos interesses no longo
prazo.
A forma como
decorreu a cimeira foi, em primeiro lugar, um tremendo fracasso da diplomacia
portuguesa. Sabemos como estas visitas de Estado são preparadas ao milímetro
com uma antecedência razoável. Lisboa já sabia que não conseguiria travar a
entrada de Obiang. Deveria ter uma forma de manifestar a sua reserva,
distanciando-se da cerimónia que, entretanto, os seus “amigos” timorenses
resolveram alterar. Cavaco opôs-se à entrada de Obiang durante anos. Agora
parece que não conseguiu impedir o facto consumado. O facto de Dilma e José
Eduardo dos Santos terem faltado podia ter dado ao Presidente a desculpa
necessária para não ir. Terá sido a intransigência do Palácio das Necessidades
que o deixou sem saída. Como é que a diplomacia portuguesa expôs o chefe de
Estado e o primeiro-ministro ao teatro lamentável que se viveu em Díli? Alguém
vai ter ainda de explicar tudo isto.
3. Foi a
diplomacia portuguesa que, nos anos finais do século passado conseguiu
restituir a liberdade aos timorenses. Não foram as tiradas de Paulo Portas a
dizer que os timorenses “rezam em português”, o que é duvidoso porque muitos
nem sequer falam a nossa língua. O factor decisivo foi a luta do governo
português para conseguir colocar Timor na agenda europeia, em nome dos direitos
humanos e confrontando a Europa com as suas responsabilidades. Hoje, como se
viu, estamos nos antípodas. É verdade que a União Europeia atravessa um dos piores
momentos da sua história que ainda não sabemos como vai terminar. Mas há uma
coisa que é certa: se Portugal não percebe que a CPLP só será relevante para
nós se não deixar cair os princípios e os valores inscritos na sua fundação e
se souber dar-lhe um conteúdo que vá para além dos negócios, estaremos sempre
do lado dos perdedores. Nos anos 90 era mais simples contar com a Europa. Hoje,
é mais difícil. Mas Portugal só pode ter influência na CPLP com o seu estatuto
europeu, incluindo aquilo que é específico em matéria de democracia e de
direitos humanos. Se não, não vale nada.
Não somos os
únicos a abdicar em nome da realpolitik. François Hollande, mesmo depois da
tragédia do avião, insiste na venda de um navio Mistral a Moscovo. Merkel está
pressionada por uma opinião pública e uma elite empresarial que começa a
valorizar mais as relações com a Rússia do que as relações com a América. Em
Lisboa, tratam-se os países de Leste, da Polónia aos Bálticos, como uns chatos
que já ninguém pode aturar, por darem tanta importância à ameaça que Putin
efectivamente constitui. Estamos bem acompanhados, é verdade, mas como não
somos nem a França nem a Alemanha (respectivamente, a quarta e a quinta
economia mundial), temos de insistir ainda mais numa política externa que sirva
os nossos interesse mas também integre os nossos valores de país europeu. Sem
isso, Luanda tratar-nos-á como não se atreve a tratar a França. Como “mendigos”
à procura de investimentos e de mercados a qualquer custo. É verdade que os
países desenvolvidos não estão a investir em Portugal e que temos de ir buscar
capital à China, a Angola e agora, pelos vistos, à Guiné Equatorial. Cabe-nos
alterar estas circunstâncias em vez de nos rendermos a elas.
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