SÁBADO, 19 DE
JULHO DE 2014
O PERIGO DE VOAR NA TAP
PLUMA CAPRICHOSA
Por Clara
Ferreira Alves / Jornal Expresso SEMANÁRIO
A TAP deixou de
ser uma companhia segura. Não se trata de um palpite. Ou do episódio da
explosão de um reator sobre Lisboa. Tenho a certeza que só o sangue-frio e
perícia dos pilotos evitaram um desfecho mortal. Nos últimos meses, as avarias
técnicas, aterragens de emergência, atrasos, vieram denunciar o que é claro: o
governo falhou redondamente a gestão política da TAP.
Há anos que se
fala na privatização da companhia, desejável se feita em condições de
transparência e competência. A TAP é uma companhia descapitalizada, com
intuitos monopolistas que não são servidos por uma frota decente ou capital
para a comprar. É uma companhia cara. E é uma companhia que perdeu pilotos,
pessoal de bordo e técnicos para companhias melhores e mais ricas, que oferecem
menos incerteza e ameaças de cortes. A hemorragia afeta o serviço e a TAP
enfrenta ainda problemas de manutenção técnica e de escassez de aviões. A
última vez que voei na TAP o voo de ida atrasou cinco horas e o da volta
atrasou cinco, seis, quase sete horas. Na ida, o avião vinha do Brasil,
atrasado. Na volta, vinha de Angola, atrasado. Não há aviões suficientes,
disse-me o pessoal de terra. A simpatia e competência do pessoal de bordo e dos
pilotos que restam não compensam as falhas técnicas e políticas do dossiê TAP. No
Expresso, li a semana passada que a TAP está à espera de aviões da Jazeera
Airways, da TAM (obsoletos A340, neste momento em manutenção) e da Air India. A
TAP está a tornar-se uma companhia de Terceiro Mundo, com destinos africanos
incompreensíveis exceto por imposição política, como a Guiné Equatorial (membro
da CPLP e salvadora do Banif) e o Mali (pensa-se que exista um enorme afluxo de
passageiros portugueses para Bamako). Além de ser uma companhia africana, com
aviões em segunda mão, a TAP nunca cuidou dos destinos asiáticos,
estrategicamente mais interessantes, e o Presidente da República foi à China
pela Emirates. Inaugurámos com pompa e circunstância o aeroporto de Macau,
antes da entrega de 99, anunciando que Macau serviria as rotas da TAP para a
China e o Oriente. Como se sabe, Hong-Kong construiu um aeroporto maior e melhor
e a TAP deixou de voar para Macau, que se tornou um aeroporto secundário. O
Brasil e Angola tornaram-se a missão da TAP, mas é uma missão mal cumprida. Os
aviões são pequenos e poucos e os preços são ridículos. Para voar de um
continente para outro, há muito que deixei de usar a TAP. Para a Europa,
uso em último recurso.
Os cancelamentos
e atrasos de voos têm atingido recordes nos últimos meses. O silêncio da
administração sobre estes problemas é revelador. O dossiê TAP, tal como o
dossiê RTP (outro problema bicudo e adiado) foram entregues a essa sumidade da
estratégia pessoal e da negociata chamada Miguel Relvas. No caso da TAP, com a
assessoria preciosa do advogado António Arnaut-Goldman-Sachs e do BES, duas
fontes de credibilidade. A possível venda a esse homem de negócios
“extraordinaire” chamado Efromovitch, senhor de trinta passaportes, e a
inclusão de uma companhia aérea europeia na carteira de investimentos do dono
de uma companhia de quarta ordem no Brasil, a pré-colombiana Avianca, só não foi
avante, diz-se, porque o governo recuou na 25ª hora. Diz-se também que por
ordem direta de Dilma Rousseff, que recusou dar o OK antes de analisar o
negócio. Intermediário? O doutor Relvas. Efromovitch, que gastou milhares de
euros em operações de marketing (incluindo a viagem de um grupo de jornalistas
ao Brasil, para aferir a excelência do negócio para Portugal) ficou de mãos a
abanar, embora continue a rondar a TAP como um abutre. A TAP, descapitalizada
dia a dia, faz o que pode mas não tem a solução política que lhe permita
livrar-se destes sarilhos. Entretanto, companhias sérias como a Emirates, a
Lufthansa e outras, deixaram de mostrar interesse na TAP. O pessoal da TAP
queixou-se da falta de transparência do processo de privatização. Houve greves
desconvocadas. Muitos foram embora.
Um cavalheiro
americano com quem falei num voo da TAP de Nova Iorque para Lisboa,
especialista de aeronáutica e dono de empresas internacionais do sector, gabou
o esforço de Fernando Pinto na penúria, e acrescentou que os pilotos
portugueses são dos melhores do mundo mas que a companhia precisa urgentemente
de injeção de capital. De ser reestruturada. Mesmo que o aeroporto que não
chegámos a construir impeça a TAP de ter uma frota de superaviões para o Brasil
e Angola, os A380 e os Boeing 787 Dreamliner, deve adquirir aviões novos que
voem em condições e não deixem cair peças de reatores a arder sobre a cidade de
Lisboa. Se um avião da TAP cair será uma catástrofe imputada a este governo, e
será o fim da TAP, como a queda de um velho Boeing de Nova Iorque para Paris
foi o fim da TWA. A decadência da TAP é um espelho dos erros de gestão dos
governos de Portugal.
Jornal Expresso
SEMANÁRIO #2177, 19 de Julho de 2014
Sem comentários:
Enviar um comentário