quinta-feira, 17 de julho de 2014

As esquerdas e o PS pós-directas. / Merkel quer tudo ou nada na cimeira de Bruxelas

‘Lembremos John Adams, o segundo presidente dos EUA: "Há duas maneiras de conquistar e subjugar uma nação. Uma é pela espada, a outra é pela dívida"
Colocada a crise nesta perspectiva, o que se pode esperar da disputa pela liderança do Partido Socialista? Aparentemente, trata-se de escolher o candidato mais capaz de vencer as próximas eleições e participar numa (imaginada) coligação das periferias que, chegada a hora, imponha uma reestruturação honrada das dívidas e uma interpretação suave do Tratado Orçamental.
As esquerdas têm obrigação de saber que a Alemanha não prescinde da sua autonomia estratégica, com o euro nas suas condições, ou então sem o euro. Alimentar a ilusão de uma reforma progressista da UE só pode conduzir ao desastre nos partidos políticos que a protagonizarem.'

As esquerdas e o PS pós-directas
Por Jorge Bateira
publicado em 26 Jun 2014 in(JORNAL) i online

Para sabermos como enfrentar esta crise, devemos ter presente que a Alemanha não vai pôr em causa o seu modelo económico. E não vai aceitar uma UE federalizante
No centenário da Grande Guerra, é importante lembrar que, em Setembro de 1914, o governo alemão dispunha de um documento estratégico sobre os objectivos da guerra de que constava o seguinte ponto: "Uma grande união económica da Europa Central, sem cabeça constitucional comum, sob a aparente igualdade dos seus membros, mas de facto sob direcção alemã" (ver Jean-Pierre Chevènement, 1914-2014, L'Europe sortie de L'histoire?, Fayard; p. 103). Para além do debate sobre a natureza do pangermanismo e do nazismo - há quem sustente que o nazismo rompe com o nacionalismo alemão (Jacques Sapir, de 18 Junho, RussEurope) - este documento recorda-nos que, desde a unificação conduzida pela Prússia, diferentes forças sociais e movimentos ideológicos convergiram para que a Alemanha adoptasse muito cedo uma estratégia de afirmação económica e política, na Europa e no mundo.

Com as negociações que conduziram à reunificação no século xx, o pensamento económico dominante na Alemanha (ordoliberalismo) hegemonizou a construção jurídica e económica da UEM ao ponto de "o aluno dócil se ter transformado no tutor da Europa" (Ulrich Beck). Lembremos John Adams, o segundo presidente dos EUA: "Há duas maneiras de conquistar e subjugar uma nação. Uma é pela espada, a outra é pela dívida" (citado por Chevènement, p. 247). Hoje, através de um mercantilismo agressivo, apoiado por mercados financeiros em roda livre, a Alemanha procura conquistar um lugar cimeiro na economia política internacional do século xxi. Omitindo que financiou, através dos seus bancos, a dívida externa das periferias para escoar os seus produtos, submarinos incluídos, a Alemanha procura agora "moldar" a zona euro através do Tratado Orçamental, a que acrescentará pacotes financeiros específicos destinados a comprar a anuência dos partidos sociais-liberais.

Para sabermos como enfrentar esta crise, devemos ter presente que a Alemanha não vai pôr em causa o seu modelo económico. E não vai aceitar uma UE federalizante, se isso significar a responsabilidade por transferências financeiras avultadas, de natureza permanente, sem montante definido à partida (8%-12% do PIB alemão durante muitos anos; contas de Jacques Sapir). Nem vai aceitar que o BCE, ou qualquer agência europeia no seu lugar, assuma as dívidas impagáveis da periferia. Isso seria pedir à Alemanha que, de um dia para o outro, abandonasse os princípios da sua "economia social de mercado", "uma visão antiga, institucionalmente enraizada e que recua à sua experiência de industrialização tardia" (Christopher Allen, "The Underdevelopment of Keynesianism in the Federal Republic of Germany", p. 289). Por isso, como afirma um economista alemão, "é literalmente impossível para a mentalidade alemã admitir que a própria Alemanha possa de facto ser parte do problema do euro" (Jörg Bibow, "Are German Savers Being Expropriated?").

Colocada a crise nesta perspectiva, o que se pode esperar da disputa pela liderança do Partido Socialista? Aparentemente, trata-se de escolher o candidato mais capaz de vencer as próximas eleições e participar numa (imaginada) coligação das periferias que, chegada a hora, imponha uma reestruturação honrada das dívidas e uma interpretação suave do Tratado Orçamental. Qualquer que seja a escolha dos socialistas, há algo que as esquerdas têm obrigação de ter presente quando tiverem de se relacionar com o PS pós-directas: confrontada com exigências que põem em causa a sua estratégia, a Alemanha não hesitará. Tratando-se da sua forma de ver o mundo, e do seu lugar nele, a sua escolha está feita e não releva da racionalidade económico-financeira. As esquerdas têm obrigação de saber que a Alemanha não prescinde da sua autonomia estratégica, com o euro nas suas condições, ou então sem o euro. Alimentar a ilusão de uma reforma progressista da UE só pode conduzir ao desastre nos partidos políticos que a protagonizarem.

Economista, co-autor do blogue Ladrões de Bicicletas

Merkel quer tudo ou nada na cimeira de Bruxelas
TERESA DE SOUSA 16/07/2014 - PÚBLICO
Se as negociações avançarem, podemos ter várias surpresas.

Quando a chanceler alemã chegou a Bruxelas, disse logo ao que vinha: “É bem possível que esta cimeira seja apenas uma primeira discussão e que as decisões finais não sejam hoje tomadas”. Mas, “se chegarmos a uma decisão, sou a favor de lidar com estas questões importantes de uma maneira global”. Ou seja, para Merkel, ou há acordo global ou não há nada, a não ser marcar uma nova cimeira para 28 de Agosto. Nesta quarta-feira, antes de os líderes se sentarem à mesa do jantar, o clima de confusão que predominava em Bruxelas fazia pender as apostas para o primeiro caso.

Se os líderes europeus considerassem não haver condições para fechar um acordo, abandonaria o assunto e dedicariam o jantar à Ucrânia (hoje decidiram aumentar as sanções à Rússia) e a Gaza. Era isso que ainda estavam a discutir esta noite. O segundo cenário, o de um acordo global, também não era completamente excluído. Se acabasse por prevalecer, então a cimeira poderia prolongar-se até de madrugada.

Jean-Claude Juncker, que se multiplicou em contactos, insiste em ter a sua comissão concluída já no início de Agosto e o chefe da diplomacia europeia é também o seu primeiro vice-presidente. Já tem os nomes dos comissários de 11 países, mas não ainda o de Portugal. Pedro Passos Coelho esteve hoje reunido com ele, mas permanece o mistério sobre a sua escolha. A única coisa que o seu gabinete garantiu ao PÚBLICO foi que “não propôs o nome de Durão Barroso para presidir ao Conselho Europeu em caso de impasse”, desmentindo uma notícia que circulava em Bruxelas. Barroso não se apresentou como candidato mas ainda não desistiu de preencher os requisitos para desbloquear uma situação de impasse.

De resto, os líderes europeus continuavam a tentar vender as suas apostas, com maior ou menor veemência. Matteo Renzi, a nova coqueluche do centro-esquerda europeu que chefia o Governo italiano, continuava a insistir na nomeação da sua ministra dos Negócios Estrangeiros para suceder a Lady Ashton à frente da diplomacia europeia. O seu nome continuava, no entanto, a suscitar grandes resistências sobretudo nos países de Leste. A presidente lituana, Dalia Grybauslaite, com a sua franqueza habitual, denunciou “os candidatos pró-Kremlin como totalmente inaceitáveis”. A candidata italiana, muito próxima do primeiro-ministro, tem um currículo ligado às questões internacionais mas tem menos de seis meses de experiência no cargo. A Itália tem sido dos países mais avessos a um endurecimento das sanções contra a Rússia: está dependente do gás russo e exporta muito para o seu mercado. Se não vencer a batalha, Juncker gostaria de ver a búlgara Kristalina Georgieva, a actual comissária para o desenvolvimento e ajuda humanitária, ocupar esse lugar.

Os socialistas europeus estiveram reunidos antes da cimeira mas não conseguiram uma mensagem unificada, embora reclamassem para si os dois cargos — de chefe da Diplomacia europeia e de presidente do Conselho Europeu, alegando que a direita fica com a Comissão e o Eurogrupo (o ministro espanhol Luis de Guindos já está na calha). Foram dizendo com tonalidades diferentes que poderiam apoiar a primeira-ministra da Dinamarca, Helle Thorning-Schmidt, considerada como uma política frágil, mas que se dá bem com David Cameron e, aparentemente, também com Angela Merkel, embora o seu país não pertença ao euro. A imprensa dinamarquesa chama-lhe “Gucci-Helle” e é nora do Neil Kinnock, um antigo e respeitado líder do Labour britânico.

Paris e Berlim mantinham hoje um braço-de-ferro em torno de Pierre Moscovici, anterior ministro das Finanças e candidato a ocupar a pasta dos assuntos económicos e financeiros (vulgo UEM). Merkel recusa o seu nome porque entende que um país que está sempre a “fugir” ao cumprimento das metas do Pacto de Estabilidade e Crescimento não tem credibilidade para impô-lo. Havia, segundo o Monde, negociações no sentido de Berlim garantir um director-geral austríaco, Thomas Wieser, para “controlar” o Comissário francês. Merkel também adiantou que poderia ver em Donald Tusk, o chefe do Governo polaco, um bom nome para a sucessão de Herman van Rompuy — ele próprio encarregue de apresentar um “pacote” que não conseguiu negociar a tempo.


Se as negociações avançarem, podemos ter várias surpresas porque os líderes levam sempre na manga algumas cartas escondidas.

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