E SE A PRÓXIMA CRISE ECONÓMICA JÁ ESTIVER A CAMINHO ?
Os sinais de alerta começam a amontoar-se nos mercados globais e os
especialistas aconselham cautela nos investimentos.
Marta Marques
Silva / 21-7-2014 / Diário Económico
Os sinais de
alerta estão a soar nos mercados internacionais. No final de Junho, o banco
central dos bancos centrais, o Bank of International Settlements (BIS),
afirmava que a euforia nos mercados financeiros não encontra suporte na
realidade económica, e exultou os bancos centrais a reverter políticas
monetárias que continuam a alimentar "as subidas insustentáveis nos mercados
financeiros". Referia-se não só ao excesso de liquidez injectada, mas
principalmente às taxas de juro que permanecem em mínimos históricos. Mas o BIS
não foi o único a pronunciar-se neste sentido nas últimas semanas. No seu
último relatório semestral, publicado a 14 de Julho, o World Gold Council, o
organismo que representa a indústria mundial do ouro, alertava precisamente
para o facto de "tantos dólares a perseguirem tão poucos produtos com
elevados retornos pode criar o risco de bolhas financeiras". Uma dinâmica
que, dizem, "poderá vir a provar-se insustentável".
Esta semana, o
fundo de pensões do maior banco dinamarquês, o Danske Bank, colocava de parte
5% do capital para investir em activos mais ligados "à economia
real", menos expostos aos mercados financeiros que, segundo o banco,
poderão sofrer uma forte correcção. "É difícil enumerar a quantidade de
negócios exóticos que nos têm proposto sem quase nenhuma extra ‘yield' (face a
activos seguros]. Ninguém os teria sugerido há dois ou três anos",
explicava o CFO do banco, Aarup-Andersen. "No momento em que as ‘yields'
desaparecem de uma classe de activos as pessoas simplesmente seguem para a
seguinte. É difícil encontrar ‘yield' e não queremos estar cegos perseguindo
‘yield' ao longo da curva". E mesmo Janet Yellen, que recusou recentemente
a formação de uma bolha nos mercados accionistas norte-americanos, reconhece a
existência de alguns excessos. Num relatório enviado esta semana ao Congresso,
a presidente da Reserva Federal dos EUA escreve que: "As avaliações das
empresas mais pequenas, bem como das empresas de redes sociais e do sector da
biotecnologia parecem excessivas, com rácios preços/lucros estimados bem acima
da média histórica".
A Cynk Technology
é um exemplo paradigmático. Na semana passada o regulador do mercado
norte-americano foi forçado a suspender a negociação das acções, depois de
terem disparado 3.600%, de 10 cêntimos para 21 dólares no espaço de um mês. Uma
avaliação de seis mil milhões de dólares, apesar desta empresa de redes sociais
só ter um funcionário e não ter receitas. A Cynk está longe de ser um exemplo
isolado. Nos EUA mas também em alguns mercados europeus, os principais índices
têm vindo a renovar máximos históricos. O S&P 500 está 27% acima do pico
registado em Outubro de 2007 e, desde os mínimos de 2009, já quase triplicou de
valor. Um rally que dura há cinco anos o que é, segundo dados reunidos pela
Bloomberg, cerca de um ano mais longo do que a média histórica. Além disso, a
volatilidade, medida pelo índice VIX, está no valor mais baixo de sempre. Muitos
analistas, incluindo o BIS, têm alertado para este factor, que sugere uma
atitude complacente dos investidores em relação ao risco.
Uma atitude que está longe de cingir-se aos mercados accionistas.
E se a próxima
bolha estiver na dívida das empresas?
Nesta busca
incessante por retornos ('yield') a dívida ‘high yield' tem sido o grande
"êxito de bilheteira". Trata-se da dívida emitida por empresas com
qualidade creditícia inferior, ou seja, a dívida das empresas ‘junk' e que, por
isso, oferece retornos superiores aos investidores. Quanto maior o risco, maior
o juro exigido. Essa é a teoria. Não admira portanto que, num ambiente de taxas
de juro próximas de zero, a procura por estes títulos tenha disparado. 2014
prepara-se para bater todos os recordes em termos de montantes emitidos, com a
consequente queda nos juros exigidos, em resultado precisamente deste excesso
de procura. "Os ‘spreads' das obrigações corporativas, bem como os
indicadores de volatilidade em algumas classes de activos, caíram para níveis
mínimos, o que sugere que alguns investidores podem estar a subponderar o
potencial de perdas", afirmou Yellen perante o Congresso. Explicando que:
"Os padrões de crédito para as empresas com menores ‘ratings' foram
relaxados de forma significativa, em resultado da procura por ‘yield' num
contexto de taxas de juro persistentemente baixas".
Numa nota enviada
aos investidores esta semana, intitulada ‘Bubbles Detector', Giordano Lombardo,
o ‘Chief Investment Officer' da Pionneer Investments, escrevia o seguinte:
"A compressão de ‘spreads' continua ao longo de todo o espectro de
‘ratings'. As taxas de ‘default' corporativo estão artificialmente baixas:
empresas que no passado se teriam debatido para aceder aos mercados de crédito
estão a conseguir levantar dinheiro para se refinanciarem. (...) Entretanto, a
liquidez no mercado começa a desaparecer". Para concluir que:
"Portanto, na nossa perspectiva, os mercados de crédito precisam de ser
manuseados com muita cautela".
E se, em
2007/2008, muitos apontaram o dedo às agências de ‘rating' pelo facto das
notações não reflectirem adequadamente o nível de risco da empresa, hoje
simplesmente ninguém parece dar atenção às suas avaliações. Segundo a revista
‘Fortune', actualmente o ‘rating' mais comum das empresas norte-americanas é de
BBB+, um nível acima de ‘junk'.
Arturo Bris,
actual director do World Competitiveness Center e professor do IMD na Suíça,
previu recentemente o início da próxima crise global para Abril de 2015,
avançando oito possíveis possíveis cenários. Num deles escreve: "As
empresas têm demasiada dívida e a nova norma é ter um ‘rating' BBB. (...) Se os
‘ratings' forem um indicador de falência, então vão existir falências de forma
transversal. Se as taxas de juro aumentarem 2%, metade do sector empresarial
vai desaparecer".
E nos mercados de
dívida soberana , a tendência é idêntica. Este mês, o Quénia emitiu 1,5 mil
milhões de dólares - um novo recorde para um Estado africano - com uma taxa de
juro de 6,875%.
Para o
responsável pela estratégia de investimentos da Pioneer: "Mais do que
nunca, é altura de ter o GPS ligado".
Sem comentários:
Enviar um comentário