Querem pôr os portugueses a ter
mais bebés? Arranjem-lhes um emprego
As propostas de promoção da natalidade suscitaram muitos comentários nas
redes sociais e nas caixas de comentários das notícias. A grande maioria sugere
cepticismo quanto à eficácia das medidas apresentadas
Natália Faria /
17-7-2014 / PÚBLICO
O anúncio das
propostas de “remoção dos obstáculos à natalidade” apresentadas anteontem por
Pedro Passos Coelho, na qualidade de líder do PSD, foi muito partilhado nas
redes sociais e encheu as caixas de comentários dos sites de rádios, televisões
e jornais. Pelas piores razões: a maioria dos “comentadores” — entre os quais
se contam muitos dos potenciais destinatários das medidas, caso estas venham
concretizadas pelo Governo — oscilou (pouco) entre o descrédito e o humor
cáustico de quem descrê da eficácia de medidas pensadas para um país onde a
taxa de desemprego ultrapassa os 15%.
“Há dois anos
acabaram com os passes para os jovens. Agora o PM [primeiro-ministro] vem falar
em passe familiar. Deixemo-nos de brincadeiras e joguinhos a desfazer e a criar
coisas e passemos a ter políticas decentes e congruentes. Agora é que se lembra
da natalidade, depois de ter arruinado a população portuguesa”, indignou-se
Martim Galamba, no comentário à notícia do PÚBLICO no Facebook, ao mesmo tempo
que Luís Pina Amaro procurava “puxar” a notícia para a realidade de muitos
portugueses: “É preciso é estabilidade laboral e bons ordenados: é o que basta
para promover a natalidade.”
No mesmo sentido,
pronunciara-se também Iolanda Silva: “O que é necessário é as famílias terem
emprego, salários dignos para não dependerem de abonos de família nem de
subsídios escolares. Privilegiarem os infantários públicos e o ensino público,
em vez de criarem condições para que os amiguinhos ganhem muito dinheiro com
essas infra-estruturas privadas.”
No mesmo fórum,
marcado aqui e ali por tiradas mais ou menos escatológicas, jorrava a
indignação de Maria da Silva: “Redução da taxa do lixo? Fofinhos! E da taxa do
audiovisual não há? Incentivos a quê? Natalidade? Quando nos outros países da
Europa oferecem enxoval no valor de 700 libras e 400 libras por mês, livros da
escola à borla, escola à borla, passes à borla, licença de maternidade de nove
meses. Redução da taxa do lixo? Só em Portugal mesmo.”
Descontados os
apartes — a propósito, por exemplo, da proximidade das eleições — e as tiradas
de humor (do género “A melhor proposta que ele poderia fazer era demitir-se. Afinal,
tornou-se o maior contraceptivo/obstáculo que Portugal tem”, Rui Carvalho
dixit), resulta claro que Pedro Passos Coelho não conseguiu convencer muita
gente. Nem quanto às virtudes das propostas nem quanto à possibilidade de estas
virem a ser concretizadas num futuro próximo — coisa que o líder do PSD, de
resto, não prometeu, na medida em que, apesar de ter considerado a promoção da
natalidade tão importante e tão urgente quanto o combate ao desemprego, deixou
bem clara a necessidade de estimar os impactos orçamentais das medidas
propostas pela comissão independente que incumbiu de estudar o problema. Em
discurso directo: “Temos também um objectivo extremamente relevante que é o de
garantir a estabilidade do financiamento à economia portuguesa e ao Estado português.
Sem isso, não há políticas de natalidade que nos valham.”
O cocktail de
medidas, propostas por uma comissão independente coordenada por Joaquim
Azevedo, da Universidade Católica, que começou a trabalhar no assunto a pedido
do PSD, em Março, abrange possibilidades variadas: da isenção de pagamento da
taxa social única a quem contrate grávidas ou pais com filhos até aos três anos
a reduções no IMI e nas taxas da água, lixo e saneamento.
Licença com novas
regras
A possibilidade
de as mães trabalharem em part-time até um ano após o gozo da licença parental,
mantendo o salário a 100% (pagos em 50% pelo Estado e os outros 50% pela
empresa, a qual, ficaria, porém, “obrigada” a contratar um desempregado a
receber subsídio de desemprego para colmatar a “meia ausência” da funcionária),
foi outra das sugestões avançadas. Em nome da conciliação entre o trabalho e a
família, a comissão também propõe a possibilidade de as licenças parentais
serem gozadas por pai e mãe em simultâneo e a meio tempo, em que um trabalharia
20 horas por semana e o outro mais 20, por exemplo.
No plano fiscal,
o primeiro filho reduz em 1,5% a taxa de IRS e o segundo 2%. Os avós também
passam a poder deduzir à colecta as despesas de saúde e educação dos netos. A
flexibilização dos horários das creches e a revisão dos respectivos custos
também surgem enumeradas, embora sem grandes pormenores.
Àquele rol de
propostas, o autor do blogue Aqui Tailândia (emigrado, presume-se) decidiu
somar mais algumas. “Quem não tem emprego evita ter filhos. Teria lógica que
fosse aumentando as protecções sociais no desemprego. Quem não tem dinheiro,
idem. Impunha-se uma actualização do salário mínimo e a aprovação de legislação
que obrigasse as empresas a indexar as actualizações salariais ao lucro.” E,
finalmente, tendo em conta que quem vive um quotidiano de incerteza, “em
princípio, também evita ter filhos”, haveria, segundo o mesmo autor, que
“legislar no sentido de minimizar a insegurança no trabalho”.
Por considerar
que isto não bate certo com a actuação do Governo nos últimos anos, o autor do
Aqui Tailândia conclui que restou aos autores do estudo “fazer de conta que o
desemprego jovem não ronda os 40%, que o trabalho temporário e os falsos
recibos verdes não deixaram de ser excepção para passarem a ser a regra, que os
despedimentos nunca foram tão fáceis e tão baratos, que os jovens auferem
rendimentos suficientes para pagarem impostos, que a compra de carro novo é
factor que influencia a decisão de ser pai ou mãe da grande maioria”.
Não será o caso
do autor do blogue O Que É o Jantar que, no post “Em busca da natalidade
perdida”, garante que não é com “um ou dois por cento a menos no IRS” que
consegue pagar a mensalidade da escola dos seus três filhos. “Não sei como é
nos outros sítios, mas em Setúbal, nas escolas públicas às quais não vai a
polícia todos os dias, só se arranja vaga com cunhas e esquemas”, denuncia,
para lembrar que “só paga IRS quem tem emprego e salário, que são coisas que
não estão fáceis de encontrar”.
Num exercício
curto, o autor do blogue Ativismo de Sofá decidiu, numa espécie de minicarta
dirigida a Passos Coelho, contribuir com mais três propostas a somar àquelas
que foram apresentadas: “1) Pare de criar desemprego; 2) Pare de cortar nos
salários; 3) Pare de aumentar os impostos.” “Simples, não?”, desafia aquele que
se assina como “pai de uma família quase numerosa”.
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