“Os ricos do mundo estão a
consumir mais do que um planeta Terra”
Mohan Munasinghe
era o vice-presidente do Painel Intergovernamental para as Alterações
Climáticas da ONU quando este organismo partilhou o Prémio Nobel da Paz de 2007
com o ex-vice-presidente norte-americano Al Gore.
Por Samuel Silva
/ 14-7-2014 / PÚBLICO.
Foi convidado do II Congresso Mundial de
História do Ambiente, que termina hoje em Guimarães, e alertou para os
paralelismos entre a conjuntura global actual e as situações críticas por que
passaram as grandes civilizações da história antes do seu desaparecimento.
Natural do Sri Lanka, Mohan Munasinghe é físico de formação. Veio a Portugal
para uma conferência sobre o papel da História num futuro sustentável. O que
podemos aprender com o passado? Hoje, os problemas sentem-se a uma escala
global, quando antes estavam talvez a uma escala de um país ou de uma cidade.
Os problemas que enfrentamos são mais complexos, mas a História é importante
para guiar o nosso caminho para um desenvolvimento sustentável. Se olharmos
para a ascensão e queda das civilizações no passado, há sempre três factores
críticos: a forma como a sociedade está organizada, a forma como a prosperidade
é criada e partilhada e o ambiente que suporta todas as actividades sociais e
económicas. Chamo-lhe o triângulo do desenvolvimento sustentável. As sociedades
que floresceram são capazes de usar os recursos eficientemente e de uma forma
sustentável e, habitualmente, entram em colapso por causa do consumo e do uso
excessivo de um ou mais recursos. E nós estamos num momento de consumo
excessivo? Do ponto de vista dos recursos naturais, estamos, enquanto espécie
humana, a consumir excessivamente, já não a um nível regional, mas globalmente.
O segundo factor desta equação é social: a ascensão das civilizações acontece
em momentos de maior equidade e esforço partilhado na sua construção. O
declínio começa habitualmente com o crescimento das iniquidades, com as elites
a desfrutarem de um nível de vida muito mais alto do que o das massas. Hoje há
paralelos preocupantes e as iniquidades estão a crescer. Essas desigualdades
reflectemse no consumo de recursos? Estamos a usar uma vez e meia a capacidade
do planeta Terra. E em breve será duas vezes. Cerca de 85% dos recursos são
consumidos pelos 20% mais ricos da população mundial. O resto dos 80% das
pessoas está a consumir uma percentagem muito reduzida. Isto significa que os
ricos do mundo estão a consumir mais do que um planeta Terra. A questão que se
coloca é: onde estão os recursos para alimentar os pobres? Esta é uma
aprendizagem que os governos estejam prontos para fazer? A minha experiência
com governos é muito decepcionante. Provavelmente, não poderemos esperar que a
mudança venha dos líderes. Em todas as grandes conferências mundiais, encontro
após encontro, os líderes prometem isto e aquilo, mas nada está a ser feito, na
prática. No entanto, se conseguirmos uma coligação da sociedade civil, dos
líderes de comunidade, do sector empresarial, trabalhando com os governos,
talvez possamos beneficiar das lições da História e colocarmo-nos no caminho da
sustentabilidade. Na Europa, a crise económica parece ter deixado estas
questões num segundo plano.
Esperava que isso
acontecesse?
O papel da Europa
é muito importante, porque esta desenvolveu um modelo policêntrico, que
considero ser fundamental adoptar para resolver os desequilíbrios que o mundo
enfrenta. Na União Europeia, existem grandes países como Alemanha, França e
Reino Unido, mas há espaço para todos terem uma voz. A Europa pode ser a força
mediadora entre os Estados Unidos e os BRIC [Brasil, Rússia, Índia e China], de
modo a fazer surgir um sistema político sustentável, que o seja também em
termos ambientais, sociais e económicos. A Europa ainda é policêntrica depois
do que vimos acontecer durante a crise? O que a crise financeira nos tem
mostrado é que uma pequena plutocracia — os poderes financeiros — seguiu más
políticas e ficou à espera de que os contribuintes a resgatasse, o que tornou
alguns países, como Portugal, Espanha e Grécia,
economicamente
frágeis. Mas em termos nacionais e políticos, a Europa é policêntrica, o que
existe é uma concentração do poder pelas elites financeiras. Desse ponto de
vista, a União Europeia está numa situação muito melhor do que os EUA. Que
papel pode um país pequeno como Portugal desempenhar? Pode insistir nos seus
direitos, não aceitar ser atacado pelos países de maior dimensão. Com a
história e cultura que tem, com grande respeito pelo ambiente, pode ser
restaurada uma economia saudável. Através do exemplo, com o contributo das
universidades e de outras organizações, Portugal pode demonstrar ao mundo o que
pode ser um caminho mais sustentável para o futuro. Esteve na Cimeira de 1992
no Rio e na Rio+20 de 2012, que foi vista por muitos especialistas como uma
oportunidade perdida. O que mudou no mundo nos últimos 20 anos que possa
explicar os resultados limitados desta última conferência? Antes disso, tinha
participado na conferência de Estocolmo, em 1972, e esse era um tempo de grande
esperança. A preocupação com o ambiente e a sustentabilidade estava a crescer
e, entre 1972 e 1992, havia um caminho ascendente de esperança. Por isso, em
1992 tivemos a Agenda 21 e a Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre as
Alterações Climáticas. Mas, desde então, as pessoas começaram a ir no caminho
contrário. No início do século XXI, surgem os Objectivos de Desenvolvimentos do
Milénio, que eram muito menos ambiciosos do que o que traçámos em 1992. E mesmo
esses oito objectivos eram muito limitados e não foram atingidos. Ou seja,
reduzimos o alvo e mesmo assim não estamos a atingi-lo. O Rio+20 devia ter
respondido a isto, mas só conseguimos que toda gente reconhecesse quais eram os
problemas.
Depois faltaram as acções?
Os líderes que conseguiram comprometer-se com
acções falharam de forma miserável. Temos uma lista de problemas, uma lista de
potenciais soluções, mas as acções foram diferidas. Agora, fala-se na Agenda
para o Desenvolvimento pós-2015, que é suposto produzir um plano de acção, mas
é mais uma vez uma lista muito limitada. O mundo vai precisar de uma nova
grande conferência sobre esta matéria? Neste momento, uma nova conferência não
trará grande ajuda, porque atingimos um estádio de fadiga, particularmente
entre os líderes mundiais. Defendo algo diferente: dar poder às pessoas.
Dizer-lhes: quando sair desta sala, desligue a luz, plante uma árvore, coma
menos carne. Toda a gente pode fazer alguma coisa. Não temos de esperar que o
primeiro-ministro ou o Presidente nos digam o que fazer. Propõe que se mude a
escala de actuação? Exactamente, passar para o nível intermédio de governação.
Para os líderes, os problemas são demasiado grandes para assumirem o risco, mas
a nível intermédio, estamos mais próximos dos problemas. E é aqui que temos de
actuar.
Isso será
suficiente? Estamos no extremo de um precipício: podemos ou afastarnos e
sobreviver ou cair pelo precipício. Para não cairmos no precipício, temos de
trabalhar depressa. E não estou certo de que a minha proposta venha a dar
resultados suficientemente rápidos.
Passaram sete anos desde o
Prémio Nobel da Paz. Sente que o efeito do prémio se perdeu?
O prémio dá-nos
uma plataforma, mas tem um ciclo de vida muito curto. Pessoalmente, não dependo
tanto dele, porque já tinha uma voz antes do prémio, mas o Nobel ajudou a
incrementar o meu perfil a nível global. Em termos mediáticos, foi bom ou mau o
Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas (IPCC) das Nações
Unidas partilhar o prémio com Al Gore [ex-vicepresidente dos EUA]? Penso que
foi muito bom. O que foi escrito na altura pela Academia Sueca é que o prémio
foi entregue pela identificação de factos científicos e disseminação. Eu ajudei
com a parte científica, a contribuição de Al Gore foi mais a disseminação.
Ambas são importantes. Criou o Instituto Munasinghe para o Desenvolvimento, no
Sri Lanka, em 2011. Com que objectivo? Somos um instituto muito pequeno, mas
temos três áreas de acção: Damos bolsas a estudantes para estudos em áreas
relacionadas como a sustentabilidade; temos programas de formação para o
público em geral em vários países; e temos alguns trabalhos de investigação. Os
três estão muito centrados em áreas como agricultura, energia ou recursos
hídricos. Que papel é que a educação pode desempenhar neste caminho para uma
sociedade mais sustentável? As universidades estão a formar os líderes do
futuro e o problema hoje é que a sociedade tem os valores errados. Devido ao
progresso científico, sentimos que podemos ignorar muitos dos constrangimentos
que se nos colocam enquanto sociedade. Precisamos de um novo sistema de valores
para a sustentabilidade, que tem de ser ensinado na universidade à nova geração
de líderes. Mas também precisamos que isto chegue às escolas, desde crianças.
Os exemplos que temos para as crianças verem são todos maus: a nossa geração
ensinou-os a pedir emprestado, a enganar, a ter sucesso a qualquer custo.
Precisamos de uma geração para essa mudança? Vamos precisar pelo menos de meia
geração. O único aspecto positivo que encontro é que os mais jovens perceberam
que estão a herdar um mundo arriscado, eles sabem que têm de fazer algumas
mudanças muito depressa.
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