terça-feira, 22 de julho de 2014

O PERIGO DE VOAR NA TAP, por Clara Ferreira Alves


SÁBADO, 19 DE JULHO DE 2014
O PERIGO DE VOAR NA TAP
PLUMA CAPRICHOSA

Por Clara Ferreira Alves / Jornal Expresso SEMANÁRIO

A TAP deixou de ser uma companhia segura. Não se trata de um palpite. Ou do episódio da explosão de um reator sobre Lisboa. Tenho a certeza que só o sangue-frio e perícia dos pilotos evitaram um desfecho mortal. Nos últimos meses, as avarias técnicas, aterragens de emergência, atrasos, vieram denunciar o que é claro: o governo falhou redondamente a gestão política da TAP.
Há anos que se fala na privatização da companhia, desejável se feita em condições de transparência e competência. A TAP é uma companhia descapitalizada, com intuitos monopolistas que não são servidos por uma frota decente ou capital para a comprar. É uma companhia cara. E é uma companhia que perdeu pilotos, pessoal de bordo e técnicos para companhias melhores e mais ricas, que oferecem menos incerteza e ameaças de cortes. A hemorragia afeta o serviço e a TAP enfrenta ainda problemas de manutenção técnica e de escassez de aviões. A última vez que voei na TAP o voo de ida atrasou cinco horas e o da volta atrasou cinco, seis, quase sete horas. Na ida, o avião vinha do Brasil, atrasado. Na volta, vinha de Angola, atrasado. Não há aviões suficientes, disse-me o pessoal de terra. A simpatia e competência do pessoal de bordo e dos pilotos que restam não compensam as falhas técnicas e políticas do dossiê TAP. No Expresso, li a semana passada que a TAP está à espera de aviões da Jazeera Airways, da TAM (obsoletos A340, neste momento em manutenção) e da Air India. A TAP está a tornar-se uma companhia de Terceiro Mundo, com destinos africanos incompreensíveis exceto por imposição política, como a Guiné Equatorial (membro da CPLP e salvadora do Banif) e o Mali (pensa-se que exista um enorme afluxo de passageiros portugueses para Bamako). Além de ser uma companhia africana, com aviões em segunda mão, a TAP nunca cuidou dos destinos asiáticos, estrategicamente mais interessantes, e o Presidente da República foi à China pela Emirates. Inaugurámos com pompa e circunstância o aeroporto de Macau, antes da entrega de 99, anunciando que Macau serviria as rotas da TAP para a China e o Oriente. Como se sabe, Hong-Kong construiu um aeroporto maior e melhor e a TAP deixou de voar para Macau, que se tornou um aeroporto secundário. O Brasil e Angola tornaram-se a missão da TAP, mas é uma missão mal cumprida. Os aviões são pequenos e poucos e os preços são ridículos. Para voar de um continente para outro, há muito que deixei de usar a TAP. Para a Europa, uso em último recurso.

Os cancelamentos e atrasos de voos têm atingido recordes nos últimos meses. O silêncio da administração sobre estes problemas é revelador. O dossiê TAP, tal como o dossiê RTP (outro problema bicudo e adiado) foram entregues a essa sumidade da estratégia pessoal e da negociata chamada Miguel Relvas. No caso da TAP, com a assessoria preciosa do advogado António Arnaut-Goldman-Sachs e do BES, duas fontes de credibilidade. A possível venda a esse homem de negócios “extraordinaire” chamado Efromovitch, senhor de trinta passaportes, e a inclusão de uma companhia aérea europeia na carteira de investimentos do dono de uma companhia de quarta ordem no Brasil, a pré-colombiana Avianca, só não foi avante, diz-se, porque o governo recuou na 25ª hora. Diz-se também que por ordem direta de Dilma Rousseff, que recusou dar o OK antes de analisar o negócio. Intermediário? O doutor Relvas. Efromovitch, que gastou milhares de euros em operações de marketing (incluindo a viagem de um grupo de jornalistas ao Brasil, para aferir a excelência do negócio para Portugal) ficou de mãos a abanar, embora continue a rondar a TAP como um abutre. A TAP, descapitalizada dia a dia, faz o que pode mas não tem a solução política que lhe permita livrar-se destes sarilhos. Entretanto, companhias sérias como a Emirates, a Lufthansa e outras, deixaram de mostrar interesse na TAP. O pessoal da TAP queixou-se da falta de transparência do processo de privatização. Houve greves desconvocadas. Muitos foram embora.

Um cavalheiro americano com quem falei num voo da TAP de Nova Iorque para Lisboa, especialista de aeronáutica e dono de empresas internacionais do sector, gabou o esforço de Fernando Pinto na penúria, e acrescentou que os pilotos portugueses são dos melhores do mundo mas que a companhia precisa urgentemente de injeção de capital. De ser reestruturada. Mesmo que o aeroporto que não chegámos a construir impeça a TAP de ter uma frota de superaviões para o Brasil e Angola, os A380 e os Boeing 787 Dreamliner, deve adquirir aviões novos que voem em condições e não deixem cair peças de reatores a arder sobre a cidade de Lisboa. Se um avião da TAP cair será uma catástrofe imputada a este governo, e será o fim da TAP, como a queda de um velho Boeing de Nova Iorque para Paris foi o fim da TWA. A decadência da TAP é um espelho dos erros de gestão dos governos de Portugal.


Jornal Expresso SEMANÁRIO #2177, 19 de Julho de 2014

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