Sónia Simões / 29
Julho 2014 / 0BSERVADOR
José da Conceição Guilherme é um
dos homens com quem Ricardo Salgado não pode falar por ordem judicial.
Suspeita-se que o bancário tenha recebido cerca de 14 milhões de euros do
empresário.
Os alegados 14
milhões de euros que ofereceu a Ricardo Salgado, como forma de agradecimento às
portas que o banqueiro lhe abriu para prosperar em Angola, são apenas um entre
vários gestos que teve para com diversos empresários e políticos que têm sido
investigados nos últimos anos. “Zé Grande”, como é conhecido o misterioso
empresário do ramo da construção, foi assim apelidado não por mero acaso. José
da Conceição Guilherme, que nunca aparece publicamente, chegou a oferecer um
almoço ao autarca de Oeiras, Isaltino Morais, por altura do seu aniversário –
que lhe custou 3400 euros. Era este o valor aproximado, aliás, dos cabazes que
oferecia pelo Natal. Uma carrinha cheia deles. À frente de uma mão cheia de
empresas, o empresário até “deu” o seu escritório ao ex-ministro José Sócrates,
para a sede de uma empresa que teve com Armando Vara.
14 milhões foram uma
"liberalidade" em troca de conselhos e de contactos.
Uma das
suspeições que recaem sobre Ricardo Salgado será a prenda de milhões que o
empresário lhe deu. Quando testemunhou, em dezembro de 2012, o banqueiro
justificou aquele valor como uma “liberalidade”. Segundo o Negócios, esta
oferta em dinheiro teria sido um agradecimento. Salgado conhecia José Guilherme
“há décadas” e este veio pedir-lhe conselhos para investir no Leste. O
banqueiro tê-lo-á aconselhado a virar-se para Angola e até lhe deu contactos. E
é por aqui que o empresário tem prosperado nos últimos anos.
Um gerente da
financeira suíça no centro da investigação Monte Branco colaborou com a justiça
depois de detido
© Hugo Amaral
|
Num
interrogatório feito a um gestor da Akoya – a financeira suíça que está no
centro da investigação Monte Branco – Nicolas Weber Figueiredo, detido em maio
de 2012, confirmou a ligação do empresário a Salgado. Segundo a revista Sábado,
Salgado tinha contas no Credit Suisse em nome da “entidade Savoices”, que
recebeu “fundos com origem em contas controladas” de uma outra chamada Solutec.
Por sua vez, os beneficiários da Solutec eram José Guilherme e o seu filho
Paulo. O gestor explicou que estas sociedades seriam usadas para “transações
financeiras no exterior de Portugal suspeitas de fuga ao fisco”.
Os “fundos” da
Solutec enviados para a Savoices teriam origem em contas bancárias da família
Guilherme abertas no BESA e cujos pagamentos resultavam de negócios em Luanda,
designadamente um empreendimento situado na zona de Talatona, “ao que se recorda
designado Dolce Vita”, prossegue a Sábado. Nicolas Figueiredo confirmou que “os
movimentos financeiros (…) entre a Solutec e a Savoices poderão ter atingido o
montante de cerca de 14 milhões de euros”.
Mas esta não foi
a primeira vez que o nome de José Guilherme apareceu associado a negócios
investigados por suspeitas de corrupção. Durante dez anos o Ministério Público
(MP) investigou alegadas irregularidades na câmara da Amadora. O processo
acabou arquivado em finais de 2012. E foi no âmbito deste processo que a
Polícia Judiciária (PJ) escutou, entre 2003 e 2005, José Guilherme e percebeu
que as suas ligações a políticos e empresários decorriam ao mais alto nível.
José Guilherme,
natural de Abrantes e residente na Amadora, onde está à frente de mais de uma
dezena de empresas (algumas já extintas), foi escutado a falar com o antigo
ministro-adjunto de Durão Barroso, José Luís Arnaut, com quem se encontrava
pessoalmente no edifício da presidência do Conselho de Ministros. Pedia-lhe
ajuda para uma licença de um couto de caça. Ao Diário de Notícias, que teve
acesso ao relatório final da investigação, Arnaut admitiu ser amigo de José
Guilherme e da sua família e disse nunca ter sido notificado de qualquer
processo. Garantiu que nunca tomou qualquer decisão que lhe dissesse respeito.
Um dos outros
contactos que a PJ escutou foi com o antigo secretário de estado da Agricultura
e presidente da Câmara de Gouveia, Álvaro Amaro. Este terá tentado, através de
Luís Marques Mendes, convencer a então presidente da câmara de Oeiras, Teresa
Zambujo, para aprovar um projeto nos terrenos que comprara da Fundição de
Oeiras.
Aliás, a
propósito da discussão sobre o índice de construção no concelho de Oeiras, o
Público deu conta em 2008 de uma reunião ocorrida, quatro anos antes, com
Teresa Zambujo. Presentes estavam o dono dos terrenos da Fundição de Oeiras, o
construtor civil José da Conceição Guilherme, bem como José Manuel de Sousa,
presidente da empresa do Grupo Espírito Santo que gere o Invesfundo, o fundo de
investimento fechado – que acabou depois por adquirir os terrenos.
Empresa do BES comprou terrenos
da Fundição de Oeiras a José Guilherme.
A 3 de julho de
2005 o jornal Expresso publicava uma manchete onde dizia que o ex-autarca
Isaltino Morais e alguns empresários de construção civil estavam a ser
investigados. Entre eles estaria José Guilherme. O processo levou o autarca a
sentar-se no banco dos réus, em Sintra, por suspeitas de corrupção. Numa das
sessões, a ex-secretária e ex-chefe de gabinete de Isaltino falou na relação do
autarca com os empresários locais. Um desses empresários, José Guilherme,
chegou mesmo a pagar um jantar de aniversário do presidente camarário na
Fortaleza do Guincho, que custou 680 contos (3 400 euros), disse na altura a
principal testemunha de acusação, Paula Nunes. No final da sessão, o presidente
da Câmara de Oeiras afirmou que “todas as testemunhas têm dito a verdade e é
com a verdade que se faz um julgamento”, considerando que Paula Nunes não foi
uma exceção.
No processo que
investigava a autarquia da Amadora, e que foi arquivado, os inspetores da PJ
referem ainda que José Guilherme e o filho chegavam a oferecer mais que um
cabaz de Natal por pessoa, a autarcas e a funcionários de câmaras. Os cabazes
eram comprados no Largo do Rato, em Lisboa, e custavam entre três mil e quatro
mil euros.
O dinheiro não é
um problema para José Guilherme. Neste mesmo relatório policial, José Guilherme
é escutado a pedir bilhetes do Benfica ao já falecido Eusébio. “Eu não me
importo que seja duzentos, seja aquilo for”. Alguns bilhetes foram depois
oferecidos a Joaquim Raposo, então presidente da câmara da Amadora.
José Guilherme é acionista da SAD
do Benfica. A explorar a Herdade dos Arrochais, em Mora, decidiu produzir
vinhos, com o seu nome, que são um sucesso em Angola.
Nesta altura José
Guilherme já tinha ligações à SAD do Benfica. A história já foi contada pelo
Correio da Manhã e envolve, mais uma vez, o BES. Segundo aquele jornal, quando
Manuel Vilarinho precisou, em 2001, de fazer um aumento de capital da SAD, os
construtores José Guilherme e Vítor Santos avalizaram a operação, que foi
conduzida pelo Banco Internacional de Crédito, entretanto fundido por
incorporação com o Banco Espírito Santo (BES), em 2006. Atualmente o empresário
detém 856 900 ações, o que equivale a 3,28% da SAD das águias.
A PJ traçou
também ligações ao ex-deputado Duarte Lima. Em causa a história de um piano que
o construtor comprou para que o político e advogado oferecesse a um jovem
promessa da música de nome Domingos António. O caso ocorreu em março de 2004 e
também foi apanhado nas escutas, como contou o Jornal i depois de o processo
ser arquivado anos depois. Duarte Lima terá pedido que o ajudasse a adquirir o
piano para oferecer ao rapaz. A PJ considerou que “Zé Grande”, como constatou
que era apelidado José Guilherme, quis “agradar” ao deputado. O contexto
político, diz a PJ, “era, e continuou a ser, bastante favorável a Duarte Lima,
dada a sua proximidade ao novo primeiro-ministro [Pedro Santana Lopes]“.
Outra das
ligações que a PJ estabeleceu durante as escutas foi ao próprio antigo primeiro-ministro,
José Sócrates. A 16 de março de 2003, o filho de José Guilherme foi ter com
José Bernardo Pinto de Sousa (primo de Sócrates) a uma dependência do BES para
lhe entregar “um saco que ali se encontrava guardado há seis meses de uma conta
antiga de José ou de Paulo”, revelou a PJ. Pinto de Sousa foi referenciado no
processo Freeport por suspeitas de ter recebido dinheiro.
José Guilherme
terá também beneficiado, em 2005, com a alteração dos limites da Zona de
Proteção Especial (ZPE) de Moura/Mourão, no mesmo dia em que foi alterada a ZPE
de Alcochete – o que deu origem ao chamado processo Freeport. É no município de
Moura que José Guilherme explora a zona de caça turística da Herdade dos
Arrochais por despacho publicado em Diário da República em 2007, era Sócrates
primeiro-ministro. Aliás, José Guilherme não se dedica só à caça por aqui (onde
acabou por ser visitado por inspetores da PJ). O empresário está agora a
dedicar-se à produção de vinho e até já deu nome a algumas garrafas, que têm
feito sucesso em Angola. Por cá, só podem comprar-se através da internet.
As suas ligações
a Sócrates vão mais longe. José Guilherme é gestor de uma série de empresas na
zona da Venteira, Amadora. E foi numa delas que teve sede, em 1989, a empresa Sovenco –
Sociedade de Venda de Combustíveis, da qual José Sócrates, Armando Vara e Jorge
Silvério foram sócios durante cerca de dois anos.
José Sócrates
teve a sede de uma empresa na mesma morada de uma empresa de José Guilherme
ANTONIO COTRIM/EPA
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José Guilherme,
homem que não aparece publicamente que não fala a jornalistas, chegou a ser
referido numa outra notícia do Correio da Manhã, quando um advogado foi
torturado e deixado misteriosamente à sua porta. O caso ocorreu em março deste
ano e está a ser investigado pela PJ. O advogado Francisco Cruz Martins teve
negócios em Angola e será responsável por um buraco de milhões de euros para o
Estado angolano com a compra de ações do Banif.
O empresário José
da Conceição Guilherme foi investigado e constituído arguido com outros sete
suspeitos numa investigação a alegadas irregularidades na câmara da Amadora.
Mas o Departamento Central de Investigação e Ação Penal do MP arquivou o
processo e nunca o acusou.
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