A única coisa que lhe importa, de facto, é a organização da elite partidária. |
A política segundo António Costa
Rui Ramos
24/7/2014,
OBSERVADOR
Costa espera fazer recolher ao redil o PSD anti-passista e o PS socrático,
responsáveis pela maior parte do clamor mediático dos últimos tempos. O regime
voltará, finalmente, a cheirar a consenso.
Enquanto o país
comentador continua entretido com a disputa do PS, António Costa pensa já
noutros campeonatos: por exemplo, na liderança do PSD ou na Presidência da
República. E não, não quero insinuar que Costa, além de secretário-geral do PS
e primeiro-ministro, também aspire a ser presidente do PSD e ainda presidente
da república. O que quero dizer é que Costa parece pensar a sua candidatura
como o vértice de um triângulo que, além da direcção do PS, inclui a chefia do
PSD e a Presidência da República. Daí os patrocínios que esta semana concedeu
às possíveis candidaturas de António Guterres à Presidência da República e de
Rui Rio à liderança do PSD. Mais do que o candidato da revanche socrática ou de
uma quimérica “unidade de esquerda”, Costa gostaria de ser o candidato de toda
a oligarquia política – uma oligarquia decidida a restaurar o esplendor do seu
poder após três anos de tremor.
O projecto
pressupõe três coisas. Primeiro, a submissão do PSD, com a redução do seu líder
a uma espécie de lugar-tenente do secretário-geral do PS. É esse o sentido da
insistência de Costa na “maioria absoluta”: não quer dizer que espere mesmo uma
maioria absoluta, mas convém-lhe que se pense que o primeiro lugar será do PS. E
a verdade é que, no debate de terça-feira, Rui Rio pareceu conformar-se com o
lugar, pelo menos ao ponto de secundar a proposta de calendário eleitoral que
mais jeito dá a Costa, com eleições legislativas logo em Abril de 2015. A segunda coisa de
que Costa precisa é de um Presidente da República devidamente sintonizado. E
como retoque final, terá certamente o cuidado de ir colher alguns malmequeres
ao jardim do Bloco de Esquerda, a fim de compensar os entendimentos à direita,
como Mário Soares fez em 1978, ao ir buscar Jorge Sampaio quando se aliou ao
CDS.
O Bloco Costista
começaria por condenar e apagar tudo o que se passou nos últimos três anos em
Portugal. Passos, Seguro e Cavaco Silva seriam os bodes expiatórios do regime:
Passos não devia ter ido “além da troika”, Seguro devia ter feito “outra
oposição”, Cavaco devia ter sido “mais interventivo”. Só por causa deles houve
recessão, e só por causa deles não houve compromissos. Ou seja, tudo esteve
sempre bem: a economia pujante, a classe política sensata. O que tivemos foi
azar com os líderes do momento.
Com isto, Costa
espera fazer recolher ao redil o PSD anti-passista e o PS socrático,
responsáveis pela maior parte do clamor mediático dos últimos tempos. O regime
voltará, finalmente, a cheirar a consenso. De fora, ficariam o PCP e o CDS: o
primeiro para provar, com as suas manifestações, que Costa está a mudar alguma
coisa; o segundo para demonstrar, com as suas críticas, que Costa não está a
mudar nada. Como qualquer oligarca, Costa traz sempre os cidadãos na boca. A
única coisa que lhe importa, de facto, é a organização da elite partidária.
Não sabemos se os
outros oligarcas estão disponíveis. Talvez estejam. A classe dirigente apanhou
um grande susto. Receou pela sua cadeira nos conselhos europeus, teve de aparar
as unhas ao Estado social, perdeu alguns dos seus banqueiros de estimação. Costa
propõe-lhe agora um grande arranjo (“um compromisso político generalizado”),
que seque alternativas e permita reparar “entendimentos”. Seria de facto, como
ele diz, “repor a política no comando dos destinos do país”– se por “política”,
claro, entendermos os dirigentes partidários e as suas clientelas. A única
questão é: como vai Costa pagar tudo isso? Ele não quer dizer. Mas da última
vez que esta “política” esteve no “comando”, tudo nos saiu muito caro.
Sem comentários:
Enviar um comentário