quinta-feira, 17 de julho de 2014

BES. A justiça tem de agir rapidamente. Uma viagem ao extraordinário mundo dos negócios do Grupo Espírito Santo.


BES. A justiça tem de agir rapidamente
O atestado de inocência passado pelo DCIAP a Salgado em 2013 caducou
Por Luís Rosa
publicado em 18 Jul 2014 in (jornal) i online

"Face aos factos até agora apurados nos presentes autos, não existem fundamentos para que o agora requerente, Dr. Ricardo Salgado, seja considerado suspeito, razão pela qual foi ouvido como testemunha." Estas palavras foram escritas pelo procurador Rosário Teixeira no dia 18 de Janeiro de 2013 e deram razão ao "Jornal de Negócios" para escrever em manchete: "DCIAP diz que Salgado não está envolvido no Monte Branco."

É certo que o despacho atrás citado diz respeito a parte dos 8,5 milhões de euros que Ricardo Salgado rectificou no seu IRS pouco antes de ser ouvido como testemunha, mas as palavras citadas são tão abrangentes que ilibam o banqueiro de quaisquer indícios que existissem (e existiam) naquele momento no caso Monte Branco.

Nunca se percebeu por que razão um procurador experiente como Rosário Teixeira passou um atestado de inocência ao presidente executivo do BES quando tinha informação suficiente em seu poder para, no mínimo, suspeitar que o banco, as suas empresas subsidiárias e o próprio Salgado estariam envolvidos em algo mais complexo do que simples problemas fiscais.

Hoje sabe-se muito mais sobre a inquirição de Ricardo Salgado e percebe-se ainda menos a decisão de Rosário Teixeira. Sabe-se, por exemplo, que Salgado foi confrontado com dados que indiciavam transferências totais de 14 milhões de dólares para sociedades offshore por si controladas de um construtor da Amadora que é um cliente fiel do BES desde que Ricardo Salgado assumiu a liderança do banco, em 1991. Sabe-se também que o Ministério Público aceitou como boas as suas explicações de que tal transferência (entre um banqueiro e um seu cliente) "se deveu a um acto espontâneo e de carácter gratuito" do construtor como agradecimento pelos bons conselhos de Salgado para investir em Angola em vez da Bulgária. Esta explicação testa o bom senso, mas acima de tudo testa a credibilidade do DCIAP.

Hoje sabemos todos que  o Grupo Espírito Santo (GES), liderado por Ricardo Salgado, está mergulhado em dívidas, que a contabilidade de holdings que controlavam o GES foi manipulada desde 2008 com o conhecimento do presidente executivo do BES e que a Portugal Telecom, por decisão do presidente Henrique Granadeiro, decidiu favorecer o BES financiando-o em quase 900 milhões de euros de papel comercial. E percebemos que o despacho de Rosário Teixeira não tem qualquer validade.

Só estas razões bastavam para que a Procuradoria-Geral da República esclarecesse de forma cabal, como a lei permite, que está a investigar toda a matéria penalmente relevante que tem vindo a ser publicada nas últimas semanas - em vez de fazer afirmações genéricas e redondas que se resumem a um pífio "estamos a acompanhar". Mas mais relevante é a opinião pública estar a assistir a um filme já visto no caso BPN (curiosamente, investigado pelo mesmo procurador) e ter a ideia de que a justiça está a assistir a tudo de braços cruzados. Não há estratégia de investigação que valha mais que a confiança numa justiça rápida e credível.

Uma viagem ao extraordinário mundo dos negócios do Grupo Espírito Santo
Por Ana Suspiro
publicado em 17 Jul 2014 in (jornal) i online

Só a área não financeira tem mais de 150 empresas. Com a banca e os seguros, o grupo emprega cerca de 25 mil pessoas
O que é que uma fazenda no Paraguai, o Hospital da Luz, os hotéis Tivoli, a agência de viagens Top Atlântico, uma empresa de serviços à indústria petrolífera no Brasil e a produção de eucalipto, arroz e soja têm em comum? Um apelido, Espírito Santo, e um accionista em dificuldades financeiras, o Grupo Espírito Santo (GES).

São alguns dos negócios de um dos maiores grupos portugueses, cuja crise na área não financeira tem estado a contaminar um dos principais bancos e marcas nacionais: o BES.

O percurso pelo sector não financeiro do GES começa na Rioforte, empresa com sede no Luxemburgo que é hoje a principal holding dos negócios da família. As actividades não financeiros estão concentrados em três áreas principais: saúde, turismo e imobiliário, mas há ainda investimentos na energia e na agricultura. São cerca de 150 sociedades, das quais 62 estão fora de Portugal. Estas empresas empregam mais de 13 mil pessoas (9230 nas operações consolidadas na Rioforte), das quais mais de 11 mil trabalham em Portugal.

Os números sobem para 180 empresas e 25 mil colaboradores com as operações financeiras. O Brasil é o principal destino da internacionalização do GES e também um dos que estarão a dar dores de cabeça (ver página seguinte). Das 14 empresas ou unidades de negócio destacadas nas contas da Rioforte, metade (sete) tiveram prejuízos em 2013.

A saúde é a actividade que mais pesa no volume de negócios, com 51%, e no EBITDA (margem operacional) consolidado da Rioforte. A Espírito Santo Saúde, que é também a principal empregadora, foi a protagonista da última história de sucesso do GES graças à oferta inicial em bolsa realizada este ano. Outros negócios estão à venda, como os hotéis Tivoli e a Tranquilidade.

No turismo, um dos negócios mais associados ao grupo, houve prejuízos superiores a 15 milhões de euros na Tivoli Hotel Resorts e na Viagens Espírito Santo, que já em 2012 tinham registado perdas. A Comporta teve lucros no ano passado depois de prejuízo em 2012.

O imobiliário é outro negócio core do GES. Apesar de muito exposto à crise financeira, estas operações geraram lucro no ano passado, o que foi especialmente relevante no Brasil.

Agricultura, energia e participações minoritárias constituem o resto do portefólio principal dos negócios da Rioforte, cujos activos estão maioritariamente fora de Portugal. Esta é a face mais visível do universo GES. Por contabilizar ficam várias holdings familiares que estão fora da Rioforte e da Espírito Santo Financial Group e empresas-veículo cuja finalidade parece ser deter uma participação social ou prestar serviços ao grupo.

De fora ficam negócios não financeiros relevantes, como a construtora Opway, que a Rioforte vendeu à Espírito Santo Industrial, mais uma holding familiar no Luxemburgo, em 2012, encaixando uma perda de 6,6 milhões de euros. O grupo controla também 40% da Ascendi, a segunda maior concessionária de auto-estradas portuguesas. A participação na empresa controlada pela Mota-Engil era detida pela ES Concessões. O GES partilha ainda com a Caixa o capital da Esegur, empresa de segurança.

SECTOR FINANCEIRO PESA 49% Às operações não financeiras juntou-se no final de 2013 a participação de 49,26% do grupo na Espírito Santo Financial Group (ESFG), holding também sedeada no Luxemburgo que concentra os activos financeiro, com destaque para a participação no BES, agora reduzida a 20%, o Banco Espírito Santo Investimento (BESI) e a seguradora Tranquilidade.

Segundo a Rioforte, a área financeira passou a representar cerca de 49% dos seus activos. A holding central do GES passou a concentrar um universo de mais de 180 empresas, entre posições de controlo e participações sociais minoritárias, mas relevantes, que empregam mais de 25 mil colaboradores em três continentes: Europa, América Latina e África. As operações em Portugal, incluindo o BES, serão responsáveis por mais de 20 mil postos de trabalho, segundo informação recolhida nos relatórios da Rioforte, ESFG e participadas. A estratégia passava por substituir a Espírito Santo Internacional, holding tecnicamente falida, com irregularidades graves nas contas e dívida de 7 mil milhões de euros, pela Rioforte. Esta holding deveria ainda substituir a ESFG na bolsa, processo que parou com a agudização da crise.

OS ALERTAS DO AUDITOR Apesar de lucros consolidados de 11,8 milhões de euros, que excluem a área financeira (a ESFG perdeu 864 milhões), o balanço de 2013 da Rioforte mostra já uma dívida de 1664 milhões de euros. Nesta soma, cerca de 900 milhões de euros eram papel comercial ou obrigações que venciam em menos de um ano. Foi no refinanciamento das necessidades de curto prazo da Rioforte que foi apanhada a Portugal Telecom.

Em relação às contas do ano passado, o auditor da Ernst & Young não dá opinião, mas alerta para a "aquisição de uma participação significativa na ESFG, através de instrumentos de dívida de curto prazo, que resultou num excesso de responsabilidades actuais sobre os activos. A companhia está a tomar as necessárias acções para reforçar a sua liquidez estendo a maturidade da dívida."


O sucesso deste processo ainda é incerto, concluía o auditor em Março. Em Julho, aguarda-se o pedido de insolvência da Rioforte após o incumprimento do reembolso de 847 milhões à PT (ver págs. 2 e 3).

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