OPINIÃO
Todos cortejam a Indonésia.
Porquê?
JORGE ALMEIDA
FERNANDES 27/07/2014 / PÚBLICO
Kishore Mahbubani, professor em Singapura e um dos teóricos da ascensão da
Ásia, publicou em Abril um artigo que começava assim: “Mais de um terço da
população mundial vive em apenas três países: a China, a Índia e a Indonésia. Ora,
estes três países atravessam transições políticas importantes, seja na véspera
ou imediatamente a seguir à designação de novos dirigentes. Os próximos
vencedores das eleições na Índia e na Indonésia juntar-se-ão ao novo presidente
chinês, Xi Jinping, no seu esforço para estimular o crescimento económico da
região. O que, previsivelmente, levará a uma mais rápida ascensão da Ásia em
direcção à supremacia económica mundial.”
Esta citação
serve para enquadrar a importância das eleições indonésias e a emergência de um
novo presidente, Joko Widodo, conhecido por Jokowi. Para Mahbubani, Xi, Jokowi
e o indiano Narendra Modi são “nacionalistas modernizadores” que fazem assentar
os seus projectos políticos e nacionais no desenvolvimento económico. As
eleições indonésias têm, no entanto, outras dimensões relevantes (ver PÚBLICO
de 23 de Julho).
Jokowi e a
democracia
A primeira
particularidade é a personalidade do novo presidente. Jokowi, 53 anos, é o
primeiro líder indonésio que não nasceu na oligarquia — económica, política e
militar — que independentemente dos regimes dirige a Indonésia desde a
independência. Filho de um carpinteiro de Java, lançou-se na indústria de
móveis e tornou-se exportador. Em 2005 abandonou os negócios e candidatou-se à
presidência da sua cidade, Jolo. Venceu, remodelou a cidade e foi reeleito com
90% dos votos. Em 2012, candidatou-se a governador de Jacarta e voltou a vencer
contra todos os prognósticos. É olhado como um “homem do povo” mas não como
populista. Tornou-se um fenómeno político: responde a aspirações das camadas
pobres e da jovem classe média produzida pelo surto de desenvolvimento
económico.
O seu rival, o
ex-general Probowo Subianto, tem um perfil diametralmente oposto. Vem da
oligarquia, foi genro do general Suharto, faz parte de uma família milionária e
tem um pesado cadastro de repressão durante a longa ditadura militar — o que
valeu mais tarde a expulsão do exército.
A grande
diferença vai para lá das origens ou das propostas económicas. Ao fim de 16
anos de reformas políticas e sociais cujo balanço excedeu as expectativas,
transformando a Indonésia num “país livre”, Probowo propõe uma mudança de
paradigma. Considerando que a “democracia ocidental” não se adapta à Indonésia,
defendeu concentração do poder na figura do Presidente, a abolição das
“eleições directas”, o primado da disciplina e da ordem. Jokowi, inversamente,
propõe o aprofundamento da democracia política.
Esta questão do
regime encaixa-se num debate em curso no Sueste Asiático sobre os méritos da
democracia liberal e sobre a eficácia económica dos regimes autoritários,
discussão relançada pelo recente golpe de estado na Tailândia. O modelo da
“democracia autoritária” de Singapura exerce um grande fascínio. Por isso, o
processo eleitoral indonésio foi seguido com extrema atenção, não só no Sueste
Asiático mas de Pequim a Tóquio, de Camberra a Washington.
O processo
eleitoral teve uma larga participação sem grandes incidentes, num
país-arquipélago com milhares de ilhas e quase 250 milhões de habitantes. Probowo
explorou a indecisão do segundo mandato do presidente Susilo Yudhoyono para
reactivar a nostalgia de um “homem forte”. Mas, a partir das primeiras
presidenciais por sufrágio directo, em 2004, os indonésios não abrem mão do seu
direito de voto. Probowo tinha razão quando disse na campanha: “A democracia é
como fumar. É muito difícil parar depois de se estar viciado.”
Outra expectativa
de muitos indonésios é a ruptura com a velha ordem oligárquica. É uma aposta
mais arriscada. Mas a simples eleição de Jokowi marca uma ruptura. Há uma nova
geração a emergir, com novas aspirações, e uma velha ordem em decomposição.
O grande teste de
Jokowi, que tomará posse em Outubro, será o da eficácia do governo. O
Parlamento está “balcanizado”, o que o forçará a negociar com cinco ou seis
partidos. Se a eleição presidencial é assumida como uma escolha nacional, os
deputados são eleitos na base de interesses e alianças locais. Em reacção ao
centralismo da era Suharto, os seus sucessores promoveram uma
hiper-regionalização, o que está a redundar na fragmentação partidária.
Jacarta no mundo
A Indonésia não é
relevante apenas por ser grande: a quarta nação mais povoada do mundo, a maior
“democracia muçulmana”, a maior economia do Sueste Asiático, membro do G-20. Como
líder da Associação de Nações do Sueste Asiático (ASEAN), aspira a tornar-se
num “actor global” e não apenas regional. É uma média potência. Tem uma
impregnada tradição nacionalista que se está a transformar perante o novo
contexto mundial. Yudhoyono fez a Indonésia jogar num tabuleiro diplomático
mais largo. O analista indonésio Rizal Sukma, hoje conselheiro de Jokowi,
propõe uma subida de perfil, “uma política externa pós-ASEAN”.
A sua diplomacia
tem dois grandes vectores. Jacarta aspira tornar-se num “mediador” das disputas
no Mar da China do Sul, que estão no centro das tensões na região — um
“construtor de pontes” entre a China e vizinhos; mas também à escala
internacional, como no Médio Oriente. Sem abandonar uma posição “neutral”,
aproximou-se dos Estados Unidos. Para o Japão e para a Austrália, para o
Vietname e para a Tailândia — e naturalmente para os EUA — a Indonésia tem um
papel importante no equilíbrio da relação de forças com a China.
“A última
variável da política externa indonésia é o islão, em que tem um papel
proeminente devido à sua autopromoção como país muçulmano moderado”, explica
Sukma. Tem neste campo um papel muito activo, dentro do mundo muçulmano e entre
este e os outros.
Todos cortejam a
Indonésia. A China e a Índia. Os Estados Unidos, o Japão e a União Europeia. Por alguma coisa é.
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