Debate “Eleições primárias”
Os partidos e o Marketing político
Mário Vieira de
Carvalho / 20-7-2014 / PÚBLICO
Apesar das
esferas públicas digitais emergentes, que tentam romper com o ciclo de
“refeudalização da esfera pública” (Habermas) operada pelos meios de
comunicação de massas, certo é que esse ciclo ainda não acabou, bem pelo
contrário.
Os mass media, em
especial a TV, continuam a ser a grande escola de comportamentos-padrão. O
mimetismo começa, porém, a montante: na própria transformação estrutural que a
dinâmica de mercado induziu nesses meios de comunicação. O seu objeto principal
seria a informação. Mas, os seus verdadeiros clientes não lhes compram
informação. Compram-lhes audiências.
A informação não
é, pois, a finalidade, mas sim o meio de satisfazer a procura dos verdadeiros
clientes: as empresas de publicidade. É destas que depende vitalmente a
sustentabilidade da comunicação de massas como negócio.
Num contexto de
concorrência sem quartel, a venda de audiências determina tudo: as grelhas, os
conteúdos e o estilo dos uo Estado dexiouvista, órgãos de informação. A norma
publicitária é reproduzida em todos os planos. Sem marketing comunicacional que
garanta quotas de mercado não há audiências para vender. Daí o inevitável
tratamento da informação como mercadoria. De resto, não se observa qualquer
diferença entre televisões privadas e televisão pública, pois também esta foi
colocada na inteira dependência das receitas de publicidade. Vender ou não
vender, eis a questão.
Este modelo não
podia deixar de contaminar a comunicação política, enquanto comunicação de massas,
na medida em que o audiovisual se tornou o seu cenário privilegiado. Só existe
politicamente o que passa na televisão. Manifestações, reuniões, declarações
são preprogramadas para a televisão. Diluem-se as fronteiras entre spot
publicitário e informação. Já não se faz política sem agências ou conselheiros
de marketing, e quem não compreendeu a transformação da comunicação política em
mercadoria está condenado ao fracasso.
Estamos, assim,
cada vez mais longe da “situação ideal de discurso” e do “uso público da
razão”. A norma publicitária – sem dúvida hegemónica, mesmo nas redes digitais
emergentes – derroga o princípio democrático da participação ativa, crítica e
esclarecida, dos cidadãos. Exclui-os do processo deliberativo. Confina-os a uma
competência passiva, meramente “aclamatória”. Trata-os como simples
“consumidores”.
É certo que
sobrevivem ainda nos mass media – há que reconhecê-lo – alguns espaços de
debate político, sério e fundamentado. Mas não invalidam a tendência geral à
reprodução do comportamento-padrão, que tem vindo a capturar até mesmo o
funcionamento interno das máquinas partidárias.
Numa hora tão
grave como aquela que o mundo, a Europa e o país atravessam, seria de esperar
que os partidos apelassem a um profundo debate interno, o mais alargado
possível, envolvendo tanto populações locais como diferentes grupos
socioprofissionais e setores de atividade – um debate que lhes permitisse fazer
o diagnóstico da situação e deliberar, como coletivo – segundo um modelo de
democracia participativa – sobre os respetivos programas e estratégias a curto,
médio e longo prazo.
Em vez disso,
porém, responde-se ao impasse com “eleições primárias”. Isto é, com a
colonização da vida partidária pelo modelo publicitário e plebiscitário, já
dominante na esfera pública. Sem voz ativa, o militante ou simpatizante
defronta-se – agora também internamente – com o uso e abuso das estratégias de
marketing. Vê-se reduzido à função de pôr uma cruz no boletim de voto: “comprar
ou não comprar, eis a questão”.
Professor
catedrático jubilado (FCSH-UNL)
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