Quem o viu e quem o vê: Parque
Tejo já não admira ninguém em Lisboa
Os 80 hectares
do Parque Tejo, que eram um pedaço de paraíso com a Ponte Vasco da Gama por
cima, foram deixados completamente ao abandono pela Câmara Municipal de Lisboa
há mais de um mês
José António
Cerejo / 17-7-2014 / PÚBLICO
Quando a esmola é
grande, o pobre desconfia! O adágio deve ter ocorrido a muitos dos que nos
últimos 15 anos se surpreenderam com aquele pedaço de paraíso à beira-Tejo.
A qualidade
superior do desenho e, sobretudo, da manutenção da extensa faixa verde que ia
da Torre Vasco da Gama até à foz do rio Trancão, no Parque das Nações, só podia
suscitar espanto e desconfiança.
O simples facto
de a faixa verde já não surpreender ninguém, porque já não é verde e se tornou
um arremedo do que já foi, parece dar razão aos desconfiados: “Isto era bom de
mais para ser verdade”, diz um frequentador do Parque Tejo, já conformado com
aquilo que agora lá vê.
Os 80 hectares que para
ali atraíam milhares de visitantes passaram de um extremo ao outro. Nos quinze
anos em que estiveram sob a alçada da sociedade Parque Expo só recebiam
elogios; desde há ano e meio, altura em que passaram a depender da Câmara de
Lisboa, tornaram-se alvo de uma zanga crescente.
Nos últimos
meses, ao mesmo tempo que se acentuava a degradação do espaço, as queixas
multiplicavam-se. Não apenas nos desabafos dos utentes, mas também através de
blogues e páginas no Facebook, ou da Associação de Moradores e Comerciantes do
Parque das Nações e da recémcriada Junta de Freguesia do Parque das Nações.
E não era caso
para menos. Basta comparar as fotos do antigo Parque Tejo com a desolação que
hoje lá impera. Onde havia relva viçosa e bem aparada, há agora desertos e
arbustos secos, ou então matagais de relva à mistura com ervas daninhas que não
são cortadas há meses. Em alguns deste locais, o excesso de água proveniente de
um sistema de rega descontrolado e semidestruído, com mangueiras e aspersores
arrancados, origina poças e lamaçais.
Mas o estado de
abandono dos campos onde ainda há avisos da Parque Expo a proibir “botas de
solas de pitons” para não danificar a relva é apenas um sinal.
O retrato
completa-se passo a passo, com muitas dezenas de bancos de madeira sem qualquer
vestígio de tratamento; bebedouros vandalizados, ou sem água; receptáculos de
aço inoxidável para dejectos de cães desmantelados; rebentos de plátanos com
meio metro de altura a pintalgar de verde o amarelo dos antigos relvados;
colunas de iluminação partidas; passadiços de madeira transformados em
harmónios feitos de tábuas levantadas e despedaçadas; graffiti onde há sítio
para os pôr; ou casas de banho com as portas interiores rebentadas, torneiras
avariadas e até buracos no lugar dos lavatórios.
Para não falar
nas muitas árvores exóticas que estão a morrer à míngua de água no cenário de
devastação em que se transformou o topo norte do parque, junto à foz do
Trancão. Nem no parque infantil repleto de crianças frente ao qual a câmara
teve o cuidado de colocar um painel informativo a dizer que ele está
temporariamente encerrado e que “a CML não se responsabiliza” pela sua
utilização.
“Isto está assim
há meses. Depois choveu e melhorou. Agora está como está. Nas últimas semanas
vi pontualmente um ou dois homens a arranjar qualquer coisa”, conta Bruno
Figueiredo, residente nas proximidades do parque e responsável pela página do
Facebook intitulada Pela Qualidade Urbana no Parque das Nações. O problema —
que diz ser ali mais graves, mas que é extensível a grande parte do Parque das
Nações — é que quando a Parque Expo geria o espaço “viam-se sempre muitos
trabalhadores a tratar dos jardins e nos últimos meses eles desapareceram”.
Em Março de 2013
— três meses depois de a câmara tomar conta da zona e apesar de ainda haver no
terreno empresas de jardinagem ao abrigo de contratos feitos com a Parque Expo
— já a associação de moradores e comerciantes se queixava do facto de o sistema
de rega do Parque Tejo não estar operacional. “Transmitimos a nossa preocupação
à câmara e temos continuado a pressioná-la, assim como à junta de freguesia,
para que o parque volte a ter o nível de manutenção que fez dele um espaço de
lazer e vivência procurado por tanta gente”, conta Aníbal de Oliveira,
dirigente da associação.
“O que lhe digo é
que aquilo só não está pior porque a junta, com os escassos recursos de que dispõe
e apesar de não ter nenhuma responsabilidade no caso, tem feito algumas
reparações no sistema de rega”, comenta o presidente da autarquia, José Moreno,
eleito pelo movimento independente Parque das Nações Por Nós. O autarca explica
que a câmara ficou com o espaço no fim de 2012, mas que até Janeiro deste ano
ainda ali esteve uma empresa contratada pela Parque Expo. O trabalho só foi
retomado em meados de Março por uma firma ao serviço do município, mas com
muito menos pessoal. E o contrato acabou a 15 de Junho.
“Desde então não
houve qualquer espécie de manutenção feita por pessoal da câmara, ou por
prestadores de serviços. Ontem, o vereador Sá Fernandes disse na assembleia
municipal que brevemente ia entrar outra empresa, mas eu tenho sérias dúvidas.”
José Moreno acrescenta que a junta está na disposição de interditar o acesso
aos passadiços de madeira, que oferecem riscos para segurança das pessoas, e
diz que o contrato que contemplava a sua manutenção já terminou no final do ano
passado.
Contactado pelo
PÚBLICO, o gabinete do vereador da Estrutura Verde, José Sá Fernandes,
informou, através de um assessor, que “vai ser adjudicado em breve” um contrato
que abrange os espaços verdes do Parque Tejo e “algum do seu mobiliário
urbano”. Desde 15 de Junho, garantiu João Camolas, “os serviços da câmara têm
estado a assegurar a manutenção com os recursos possíveis”.
Quantas pessoas é
que lá trabalham desde então? “Não posso precisar”,
respondeu.
Ontem, durante
toda a manhã, os 80
hectares do Parque Tejo não foram pisados por um único
jardineiro da câmara. Além das duas mulheres que iam limpando as casas de
banho, apenas um solitário agente da PSP fazia companhia às centenas de pessoas
que ali gozavam o Verão.
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