quinta-feira, 17 de julho de 2014

Quem o viu e quem o vê: Parque Tejo já não admira ninguém em Lisboa


Quem o viu e quem o vê: Parque Tejo já não admira ninguém em Lisboa
Os 80 hectares do Parque Tejo, que eram um pedaço de paraíso com a Ponte Vasco da Gama por cima, foram deixados completamente ao abandono pela Câmara Municipal de Lisboa há mais de um mês
José António Cerejo / 17-7-2014 / PÚBLICO

Quando a esmola é grande, o pobre desconfia! O adágio deve ter ocorrido a muitos dos que nos últimos 15 anos se surpreenderam com aquele pedaço de paraíso à beira-Tejo.
A qualidade superior do desenho e, sobretudo, da manutenção da extensa faixa verde que ia da Torre Vasco da Gama até à foz do rio Trancão, no Parque das Nações, só podia suscitar espanto e desconfiança.
O simples facto de a faixa verde já não surpreender ninguém, porque já não é verde e se tornou um arremedo do que já foi, parece dar razão aos desconfiados: “Isto era bom de mais para ser verdade”, diz um frequentador do Parque Tejo, já conformado com aquilo que agora lá vê.
Os 80 hectares que para ali atraíam milhares de visitantes passaram de um extremo ao outro. Nos quinze anos em que estiveram sob a alçada da sociedade Parque Expo só recebiam elogios; desde há ano e meio, altura em que passaram a depender da Câmara de Lisboa, tornaram-se alvo de uma zanga crescente.
Nos últimos meses, ao mesmo tempo que se acentuava a degradação do espaço, as queixas multiplicavam-se. Não apenas nos desabafos dos utentes, mas também através de blogues e páginas no Facebook, ou da Associação de Moradores e Comerciantes do Parque das Nações e da recémcriada Junta de Freguesia do Parque das Nações.
E não era caso para menos. Basta comparar as fotos do antigo Parque Tejo com a desolação que hoje lá impera. Onde havia relva viçosa e bem aparada, há agora desertos e arbustos secos, ou então matagais de relva à mistura com ervas daninhas que não são cortadas há meses. Em alguns deste locais, o excesso de água proveniente de um sistema de rega descontrolado e semidestruído, com mangueiras e aspersores arrancados, origina poças e lamaçais.
Mas o estado de abandono dos campos onde ainda há avisos da Parque Expo a proibir “botas de solas de pitons” para não danificar a relva é apenas um sinal.
O retrato completa-se passo a passo, com muitas dezenas de bancos de madeira sem qualquer vestígio de tratamento; bebedouros vandalizados, ou sem água; receptáculos de aço inoxidável para dejectos de cães desmantelados; rebentos de plátanos com meio metro de altura a pintalgar de verde o amarelo dos antigos relvados; colunas de iluminação partidas; passadiços de madeira transformados em harmónios feitos de tábuas levantadas e despedaçadas; graffiti onde há sítio para os pôr; ou casas de banho com as portas interiores rebentadas, torneiras avariadas e até buracos no lugar dos lavatórios.
Para não falar nas muitas árvores exóticas que estão a morrer à míngua de água no cenário de devastação em que se transformou o topo norte do parque, junto à foz do Trancão. Nem no parque infantil repleto de crianças frente ao qual a câmara teve o cuidado de colocar um painel informativo a dizer que ele está temporariamente encerrado e que “a CML não se responsabiliza” pela sua utilização.
“Isto está assim há meses. Depois choveu e melhorou. Agora está como está. Nas últimas semanas vi pontualmente um ou dois homens a arranjar qualquer coisa”, conta Bruno Figueiredo, residente nas proximidades do parque e responsável pela página do Facebook intitulada Pela Qualidade Urbana no Parque das Nações. O problema — que diz ser ali mais graves, mas que é extensível a grande parte do Parque das Nações — é que quando a Parque Expo geria o espaço “viam-se sempre muitos trabalhadores a tratar dos jardins e nos últimos meses eles desapareceram”.
Em Março de 2013 — três meses depois de a câmara tomar conta da zona e apesar de ainda haver no terreno empresas de jardinagem ao abrigo de contratos feitos com a Parque Expo — já a associação de moradores e comerciantes se queixava do facto de o sistema de rega do Parque Tejo não estar operacional. “Transmitimos a nossa preocupação à câmara e temos continuado a pressioná-la, assim como à junta de freguesia, para que o parque volte a ter o nível de manutenção que fez dele um espaço de lazer e vivência procurado por tanta gente”, conta Aníbal de Oliveira, dirigente da associação.
“O que lhe digo é que aquilo só não está pior porque a junta, com os escassos recursos de que dispõe e apesar de não ter nenhuma responsabilidade no caso, tem feito algumas reparações no sistema de rega”, comenta o presidente da autarquia, José Moreno, eleito pelo movimento independente Parque das Nações Por Nós. O autarca explica que a câmara ficou com o espaço no fim de 2012, mas que até Janeiro deste ano ainda ali esteve uma empresa contratada pela Parque Expo. O trabalho só foi retomado em meados de Março por uma firma ao serviço do município, mas com muito menos pessoal. E o contrato acabou a 15 de Junho.
“Desde então não houve qualquer espécie de manutenção feita por pessoal da câmara, ou por prestadores de serviços. Ontem, o vereador Sá Fernandes disse na assembleia municipal que brevemente ia entrar outra empresa, mas eu tenho sérias dúvidas.” José Moreno acrescenta que a junta está na disposição de interditar o acesso aos passadiços de madeira, que oferecem riscos para segurança das pessoas, e diz que o contrato que contemplava a sua manutenção já terminou no final do ano passado.
Contactado pelo PÚBLICO, o gabinete do vereador da Estrutura Verde, José Sá Fernandes, informou, através de um assessor, que “vai ser adjudicado em breve” um contrato que abrange os espaços verdes do Parque Tejo e “algum do seu mobiliário urbano”. Desde 15 de Junho, garantiu João Camolas, “os serviços da câmara têm estado a assegurar a manutenção com os recursos possíveis”.
Quantas pessoas é que lá trabalham desde então? “Não posso precisar”, respondeu.

Ontem, durante toda a manhã, os 80 hectares do Parque Tejo não foram pisados por um único jardineiro da câmara. Além das duas mulheres que iam limpando as casas de banho, apenas um solitário agente da PSP fazia companhia às centenas de pessoas que ali gozavam o Verão.

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