OPINIÃO
António Costa e o voluntariado
JOÃO MIGUEL
TAVARES 22/07/2014 - PÚBLICO
Este tipo de desenrascanços e facilidades é demasiado 2009 para o meu gosto.
Na semana passada
eu defendi neste espaço que António Costa deveria ter suspendido o mandato na
câmara durante as primárias do PS e questionei-o sobre a origem do muito
dinheiro que tem andado a gastar em campanha.
Tive direito não
a uma, mas a duas cartas, uma assinada pelo próprio António Costa, que me
informou estar nestas primárias em part-time (“tenho dedicado à campanha apenas
as noites e os fins-de-semana”), a outra do seu director financeiro, Agostinho
Abade, para quem o “voluntarismo” e a “militância” fazem milagres. Agradeço a
simpatia das respostas – infelizmente, não posso agradecer a qualidade dos
esclarecimentos. E, sobretudo, não posso agradecer a “transparência” invocada
por Agostinho Abade, pela simples razão de que não a vejo em lado algum.
O director
financeiro da campanha de António Costa não aceita que eu “possa insinuar
qualquer outro tipo de actuação menos clara”, mas eu não estou a insinuar nada.
Estou apenas a declarar, aliás belissimamente acompanhado pelo Tribunal
Constitucional, que passa a vida a encontrar irregularidades nas contas dos
partidos, que os dinheiros das campanhas são um eterno poço de equívocos e de
situações mal explicadas, e que, pelo andar desta carruagem (voluntária ou
não), as primárias do PS não irão fugir à regra.
Diz Agostinho
Abade, dando um exemplo concreto, que “as duas viaturas de gama média”
utilizadas por António Costa têm sido “emprestadas por militantes”, e que eles
“têm também suportado o combustível gasto”. “Aliás”, acrescenta o director
financeiro, “as referidas viaturas têm variado, de acordo com a disponibilidade
dos seus proprietários para as emprestar”. Ora, eu não sei se é suposto
alegrarmo-nos com isto e considerar o recurso à vaquinha um exemplo de
extraordinária transparência e voluntarismo, mas se eu não acredito em almoços
grátis, muito menos acredito em gasóleo grátis. Mesmo que o combustível do
avião que levou António Costa à Madeira no início do mês também tivesse sido
pago por amigos, isso preocupa-me mais do que me descansa – porque é o género
de favorzinhos que invariavelmente se cobram depois de chegar ao poder.
O meu ponto é
esse, e não outro. Da mesma forma que eu votei em António Costa para presidente
da Câmara de Lisboa, acredito que muitos portugueses irão votar nele para
primeiro-ministro. E, portanto, havendo fortes probabilidades de ele vir a
tomar conta do governo numa altura crítica da nossa história, gostaria muito
que Costa começasse a fazer as coisas bem-feitas desde o dia 1. E fazer as
coisas bem-feitas não é justificar os enormes gastos da campanha com
“voluntarismo” e “militância” – até porque a política é uma actividade
demasiado séria para ser deixada a amadores –, ou sequer com uma “subvenção”
que ninguém sabe ainda de quanto é nem quando chegará.
Qualquer campanha
precisa de muito dinheiro para funcionar, e obviamente que esse dinheiro tem de
estar a ser injectado. Que eu saiba, há uma convenção nacional marcada por
António Costa para o próximo sábado, no Centro de Congressos de Aveiro – será
que o centro de congressos também foi alugado à borla? Eu tenho a melhor
impressão de Costa, e é óbvio que ele não enriqueceu com a política. Mas a
transparência não se apregoa – pratica-se. Antes um generoso empréstimo
bancário do que andar às voltas por Portugal nos popós dos amigos. Este tipo de
desenrascanços e facilidades é demasiado 2009 para o meu gosto.
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