Fecho de esquadra da PSP faz
temer furto de azulejos rococó na Mouraria
Antigo Colégio dos Meninos Órfãos, junto ao largo do Martim Moniz, tem
painéis de azulejos setecentistas que ainda resistem à degradação do prédio. Historiador
sugere criação de centro interpretativo no local
Marisa Soares /
31-7-2014 / PÚBLICO
O anunciado fecho
da 6.ª esquadra da PSP na Rua da Mouraria, em Lisboa, levanta preocupações
sobre o futuro do património azulejar existente no interior do prédio, onde
funcionou o antigo Colégio dos Meninos Órfãos.
Os painéis de
azulejos que forram as escadas do edifício representam cenas do Antigo e do
Novo Testamento
Os painéis de
azulejos setecentistas com cenas bíblicas têm resistido à degradação visível
nas paredes do edifício mas não se sabe por quanto tempo assim vão continuar.
O prédio,
classificado como imóvel de interesse público e identificado pela placa
“Edifício Amparo” na fachada principal, fica no Martim Moniz, nas traseiras do
Centro Comercial Mouraria. A porta principal do número 64, que dá acesso ao
interior, é contígua à entrada para a esquadra situada no rés-do-chão, onde
muitas vezes está um agente da PSP à porta. Talvez por isso os azulejos que
forram as paredes das escadas interiores se mantenham praticamente intactos, ao
contrário do que acontece em muitos prédios da cidade.
“A porta está
aberta durante o dia, qualquer pessoa pode entrar”, constata Heitor Pato, da
direcção do Grupo Amigos de Lisboa, que acompanhou o PÚBLICO numa visita ao
prédio. Este investigador em História teme que a saída da PSP — a esquadra vai
ser transferida em breve para o Palácio Folgosa, na Rua da Palma, ainda em
obras — aumente o risco de furto dos azulejos.
Heitor Pato
defende que no espaço hoje ocupado pela PSP seja instalado um centro de
interpretação do imóvel, aliado a um posto de informação turística, uma ideia
partilhada pela associação Renovar a Mouraria. “Fechar o espaço é impensável, o
interessante é mostrá-lo”, afirma o investigador, lamentando que não exista
qualquer sinalização exterior que chame a atenção dos turistas.
Actualmente, o
edifício é frequentado sobretudo por idosos, que sobem a custo os oito lanços
de escadas até ao quarto andar, onde existe uma sala do Inatel para actividades
culturais. Neste último piso, por trás de uma porta de madeira que dá acesso às
águas-furtadas, mora gente. O primeiro e segundo pisos estão ocupados com um
centro de dia da Santa Casa da Misericórdia. Apesar do movimento durante o dia
(à noite a porta está fechada), é fácil entrar e passar despercebido.
A porta principal
leva a um pátio que dá acesso à escadaria interior, onde surge “um dos mais
importantes conjuntos de painéis de azulejos com iconografia do Antigo e Novo
Testamento”, como é descrito no portal Monumentos, do Sistema de Informação
para o Património Arquitectónico.
As centenas de
azulejos azuis e brancos em estilo rococó que forram as escadas largas e pouco
iluminadas são, segundo Heitor Pato, atribuídas ao pintor Domingos de Almeida e
datadas de 1761. Contêm representações bíblicas que ajudavam ao ensino da
doutrina aos meninos órfãos católicos, antes de partirem em missão para a
Índia.
À primeira vista,
os 41 painéis parecem ainda em bom estado de conservação (apesar de alguns
azulejos rachados), mas o mesmo não se pode dizer do espaço envolvente. Desde o
rés-do-chão até ao quarto andar, há um rasto de abandono: nas paredes dos
lances de escadas, sobretudo nos primeiros andares, há reboco e tinta a cair,
sujidade no chão. “Não tem havido nenhuma conservação daquele património
riquíssimo”, lamenta Maria Inês Andrade, presidente da associação Renovar a
Mouraria.
O prédio pertence
à DirecçãoGeral do Tesouro e Finanças, que não diz se irá fazer obras de
conservação ou se tem algum projecto para salvaguardar os painéis de azulejos. Por
sua vez, a Câmara de Lisboa, que em 2011 criou o Programa de Investigação e
Salvaguarda do Azulejo de Lisboa (PISAL), afirma que nada pode fazer.
“O PISAL é um
programa de estudo do azulejo da CML no âmbito do espaço público, e que por
conseguinte não abrange os interiores dos edifícios”, responde fonte do
gabinete da vereadora da Cultura, Catarina Vaz Pinto, acrescentando que “o zelo
da CML pela preservação dos azulejos no interior dos edifícios é devido apenas
naqueles que são sua propriedade.”
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