quinta-feira, 31 de julho de 2014

Fecho de esquadra da PSP faz temer furto de azulejos rococó na Mouraria. Antigo Colégio dos Meninos Órfãos, junto ao largo do Martim Moniz, tem painéis de azulejos setecentistas que ainda resistem à degradação do prédio. Historiador sugere criação de centro interpretativo no local



Fecho de esquadra da PSP faz temer furto de azulejos rococó na Mouraria
Antigo Colégio dos Meninos Órfãos, junto ao largo do Martim Moniz, tem painéis de azulejos setecentistas que ainda resistem à degradação do prédio. Historiador sugere criação de centro interpretativo no local
Marisa Soares / 31-7-2014 / PÚBLICO

O anunciado fecho da 6.ª esquadra da PSP na Rua da Mouraria, em Lisboa, levanta preocupações sobre o futuro do património azulejar existente no interior do prédio, onde funcionou o antigo Colégio dos Meninos Órfãos.
Os painéis de azulejos que forram as escadas do edifício representam cenas do Antigo e do Novo Testamento
Os painéis de azulejos setecentistas com cenas bíblicas têm resistido à degradação visível nas paredes do edifício mas não se sabe por quanto tempo assim vão continuar.
O prédio, classificado como imóvel de interesse público e identificado pela placa “Edifício Amparo” na fachada principal, fica no Martim Moniz, nas traseiras do Centro Comercial Mouraria. A porta principal do número 64, que dá acesso ao interior, é contígua à entrada para a esquadra situada no rés-do-chão, onde muitas vezes está um agente da PSP à porta. Talvez por isso os azulejos que forram as paredes das escadas interiores se mantenham praticamente intactos, ao contrário do que acontece em muitos prédios da cidade.
“A porta está aberta durante o dia, qualquer pessoa pode entrar”, constata Heitor Pato, da direcção do Grupo Amigos de Lisboa, que acompanhou o PÚBLICO numa visita ao prédio. Este investigador em História teme que a saída da PSP — a esquadra vai ser transferida em breve para o Palácio Folgosa, na Rua da Palma, ainda em obras — aumente o risco de furto dos azulejos.
Heitor Pato defende que no espaço hoje ocupado pela PSP seja instalado um centro de interpretação do imóvel, aliado a um posto de informação turística, uma ideia partilhada pela associação Renovar a Mouraria. “Fechar o espaço é impensável, o interessante é mostrá-lo”, afirma o investigador, lamentando que não exista qualquer sinalização exterior que chame a atenção dos turistas.
Actualmente, o edifício é frequentado sobretudo por idosos, que sobem a custo os oito lanços de escadas até ao quarto andar, onde existe uma sala do Inatel para actividades culturais. Neste último piso, por trás de uma porta de madeira que dá acesso às águas-furtadas, mora gente. O primeiro e segundo pisos estão ocupados com um centro de dia da Santa Casa da Misericórdia. Apesar do movimento durante o dia (à noite a porta está fechada), é fácil entrar e passar despercebido.
A porta principal leva a um pátio que dá acesso à escadaria interior, onde surge “um dos mais importantes conjuntos de painéis de azulejos com iconografia do Antigo e Novo Testamento”, como é descrito no portal Monumentos, do Sistema de Informação para o Património Arquitectónico.
As centenas de azulejos azuis e brancos em estilo rococó que forram as escadas largas e pouco iluminadas são, segundo Heitor Pato, atribuídas ao pintor Domingos de Almeida e datadas de 1761. Contêm representações bíblicas que ajudavam ao ensino da doutrina aos meninos órfãos católicos, antes de partirem em missão para a Índia.
À primeira vista, os 41 painéis parecem ainda em bom estado de conservação (apesar de alguns azulejos rachados), mas o mesmo não se pode dizer do espaço envolvente. Desde o rés-do-chão até ao quarto andar, há um rasto de abandono: nas paredes dos lances de escadas, sobretudo nos primeiros andares, há reboco e tinta a cair, sujidade no chão. “Não tem havido nenhuma conservação daquele património riquíssimo”, lamenta Maria Inês Andrade, presidente da associação Renovar a Mouraria.
O prédio pertence à DirecçãoGeral do Tesouro e Finanças, que não diz se irá fazer obras de conservação ou se tem algum projecto para salvaguardar os painéis de azulejos. Por sua vez, a Câmara de Lisboa, que em 2011 criou o Programa de Investigação e Salvaguarda do Azulejo de Lisboa (PISAL), afirma que nada pode fazer.


“O PISAL é um programa de estudo do azulejo da CML no âmbito do espaço público, e que por conseguinte não abrange os interiores dos edifícios”, responde fonte do gabinete da vereadora da Cultura, Catarina Vaz Pinto, acrescentando que “o zelo da CML pela preservação dos azulejos no interior dos edifícios é devido apenas naqueles que são sua propriedade.”

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