segunda-feira, 28 de julho de 2014

Todos cortejam a Indonésia. Porquê?


OPINIÃO
Todos cortejam a Indonésia. Porquê?
JORGE ALMEIDA FERNANDES 27/07/2014 / PÚBLICO

Kishore Mahbubani, professor em Singapura e um dos teóricos da ascensão da Ásia, publicou em Abril um artigo que começava assim: “Mais de um terço da população mundial vive em apenas três países: a China, a Índia e a Indonésia. Ora, estes três países atravessam transições políticas importantes, seja na véspera ou imediatamente a seguir à designação de novos dirigentes. Os próximos vencedores das eleições na Índia e na Indonésia juntar-se-ão ao novo presidente chinês, Xi Jinping, no seu esforço para estimular o crescimento económico da região. O que, previsivelmente, levará a uma mais rápida ascensão da Ásia em direcção à supremacia económica mundial.”

Esta citação serve para enquadrar a importância das eleições indonésias e a emergência de um novo presidente, Joko Widodo, conhecido por Jokowi. Para Mahbubani, Xi, Jokowi e o indiano Narendra Modi são “nacionalistas modernizadores” que fazem assentar os seus projectos políticos e nacionais no desenvolvimento económico. As eleições indonésias têm, no entanto, outras dimensões relevantes (ver PÚBLICO de 23 de Julho).

Jokowi e a democracia
A primeira particularidade é a personalidade do novo presidente. Jokowi, 53 anos, é o primeiro líder indonésio que não nasceu na oligarquia — económica, política e militar — que independentemente dos regimes dirige a Indonésia desde a independência. Filho de um carpinteiro de Java, lançou-se na indústria de móveis e tornou-se exportador. Em 2005 abandonou os negócios e candidatou-se à presidência da sua cidade, Jolo. Venceu, remodelou a cidade e foi reeleito com 90% dos votos. Em 2012, candidatou-se a governador de Jacarta e voltou a vencer contra todos os prognósticos. É olhado como um “homem do povo” mas não como populista. Tornou-se um fenómeno político: responde a aspirações das camadas pobres e da jovem classe média produzida pelo surto de desenvolvimento económico.

O seu rival, o ex-general Probowo Subianto, tem um perfil diametralmente oposto. Vem da oligarquia, foi genro do general Suharto, faz parte de uma família milionária e tem um pesado cadastro de repressão durante a longa ditadura militar — o que valeu mais tarde a expulsão do exército.

A grande diferença vai para lá das origens ou das propostas económicas. Ao fim de 16 anos de reformas políticas e sociais cujo balanço excedeu as expectativas, transformando a Indonésia num “país livre”, Probowo propõe uma mudança de paradigma. Considerando que a “democracia ocidental” não se adapta à Indonésia, defendeu concentração do poder na figura do Presidente, a abolição das “eleições directas”, o primado da disciplina e da ordem. Jokowi, inversamente, propõe o aprofundamento da democracia política.

Esta questão do regime encaixa-se num debate em curso no Sueste Asiático sobre os méritos da democracia liberal e sobre a eficácia económica dos regimes autoritários, discussão relançada pelo recente golpe de estado na Tailândia. O modelo da “democracia autoritária” de Singapura exerce um grande fascínio. Por isso, o processo eleitoral indonésio foi seguido com extrema atenção, não só no Sueste Asiático mas de Pequim a Tóquio, de Camberra a Washington.

O processo eleitoral teve uma larga participação sem grandes incidentes, num país-arquipélago com milhares de ilhas e quase 250 milhões de habitantes. Probowo explorou a indecisão do segundo mandato do presidente Susilo Yudhoyono para reactivar a nostalgia de um “homem forte”. Mas, a partir das primeiras presidenciais por sufrágio directo, em 2004, os indonésios não abrem mão do seu direito de voto. Probowo tinha razão quando disse na campanha: “A democracia é como fumar. É muito difícil parar depois de se estar viciado.”

Outra expectativa de muitos indonésios é a ruptura com a velha ordem oligárquica. É uma aposta mais arriscada. Mas a simples eleição de Jokowi marca uma ruptura. Há uma nova geração a emergir, com novas aspirações, e uma velha ordem em decomposição.

O grande teste de Jokowi, que tomará posse em Outubro, será o da eficácia do governo. O Parlamento está “balcanizado”, o que o forçará a negociar com cinco ou seis partidos. Se a eleição presidencial é assumida como uma escolha nacional, os deputados são eleitos na base de interesses e alianças locais. Em reacção ao centralismo da era Suharto, os seus sucessores promoveram uma hiper-regionalização, o que está a redundar na fragmentação partidária.

Jacarta no mundo
A Indonésia não é relevante apenas por ser grande: a quarta nação mais povoada do mundo, a maior “democracia muçulmana”, a maior economia do Sueste Asiático, membro do G-20. Como líder da Associação de Nações do Sueste Asiático (ASEAN), aspira a tornar-se num “actor global” e não apenas regional. É uma média potência. Tem uma impregnada tradição nacionalista que se está a transformar perante o novo contexto mundial. Yudhoyono fez a Indonésia jogar num tabuleiro diplomático mais largo. O analista indonésio Rizal Sukma, hoje conselheiro de Jokowi, propõe uma subida de perfil, “uma política externa pós-ASEAN”.

A sua diplomacia tem dois grandes vectores. Jacarta aspira tornar-se num “mediador” das disputas no Mar da China do Sul, que estão no centro das tensões na região — um “construtor de pontes” entre a China e vizinhos; mas também à escala internacional, como no Médio Oriente. Sem abandonar uma posição “neutral”, aproximou-se dos Estados Unidos. Para o Japão e para a Austrália, para o Vietname e para a Tailândia — e naturalmente para os EUA — a Indonésia tem um papel importante no equilíbrio da relação de forças com a China.

“A última variável da política externa indonésia é o islão, em que tem um papel proeminente devido à sua autopromoção como país muçulmano moderado”, explica Sukma. Tem neste campo um papel muito activo, dentro do mundo muçulmano e entre este e os outros.


Todos cortejam a Indonésia. A China e a Índia. Os Estados Unidos, o Japão e a União Europeia. Por alguma coisa é.

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