quinta-feira, 17 de julho de 2014

Começou a corrida ao “ouro” socialista / De onde vem o dinheiro, António Costa? / António Costa e a liberdade de informação.

EDITORIAL / PÚBLICO / 17-7-2014
Começou a corrida ao “ouro” socialista
No Largo do Rato é irreprimível o contentamento, mas não se percebe se é caso para festejar ou pasmar. A “brutal” adesão (assim foi anunciada) de simpatizantes ao recenseamento aberto para a votação nas eleições internas de 28 de Setembro, uns três mil em apenas 18 horas (titulava o DN de ontem), dificilmente resultará de uma epifania socialista de milhares de portugueses. Apoiando uns Costa e outros Seguro, coisa que não se saberá naturalmente pelo voto (secreto), a verdade é que todos se encaminham para o que julgam já ser a nova sede do poder em Portugal. É uma espécie de corrida ao “ouro” socialista, sendo que o valor de tal investimento só será revelado nas legislativas. Se isto significasse uma clarificação partidária, poderia ser útil. Mas nesta aparente “entrega” a uma causa pode esconderse uma corrida de interesses, a serem cobrados na hora própria. Não tardaremos muito a ver o resultado de euforia.

OPINIÃO
De onde vem o dinheiro, António Costa?
JOÃO MIGUEL TAVARES 17/07/2014 - PÚBLICO
Costa poderia começar a dar o exemplo e a praticar a transparência que apregoa.

Eu faço parte daquela maioria esmagadora de comentadores que considera António Costa muito melhor político do que António José Seguro. Mas como dizia o tio do Homem-Aranha – é uma frase que aprecio citar –, “com grandes poderes vêm grandes responsabilidades”. E entre essas responsabilidades existe uma exigência acrescida de transparência, tanto nos actos públicos como nas contas de campanha – dois campos onde António Costa tem vindo a fazer muito menos do que devia.

Um problema é directamente seu, e não atinge Seguro. António Costa não é deputado, nem líder partidário – é presidente da Câmara de Lisboa. No entanto, quem olhe para a televisão à hora do almoço e à hora de jantar, vê Costa a dar mais voltas a Portugal do que Joaquim Agostinho. Para todos os efeitos, ele está em campanha, e numa campanha mais aguerrida do que as próprias legislativas. Mandaria, por isso, o bom senso que suspendesse o mandato durante as primárias. Se a sua cabeça está no Largo do Rato e não no Largo do Município, não faz sentido algum António Costa andar a receber o ordenado de presidente de câmara.

O segundo problema já atinge tanto Costa como Seguro, e o próprio Partido Socialista como um todo: a transparência das contas da campanha. É um problema recorrente, e é um problema grave. O jornal online Observador questionou os dois candidatos sobre o tema, e eles pareciam irmãos gémeos. A candidatura de António Costa respondeu: “Nos termos do regulamento eleitoral, apresentaremos o orçamento de campanha na data prevista”. E a de António José Seguro: “Nos termos do regulamento, o orçamento será apresentado no momento da formalização da candidatura”. Quando se trata de chutar para canto, os políticos portugueses distinguem-se tanto entre si quanto Dupond e Dupont.

E o que diz o regulamento eleitoral das primárias, afinal? Que as candidaturas devem ser formalizadas até 14 de Agosto, e que o secretariado nacional irá elaborar um orçamento específico “para as campanhas de esclarecimento” até 15 de Julho (se esse orçamento existe, não o encontrei em lado algum), com vista “a assegurar as condições de igualdade entre as candidaturas”. Só que o próprio Jorge Coelho, presidente da comissão eleitoral das primárias, admitiu que ainda não sabe como as contas serão fiscalizadas.

Tanta coisa que está a mudar no país, menos a transparência das contas eleitorais. António Costa já gastou rios de dinheiro antes de sequer oficializar a candidatura: os cenários impecáveis, o muitíssimo profissional site Mobilizar Portugal, os alugueres dos espaços, o design "XPTO", os equipamentos de som, os veículos que andam em campanha, o pessoal associado a tudo isto. Esta máquina tem um preço altíssimo e os contribuintes têm toda a legitimidade para perguntar quem a está a pagar.

Na já citada reportagem do Observador, éramos informados de que os assessores de imprensa de António José Seguro “continuam a ser os mesmos que tem enquanto secretário-geral” e que “os de António Costa são dois dos assessores que tem na câmara”. Costa, que tem grandes possibilidades de chegar a primeiro-ministro, poderia começar a dar o exemplo e a praticar a transparência que apregoa. Como é que ele está a pagar tudo isto? De onde vem o ordenado dos seus assessores? Eu gostaria muito de saber. E não devo ser o único.



António Costa e a liberdade de informação
JOSÉ ANTÓNIO CEREJO
23/06/2012  PÚBLICO

O país assistiu em Março a uma bem montada operação de marketing político com o objectivo de lançar a corrida de António Costa a São Bento. O pretexto escolhido pelo presidente da Câmara de Lisboa para apontar ao mundo o destino com que sonha foi a publicação de uma colectânea de discursos intitulada "Caminho aberto". Explicou então, nas entrevistas e declarações que encheram os media, que era um homem de acção, com gosto pelas tarefas executivas, e que o livro servia para "prestar contas" aos cidadãos sobre o que tem andado a fazer.

Como jornalista que acompanha regularmente a actividade da Câmara de Lisboa, a minha primeira reacção foi de satisfação. António Costa falava em prestar contas e isso poderia significar o reconhecimento, embora tardio, de que devia explicações, muitas explicações, em primeiro lugar a quem vive e trabalha em Lisboa, sobre as únicas funções executivas que desempenha presentemente. Os meses que se seguiram mostraram, porém, que não era disso que se tratava.

Na Câmara de Lisboa nada mudou e António Costa permanece fiel ao seu entendimento de sempre: a câmara é dele, e é ele, consoante os seus interesses e estratégias pessoais, quem decide o que diz, onde, quando e a quem, sobre aquilo que faz no lugar para que foi eleito. Totalmente fora do seu quadro mental está a natureza das funções públicas que desempenha e aquilo a que a Constituição e as leis da República o obrigam, precisamente em matéria de prestação de contas.

Não é daqui a vinte anos, nas suas memórias, ou quando lhe der jeito, nas entrevistas e livros que congeminar, que tem de as prestar. É agora, hoje e todos os dias, que a lei lhe impõe uma conduta diametralmente oposta àquela que tem marcado os seus mandatos na Câmara de Lisboa.

A prestação de contas devida ao povo pelos titulares de cargos públicos passa em grande parte pela intermediação dos jornalistas e pelo escrupuloso cumprimento das normas legais que consagram o livre acesso, por parte destes, à informação existente na posse daqueles. Em concreto, o Estatuto dos Jornalistas (Lei n.º 1/99) estabelece que "o direito de acesso às fontes de informação é assegurado aos jornalistas" por toda a espécie de entidades públicas, incluindo as autarquias, e que "a liberdade de expressão e criação dos jornalistas não está sujeita a impedimentos ou discriminações". Na Câmara de Lisboa, todavia, a lei é letra-morta e há cinco anos que António Costa passa alegremente por cima dela, negando o acesso dos jornalistas a toda e qualquer informação que lhe pareça prejudicial ao seu "caminho". Nos computadores de muitos deles acumulam-se centenas de perguntas sem resposta dirigidas aos porta-vozes da câmara, ao gabinete do presidente e a alguns vereadores. Perguntas sobre factos concretos, não sobre opiniões, perguntas sobre actos ou omissões dos serviços do município, sobre decisões camarárias - pedidos de esclarecimento essenciais para que os cidadãos possam ser informados com rigor. Perguntas que esperam respostas semanas e meses a fio e sem as quais, por vezes, as notícias têm de ficar na gaveta, tornando-se o silêncio da câmara um imperdoável impedimento à liberdade de informação.

Mas não é só a gestão ilegal do silêncio que caracteriza a política de comunicação de António Costa, ela passa também pela discriminação de alguns jornalistas e meios de comunicação em relação a outros. E até por inomináveis manobras em que as informações pedidas por uns são entregues a terceiros, que supostamente tratarão do assunto de uma forma mais benigna para a autarquia.

À imagem de muitos outros políticos, em particular autarcas como Rui Rio, e seguindo a cartilha de João Soares, um dos seus antecessores, o presidente da Câmara de Lisboa constituiu-se há muito como um inimigo da liberdade de informação. E como já se viu noutros casos, fê-lo com a conivência de muitos jornalistas e da entidade reguladora do sector.



Sendo a lei aquilo que é, fantástica na proclamação de princípios, mas inconsequente no que respeita à sua aplicação, impõe-se que as normas do Estatuto do Jornalista quanto ao acesso às fontes oficiais de informação sejam mais do que isso - meros princípios. Impõe-se que a lei seja revista e diga expressamente que os titulares de cargos públicos têm de responder às perguntas dos jornalistas sobre factos concretos, ou de fundamentar por escrito as razões da sua recusa em responder. E impõe-se que a violação da lei não possa ficar impune.

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