Na nova Ribeira das Naus, Lisboa
reencontra a sua história e o Tejo
INÊS BOAVENTURA
13/07/2014 - PÚBLICO
Manuel Salgado diz que "não é preciso ser-se bruxo para adivinhar que
esta intervenção será muito premiada", enquanto António Costa frisa que há
um prémio já conquistado: haver centenas de pessoas a apropriar-se deste novo
espaço público em Lisboa.
Depois de
removida “a camada de esquecimento e de destruição” que a cobria há várias
décadas, a Ribeira das Naus, em Lisboa, quer afirmar-se como um espaço de
reencontro, não só com o Tejo, mas também com a história da cidade. A Doca Seca
está agora a descoberto, a Doca da Caldeirinha foi retomada e permite, através
de um passadiço em madeira, a ligação ao Terreiro do Paço, e os relvados que
evocam as rampas outrora usadas pelas embarcações atraem já centenas de
pessoas.
A conclusão da
segunda fase da obra de requalificação da Ribeira das Naus foi assinalada
ontem, numa visita ao local, com a presença do presidente da Câmara de Lisboa,
António Costa, e de vários dos seus vereadores. Além das dezenas de convidados
que marcaram presença nesta iniciativa, muitas outras pessoas houve que ali se
deslocaram, não para assistir aos discursos de ocasião, mas para usufruir de
tudo aquilo que este novo espaço público tem para oferecer.
Deitados na rampa
em pedra que vai descendo para o Tejo, ou até com os pés dentro de água, a
fazer a pé ou de bicicleta o percurso entre o Terreiro do Paço e o Cais do
Sodré, sentados ou mesmo deitados em fato de banho nos relvados existentes,
centenas de portugueses e estrangeiros lá estiveram, demonstrando que agora
este espaço à beira rio plantado é também seu.
Dizendo-se
“orgulhoso” do resultado final desta obra, o vereador do Urbanismo, Manuel
Salgado, destacou a qualidade do projecto, da autoria dos arquitectos
paisagistas João Nunes e João Gomes da Silva, dizendo que “não é preciso ser-se
bruxo para adivinhar que esta intervenção será muito premiada”. O presidente do
município foi igualmente elogioso, afirmando que há um prémio com o qual os
autores deste “notável projecto” podem desde já contar: ver que há “centenas de
pessoas” a apropriar-se daquilo que criaram.
Elogios à parte,
Manuel Salgado admitiu que esta foi uma obra “bem mais longa do que se
esperava” e agradeceu a “compreensão” da Marinha Portuguesa e dos cidadãos que
se viram “prejudicados” por ela. No seu discurso, o autarca sublinhou “o quão
difícil é mexer no chão de Lisboa” e a dificuldade que representa
compatibilizar empreitadas como esta “com calendários, orçamentos e exigências
do QREN [Quadro de Referência Estratégica Nacional]”.
“A relação com a
Direcção-Geral do Património Cultural nem sempre foi fácil. Houve muitas
paragens, avanços e recuos”, admitiu ainda Manuel Salgado. “No final, esta é
uma obra que nos orgulha a todos”, concluiu.
Também um dos
autores do projecto agora concretizado, e cuja primeira fase tinha sido
inaugurada em Março de 2013, reconheceu que este foi “um demorado processo”,
uma “odisseia”. Para João Nunes, a requalificação da Ribeira das Naus permitiu
“remover uma camada de esquecimento e de destruição” que desde meados do século
passado cobria esta zona ribeirinha.
O arquitecto
paisagista sublinhou que esta obra permitiu “retomar um contacto muito directo
entre os cidadãos e o rio”, mas também “retomar as geometrias e os espaços que
antes existiam”. São disso exemplo a Doca Seca, onde desde o século XVII eram
recuperadas embarcações e que está agora visível, e a Doca da Caldeirinha, uma
estrutura que remonta a 1500 e que está hoje coberta de água, podendo ser
atravessada através de um passadiço em madeira. A juntar a isso, em frente aos
edifícios da Marinha, há dois novos prismas relvados, que evocam as rampas
varadouro de outros tempos.
Já o Chefe do
Estado-Maior da Armada congratulou-se com o facto de ter sido possível chegar a
um projecto que garantisse “a salvaguarda da segurança física e funcional da
infra-estrutura de natureza militar”, sem comprometer a solução arquitectónica.
Do presidente da Câmara de Lisboa, o vice-almirante Luís Macieira Fragoso ouviu
ontem a garantia de que podia contar com o seu apoio para a criação, junto à
Doca Seca, de um pólo museológico do Museu da Marinha dedicado aos
Descobrimentos.
António Costa
frisou, por sua vez, que “esta obra não é desligada de um todo”, devendo ser
vista como “mais um contributo para a revitalização da Baixa”. Entre os
trabalhos já concluídos nesse mesmo sentido, o autarca mencionou a
requalificação do Terreiro do Paço, a nova sede do Banco de Portugal (na Rua do
Comércio) e a “rede de elevadores” que ligam a Rua dos Fanqueiros à Costa do
Castelo.
A visita à
Ribeira das Naus contou ainda com uma cerimónia de entrega de medalhas de
mérito municipal a quatro personalidades que, segundo António Costa, “deram um
contributo excepcional para podermos ter uma nova relação da cidade com o rio”.
Uma delas foi Natércia Cabral, ex-presidente da Administração do Porto de
Lisboa, a quem o autarca agradeceu por ter posto fim a “longas décadas” em que
entre as duas entidades tudo o que houve foi “contencioso e mau viver”.
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