terça-feira, 15 de julho de 2014

O “milagre” é de esquerda. É magia!


OPINIÃO
O “milagre” é de esquerda. É magia!
VICTOR BAPTISTA 15/07/2014 - PÚBLICO
Se a situação não fosse demasiado séria e dramática, as propostas dariam para um bom programa humorístico.

Os “milagreiros”tiraram da “cartola”, por magia, não um habitual e irritante Coelho, mas uma solução milagrosa, a de três em um: não pagamos a dívida bancária; adiamos o pagamento da dívida do estado; e reduzimos drasticamente o endividamento externo.

Se me tivessem convidado, daria um contributo, um capítulo: a prisão dos responsáveis. Entretanto, vou aguardar a publicação da “obra” que, com a minha ajuda, até poderia ser um novo Nobel, o da responsabilização.

Há muito sabemos que o grave problema do país e da economia nacional é o endividamento. E este tem por detrás rostos e responsáveis. Porém, num país de brandos costumes, promovemos os “deuses” da irresponsabilidade e alguns, ainda por cima, no culto da sabedoria dominical.

O milagre é de esquerda. É magia. Propõem, entre outras propostas, que a actual dívida pública passe de 173% do PIB para 82%, isto, sem qualquer amortização de capital, apenas pela via da dilatação temporal. Ora, como quando a esmola é de mais o pobre desconfia, não havendo amortização de capital, como vai então a dívida diminuir?

Encontro uma possível resposta, com a indexação da dívida ao PIB: se este crescer, poderá diminuir, mas só relativamente. Vamos então analisar quanto teria de crescer o PIB.

Partindo do pressuposto, ainda que errado, de que o montante absoluto da dívida se mantém constante – não esquecer que ainda estamos em défice orçamental – precisaríamos de um crescimento do PIB de 91%. E quantos anos serão precisos para este crescimento?

Numa versão optimista, com um crescimento anual médio da ordem dos 2,5% a 3%, precisamos de um prazo da ordem dos 30 a 36 anos, isto é, os credores não poderiam receber um euro sequer do valor emprestado antes do ano de 2044 a 2050. E para o receberem, outros credores o teriam de emprestar. Ainda por cima, imporíamos uma taxa de juro de 1%.

Quanto à dívida bancária, a proposta é demagógica e ainda mais interessante. Muito ao estilo de uma certa irrecuperável esquerda, de génio ilusionista. Espantosamente, assenta numa resolução, que permitiria o reequilíbrio financeiro dos balanços dos bancos, tendo por base chamar os accionistas a pagar, isto é, a aumentarem o capital e os credores a reduzirem os seus créditos, bem como os grandes depositantes a perderem depósitos de 34%, recebendo em troca acções.

Grande reestruturação! Os accionistas aumentariam o capital se o tivessem ou se estivessem loucos. Que confusão. E que novidade! Mas ainda há mais…

Impunha-se aos bancos que entregassem ao Fundo de Garantia de Depósitos o dinheiro suficiente para que este pudesse proteger todos os depósitos abaixo de cem mil euros.

A novidade seria o valor nominal das acções do banco serem reduzidas a zero. E o banco emitiria novas acções, a significar uma alteração completa na estrutura accionista dos bancos.

Mais, os credores estrangeiros dos bancos – não esquecer que os depositantes são credores – perderiam a totalidade dos seus títulos de dívida, perderiam os depósitos efectuados, um contributo para a redução da dívida externa! Curiosamente, o único credor que manteria os seus direitos intactos seria o Euro-sistema, a desempenhar o papel fundamental de continuar a garantir a liquidez do banco, a todo o momento. Porém, não esclarecem como financiariam o Euro-sistema.

A confusão é total, transformam o Fundo de Garantia de Depósitos em accionista, curiosamente, com o dinheiro que o banco transferia para o FGD, para garantir os depósitos inferiores a cem mil euros. E, ao estilo da esquerda folclórica, estas acções do FGD, oferecidas pelo banco, seriam entregues também em oferta ao Estado, muito ao estilo de um confisco.

Se a situação não fosse demasiado séria e dramática, as propostas dariam para um bom programa humorístico. Mas a situação é excessivamente grave e merece os seguintes comentários: a reestruturação da dívida é uma inevitabilidade. Carece de oportunidade e tempo para uma negociação que permita o cumprimento das responsabilidades do país, num período suficientemente dilatado e para o qual o BCE, directa ou indirectamente, terá de ter uma acção activa;

Há muito tempo defendo o financiamento de parte da dívida soberana pelo BCE, para podermos beneficiar de taxas de juro ao preço do mercado primário, que actualmente se situa na ordem do 1%.

António José Seguro, ao contrário de outros, há muito se pronunciou responsavelmente e tem trilhado o caminho da responsabilidade e da intervenção activa do BCE como forma de ultrapassar responsavelmente as dificuldades de financiamento do Estado e da economia.

António Costa também tem de se pronunciar sobre isto, desde logo porque Pedro Nuno é um dos seus destacados apoiantes. E na sua capacidade para fazer pontes é legitimo perguntar, caso ganhe as primárias, se vamos ter um governo com um novo Bloco de Esquerda, numa liderança bicéfala.

A banca precisa de soluções inteligentes, realistas, responsáveis, que a credibilizem. Dever-se-iam dispensar exercícios académicos que, só por serem aflorados, assustam os credores, conduzem à desconfiança, à fuga de capitais e ao isolamento do país. O tempo da responsabilização dos decisores tem de chegar, sob pena da descredibilização da política, dos gestores, e do sistema bancário.

Termino com um apelo: Oh, deus dos “deuses”, livra-nos disto. Está tudo a enlouquecer. Ainda por cima alguns querem ser governantes e por este andar ainda o vão ser. Se assim for, o melhor é mesmo desaparecer.


Economista

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