OPINIÃO
De onde vem o dinheiro, António
Costa?
JOÃO MIGUEL
TAVARES 17/07/2014 - PÚBLICO
Costa poderia começar a dar o exemplo e a praticar a transparência que
apregoa.
Eu faço parte
daquela maioria esmagadora de comentadores que considera António Costa muito
melhor político do que António José Seguro. Mas como dizia o tio do
Homem-Aranha – é uma frase que aprecio citar –, “com grandes poderes vêm grandes
responsabilidades”. E entre essas responsabilidades existe uma exigência
acrescida de transparência, tanto nos actos públicos como nas contas de
campanha – dois campos onde António Costa tem vindo a fazer muito menos do que
devia.
Um problema é
directamente seu, e não atinge Seguro. António Costa não é deputado, nem líder
partidário – é presidente da Câmara de Lisboa. No entanto, quem olhe para a
televisão à hora do almoço e à hora de jantar, vê Costa a dar mais voltas a
Portugal do que Joaquim Agostinho. Para todos os efeitos, ele está em campanha,
e numa campanha mais aguerrida do que as próprias legislativas. Mandaria, por
isso, o bom senso que suspendesse o mandato durante as primárias. Se a sua
cabeça está no Largo do Rato e não no Largo do Município, não faz sentido algum
António Costa andar a receber o ordenado de presidente de câmara.
O segundo
problema já atinge tanto Costa como Seguro, e o próprio Partido Socialista como
um todo: a transparência das contas da campanha. É um problema recorrente, e é
um problema grave. O jornal online Observador questionou os dois candidatos
sobre o tema, e eles pareciam irmãos gémeos. A candidatura de António Costa
respondeu: “Nos termos do regulamento eleitoral, apresentaremos o orçamento de
campanha na data prevista”. E a de António José Seguro: “Nos termos do
regulamento, o orçamento será apresentado no momento da formalização da
candidatura”. Quando se trata de chutar para canto, os políticos portugueses
distinguem-se tanto entre si quanto Dupond e Dupont.
E o que diz o
regulamento eleitoral das primárias, afinal? Que as candidaturas devem ser
formalizadas até 14 de Agosto, e que o secretariado nacional irá elaborar um
orçamento específico “para as campanhas de esclarecimento” até 15 de Julho (se
esse orçamento existe, não o encontrei em lado algum), com vista “a assegurar
as condições de igualdade entre as candidaturas”. Só que o próprio Jorge
Coelho, presidente da comissão eleitoral das primárias, admitiu que ainda não
sabe como as contas serão fiscalizadas.
Tanta coisa que
está a mudar no país, menos a transparência das contas eleitorais. António
Costa já gastou rios de dinheiro antes de sequer oficializar a candidatura: os
cenários impecáveis, o muitíssimo profissional site Mobilizar Portugal, os
alugueres dos espaços, o design "XPTO", os equipamentos de som, os
veículos que andam em campanha, o pessoal associado a tudo isto. Esta máquina
tem um preço altíssimo e os contribuintes têm toda a legitimidade para
perguntar quem a está a pagar.
Na já citada reportagem
do Observador, éramos informados de que os assessores de imprensa de António
José Seguro “continuam a ser os mesmos que tem enquanto secretário-geral” e que
“os de António Costa são dois dos assessores que tem na câmara”. Costa, que tem
grandes possibilidades de chegar a primeiro-ministro, poderia começar a dar o
exemplo e a praticar a transparência que apregoa. Como é que ele está a pagar
tudo isto? De onde vem o ordenado dos seus assessores? Eu gostaria muito de
saber. E não devo ser o único.
António Costa e a liberdade de
informação
JOSÉ ANTÓNIO
CEREJO
23/06/2012 PÚBLICO
O país assistiu
em Março a uma bem montada operação de marketing político com o objectivo de
lançar a corrida de António Costa a São Bento. O pretexto escolhido pelo
presidente da Câmara de Lisboa para apontar ao mundo o destino com que sonha
foi a publicação de uma colectânea de discursos intitulada "Caminho
aberto". Explicou então, nas entrevistas e declarações que encheram os
media, que era um homem de acção, com gosto pelas tarefas executivas, e que o
livro servia para "prestar contas" aos cidadãos sobre o que tem
andado a fazer.
Como jornalista
que acompanha regularmente a actividade da Câmara de Lisboa, a minha primeira
reacção foi de satisfação. António Costa falava em prestar contas e isso
poderia significar o reconhecimento, embora tardio, de que devia explicações,
muitas explicações, em primeiro lugar a quem vive e trabalha em Lisboa, sobre
as únicas funções executivas que desempenha presentemente. Os meses que se
seguiram mostraram, porém, que não era disso que se tratava.
Na Câmara de
Lisboa nada mudou e António Costa permanece fiel ao seu entendimento de sempre:
a câmara é dele, e é ele, consoante os seus interesses e estratégias pessoais,
quem decide o que diz, onde, quando e a quem, sobre aquilo que faz no lugar
para que foi eleito. Totalmente fora do seu quadro mental está a natureza das
funções públicas que desempenha e aquilo a que a Constituição e as leis da
República o obrigam, precisamente em matéria de prestação de contas.
Não é daqui a
vinte anos, nas suas memórias, ou quando lhe der jeito, nas entrevistas e
livros que congeminar, que tem de as prestar. É agora, hoje e todos os dias,
que a lei lhe impõe uma conduta diametralmente oposta àquela que tem marcado os
seus mandatos na Câmara de Lisboa.
A prestação de
contas devida ao povo pelos titulares de cargos públicos passa em grande parte
pela intermediação dos jornalistas e pelo escrupuloso cumprimento das normas
legais que consagram o livre acesso, por parte destes, à informação existente
na posse daqueles. Em concreto, o Estatuto dos Jornalistas (Lei n.º 1/99)
estabelece que "o direito de acesso às fontes de informação é assegurado
aos jornalistas" por toda a espécie de entidades públicas, incluindo as
autarquias, e que "a liberdade de expressão e criação dos jornalistas não
está sujeita a impedimentos ou discriminações". Na Câmara de Lisboa,
todavia, a lei é letra-morta e há cinco anos que António Costa passa
alegremente por cima dela, negando o acesso dos jornalistas a toda e qualquer
informação que lhe pareça prejudicial ao seu "caminho". Nos
computadores de muitos deles acumulam-se centenas de perguntas sem resposta
dirigidas aos porta-vozes da câmara, ao gabinete do presidente e a alguns
vereadores. Perguntas sobre factos concretos, não sobre opiniões, perguntas
sobre actos ou omissões dos serviços do município, sobre decisões camarárias -
pedidos de esclarecimento essenciais para que os cidadãos possam ser informados
com rigor. Perguntas que esperam respostas semanas e meses a fio e sem as
quais, por vezes, as notícias têm de ficar na gaveta, tornando-se o silêncio da
câmara um imperdoável impedimento à liberdade de informação.
Mas não é só a
gestão ilegal do silêncio que caracteriza a política de comunicação de António
Costa, ela passa também pela discriminação de alguns jornalistas e meios de
comunicação em relação a outros. E até por inomináveis manobras em que as
informações pedidas por uns são entregues a terceiros, que supostamente
tratarão do assunto de uma forma mais benigna para a autarquia.
À imagem de
muitos outros políticos, em particular autarcas como Rui Rio, e seguindo a
cartilha de João Soares, um dos seus antecessores, o presidente da Câmara de
Lisboa constituiu-se há muito como um inimigo da liberdade de informação. E
como já se viu noutros casos, fê-lo com a conivência de muitos jornalistas e da
entidade reguladora do sector.
Sendo a lei
aquilo que é, fantástica na proclamação de princípios, mas inconsequente no que
respeita à sua aplicação, impõe-se que as normas do Estatuto do Jornalista
quanto ao acesso às fontes oficiais de informação sejam mais do que isso -
meros princípios. Impõe-se que a lei seja revista e diga expressamente que os
titulares de cargos públicos têm de responder às perguntas dos jornalistas
sobre factos concretos, ou de fundamentar por escrito as razões da sua recusa
em responder. E impõe-se que a violação da lei não possa ficar impune.
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