Obstáculos para impedir
sem-abrigo de dormir à entrada de edifícios aumentam
Os mais comuns são gradeamentos, vasos de grandes dimensões, blocos de
cimento ou contentores do lixo
PÚBLICO /
22-7-2014
Um pouco por toda
a cidade de Lisboa estão a ser colocados obstáculos à entrada de edifícios, de
forma a “impedir que os sem-abrigo pernoitem no local”, disse o coordenador do
projecto Um Sem-Abrigo Um Amigo. Pelas ruas de Lisboa há mais de oito anos,
Duarte Paiva, coordenador da Associação Conversa Amiga, apoia e acompanha o
percurso das pessoas sem-abrigo. De acordo com o responsável, a colocação de
obstáculos à entrada dos edifícios não é nova, mas tem aumentado: “Estão a
multiplicarse cada vez mais pela cidade.”
Entre os
obstáculos, “os mais comuns são a colocação de gradeamentos, a colocação de
vasos de plantas de grandes dimensões, blocos de cimento, contentores do lixo,
tudo aquilo que possa impedir uma pessoa de pernoitar lá”, disse.
O vereador dos
Direitos Sociais da Câmara de Lisboa, João Afonso, reconheceu que o que tem
sido feito pelos proprietários dos edifícios “não é legítimo, porque estão a
pôr objectos intrusivos, alguns deles até podem ser perigosos ou podem estar em
saídas de emergência, podem estar junto à via pública e portanto uma pessoa
pode cair para cima daquelas coisas e também se magoar”.
Para o vereador,
é necessário “informar os donos dos edifícios sobre o que podem e não podem
fazer, informar sobre as condições das pessoas sem-abrigo, tentar
sensibilizá-los para o problema e, obviamente, em primeiro lugar, tentar
resolver a situação das pessoas sem-abrigo”.
Quanto à
aplicação de coimas aos proprietários dos edifícios, João Afonso referiu que “é
uma alteração à fachada, é uma alteração indevida da via pública”, pelo que “é
natural que seja possível autuar”.
O principal
objectivo da Câmara de Lisboa é “resolver o problema da pessoa sem-abrigo e
resolver o problema dos munícipes ou das empresas que actuam dessa forma,
porque acham que é a solução que têm à mão, quando não é”, acrescentou o
vereador. No seu entender, as razões que têm levado à colocação de barreiras
nos edifícios prendem-se com “o problema de higiene urbana e de sensação de
insegurança” por parte dos moradores e comerciantes.
“O que nós
tentamos fazer é que eles percebam que não é ao pôr obstáculos, objectos
contundentes ou o que quer que seja que se resolve a situação”, disse João
Afonso.
Habituado a
confrontar-se com a realidade das pessoas sem-abrigo, Duarte Paiva contou que
esta situação acontece “um pouco por toda a cidade”, mas é na freguesia de Arroios
que se identificam mais obstáculos. A dormir na escadaria da igreja de Arroios
juntamente com cinco pessoas na mesma condição, Elizabete Gomes, de 62 anos,
contou que teve de sair do edifício onde habitualmente pernoitava por terem
sido colocadas grades. “Há pessoas que não são limpas, deixam tudo sujo e as
pessoas reclamam e depois põem estes obstáculos, põem grades”, referiu.
Segundo Duarte
Paiva, o facto de os sem-abrigo estarem a ser impedidos de pernoitar em alguns
edifícios que outrora eram o local habitual dificulta o apoio das associações,
uma vez que “começa a ser difícil localizá-los”. O responsável lamentou que
ainda perdurem preconceitos em relação às pessoas que estão nesta condição —
que são alcoólicos, não querem trabalhar e querem estar na rua: “Não é verdade.
Sobretudo nestes dois últimos anos o perfil da pessoa que está na condição de
semabrigo mudou muito, pessoas muito mais jovens, pessoas que perderam o seu
emprego e que estão na rua.”
A Lusa questionou
o gabinete do vereador do Urbanismo, Manuel Salgado, sobre o licenciamento
deste tipo de alteração à fachada, mas não obteve resposta.
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