OPINIÃO
O “milagre” é de esquerda. É
magia!
VICTOR BAPTISTA
15/07/2014 - PÚBLICO
Se a situação não fosse demasiado séria e dramática, as propostas dariam
para um bom programa humorístico.
Os “milagreiros”tiraram
da “cartola”, por magia, não um habitual e irritante Coelho, mas uma solução
milagrosa, a de três em um: não pagamos a dívida bancária; adiamos o pagamento
da dívida do estado; e reduzimos drasticamente o endividamento externo.
Se me tivessem
convidado, daria um contributo, um capítulo: a prisão dos responsáveis. Entretanto,
vou aguardar a publicação da “obra” que, com a minha ajuda, até poderia ser um
novo Nobel, o da responsabilização.
Há muito sabemos
que o grave problema do país e da economia nacional é o endividamento. E este
tem por detrás rostos e responsáveis. Porém, num país de brandos costumes,
promovemos os “deuses” da irresponsabilidade e alguns, ainda por cima, no culto
da sabedoria dominical.
O milagre é de
esquerda. É magia. Propõem, entre outras propostas, que a actual dívida pública
passe de 173% do PIB para 82%, isto, sem qualquer amortização de capital,
apenas pela via da dilatação temporal. Ora, como quando a esmola é de mais o
pobre desconfia, não havendo amortização de capital, como vai então a dívida
diminuir?
Encontro uma
possível resposta, com a indexação da dívida ao PIB: se este crescer, poderá
diminuir, mas só relativamente. Vamos então analisar quanto teria de crescer o
PIB.
Partindo do
pressuposto, ainda que errado, de que o montante absoluto da dívida se mantém
constante – não esquecer que ainda estamos em défice orçamental – precisaríamos
de um crescimento do PIB de 91%. E quantos anos serão precisos para este
crescimento?
Numa versão
optimista, com um crescimento anual médio da ordem dos 2,5% a 3%, precisamos de
um prazo da ordem dos 30 a
36 anos, isto é, os credores não poderiam receber um euro sequer do valor
emprestado antes do ano de 2044
a 2050. E para o receberem, outros credores o teriam de
emprestar. Ainda por cima, imporíamos uma taxa de juro de 1%.
Quanto à dívida
bancária, a proposta é demagógica e ainda mais interessante. Muito ao estilo de
uma certa irrecuperável esquerda, de génio ilusionista. Espantosamente, assenta
numa resolução, que permitiria o reequilíbrio financeiro dos balanços dos
bancos, tendo por base chamar os accionistas a pagar, isto é, a aumentarem o
capital e os credores a reduzirem os seus créditos, bem como os grandes
depositantes a perderem depósitos de 34%, recebendo em troca acções.
Grande
reestruturação! Os accionistas aumentariam o capital se o tivessem ou se
estivessem loucos. Que confusão. E que novidade! Mas ainda há mais…
Impunha-se aos
bancos que entregassem ao Fundo de Garantia de Depósitos o dinheiro suficiente
para que este pudesse proteger todos os depósitos abaixo de cem mil euros.
A novidade seria
o valor nominal das acções do banco serem reduzidas a zero. E o banco emitiria
novas acções, a significar uma alteração completa na estrutura accionista dos
bancos.
Mais, os credores
estrangeiros dos bancos – não esquecer que os depositantes são credores –
perderiam a totalidade dos seus títulos de dívida, perderiam os depósitos
efectuados, um contributo para a redução da dívida externa! Curiosamente, o
único credor que manteria os seus direitos intactos seria o Euro-sistema, a
desempenhar o papel fundamental de continuar a garantir a liquidez do banco, a
todo o momento. Porém, não esclarecem como financiariam o Euro-sistema.
A confusão é
total, transformam o Fundo de Garantia de Depósitos em accionista,
curiosamente, com o dinheiro que o banco transferia para o FGD, para garantir
os depósitos inferiores a cem mil euros. E, ao estilo da esquerda folclórica,
estas acções do FGD, oferecidas pelo banco, seriam entregues também em oferta
ao Estado, muito ao estilo de um confisco.
Se a situação não
fosse demasiado séria e dramática, as propostas dariam para um bom programa
humorístico. Mas a situação é excessivamente grave e merece os seguintes
comentários: a reestruturação da dívida é uma inevitabilidade. Carece de
oportunidade e tempo para uma negociação que permita o cumprimento das
responsabilidades do país, num período suficientemente dilatado e para o qual o
BCE, directa ou indirectamente, terá de ter uma acção activa;
Há muito tempo
defendo o financiamento de parte da dívida soberana pelo BCE, para podermos
beneficiar de taxas de juro ao preço do mercado primário, que actualmente se
situa na ordem do 1%.
António José
Seguro, ao contrário de outros, há muito se pronunciou responsavelmente e tem
trilhado o caminho da responsabilidade e da intervenção activa do BCE como
forma de ultrapassar responsavelmente as dificuldades de financiamento do
Estado e da economia.
António Costa
também tem de se pronunciar sobre isto, desde logo porque Pedro Nuno é um dos
seus destacados apoiantes. E na sua capacidade para fazer pontes é legitimo
perguntar, caso ganhe as primárias, se vamos ter um governo com um novo Bloco
de Esquerda, numa liderança bicéfala.
A banca precisa
de soluções inteligentes, realistas, responsáveis, que a credibilizem. Dever-se-iam
dispensar exercícios académicos que, só por serem aflorados, assustam os
credores, conduzem à desconfiança, à fuga de capitais e ao isolamento do país. O
tempo da responsabilização dos decisores tem de chegar, sob pena da
descredibilização da política, dos gestores, e do sistema bancário.
Termino com um
apelo: Oh, deus dos “deuses”, livra-nos disto. Está tudo a enlouquecer. Ainda
por cima alguns querem ser governantes e por este andar ainda o vão ser. Se assim for, o melhor é mesmo desaparecer.
Economista
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