quarta-feira, 30 de julho de 2014

Os homens do Expresso e Ricardo Salgado, o BES, o Grupo Espírito Santo: Nicolau Santos, Pedro Santos Guerreiro, João Vieira Pereira. E Miguel Sousa Tavares. E João Duque. E outros de outra comunicação social como Marcelo Rebelo de Sousa. E o Correio da Manhã (mas isso não sei se é bem jornalismo). E os Partidos. E não só. / Um Jeito Manso / Blog.

O VOODOCORVO publica hoje na íntegra um "post"do blog UM JEITO MANSO
O relacionamento e dependência dos Media com os Grupos Económicos merecem reflexão

Um jeito manso / Blog
'Há palavras que nos beijam como se tivessem boca' [... outras nem por isso]
segunda-feira, Julho 28, 2014

Os homens do Expresso e Ricardo Salgado, o BES, o Grupo Espírito Santo: Nicolau Santos, Pedro Santos Guerreiro, João Vieira Pereira. E Miguel Sousa Tavares. E João Duque. E outros de outra comunicação social como Marcelo Rebelo de Sousa. E o Correio da Manhã (mas isso não sei se é bem jornalismo). E os Partidos. E não só.


Volto a um assunto de que já tantas vezes aqui falei: a decadência de um poderoso Grupo económico português que se tem vindo a precipitar a velocidade acelerada, mostrando como entre a glória e a ruína vai um curto passo. Uma família Espírito Santo, até há pouco tão rica, rica demais para poder tombar, é hoje, certamente, um grupo de pessoas em aflição, consumida pela desconfiança e pelo ódio.

 E volto ao assunto porque a imprensa, antes tão servil, é agora um cão esfaimado pronto a saltar ao pescoço daqueles a quem, antes, tanto venerava. E, ao lançar confusão e areia, a imprensa tablóide corre o risco de desviar a atenção daquilo que importa.

Por isso, vou começar no Correio da Manhã mas não por muito tempo pois penso que presta um mau serviço ao país e vou antes centrar-me no Expresso, no qual há, apesar de tudo, alguns jornalistas de qualidade. E digo alguns porque outros, jornalistas ou colaboradores, uns por uma razão, outros por outra, nem tanto (e agora estou a cingir-me, em particular, ao mediático caso Espírito Santo).


O Correio da Manhã, que parece estar umbilicalmente ligado ao Ministério Público, revela que o BES emprestou alguns milhões aos Partidos, com o CDS à frente (5.5 milhões?).

Não sei como é feita a gestão económica e financeira dos partidos. Presumo que tenham como fonte de receitas o que os militantes pagam, que não deve ser muito, e algum apoio vindo do Orçamento de Estado. Como despesas, devem ter rendas e outras despesas de funcionamento da sede, incluindo pagamento de ordenados a funcionários, publicações e publicidade, etc. Não sendo empresas com fins lucrativos, diria eu que deveriam ser capazes de viver com o que têm já que não poderão fazer, como as empresas, diversificação de actividades, 'penetração' em novos mercados. Por isso, causa alguma estranheza que precisem de se financiar em milhões. Por exemplo, o CDS, um partido tão pequeno, precisa daqueles milhões para quê? Não sei. Mas, enfim, parece ser mais um caso de gestão do que outra coisa. Uma organização ou uma pessoa pedir empréstimos à banca não tem nada de mal, sobretudo se os conseguir pagar. Por isso, a capa do Correio da Manhã a mim não me diz nada: parece-me, isso sim, puro populismo jornalístico.

A questão é mais outra: quase toda a gente que exerce uma actividade em Portugal parece que não sabe gerir sem ser com recurso a capitais alheios. Ou seja, tal como digo aqui desde sempre e como fica cada vez mais claro, não foram as pessoas individualmente que viveram acima das suas possibilidades mas sim alguns, poucos, os muito privilegiados de sempre, e as organizações, especialmente as de gestão privada (provavelmente, partidos incluídos).
Portugal vive em cima de dívida e isso, sim, é um grande problema. Há tempos li na entrevista que Anabela Mota Ribeira fez a António Nogueira Leite uma coisa com a qual estou absolutamente de acordo. Referia-se ele ao contacto que tinha tido com o patrono do Grupo Mello:
O Sr. José Manuel de Mello via sempre à frente de todos os outros. Há uma série de coisas que estão a acontecer que, ditas na linguagem encriptada que ele usava, e que quem trabalhava com ele percebia, anunciou. Refere, candidamente mas de uma forma frontal, que em Portugal as pessoas não gerem activos, gerem dívida – que até aí ninguém tinha dito.

É verdade. E, quando se vive em cima de dívida, vive-se no arame - dependente de tudo, vulnerável, as fracas economias que a actividade vá gerando a serem devoradas pelo serviço da dívida. E vive-se sob o jugo de quem tem o poder para ir dispensando mais uma pinguinha, mais um pózinho.

Porque se chegou a este ponto? Ter-se-ia que recuar muito na História de Portugal para encontrar as causas e nem seria eu a pessoa mais habilitada para falar nisso.

Um Estado em geral ocupado por fracas elites, por gente que se deixa manipular, incapaz de regular o que quer que seja, o poder na mão de uns quantos, poucos, e muita corrupção, grande e pequena mas disseminada, dinheiro circulando por muitos corredores - esta tem sido, de facto, mais coisa menos coisa e salvo em alguns curtos períodos de excepção, a história da vida deste pobre país.

As empresas francesas, quando orçamentavam grandes projectos para venderem em Portugal, incluíam sempre uma rubrica designada por frais latin. Luvas. Soa humilhante para nós mas era (e até há pouco tempo era assim; agora não sei) indispensável para que se conseguissem ganhar grandes concursos.
Não havia grande negócio que se fizesse que não tivesse que contemplar dinheiros para este, para aquele e para aqueloutro. Por vezes, as benesses percorriam a hierarquia de cima a baixo, tudo agilizado (oleado) de forma generosa. Repito: escrevo no passado porque desconheço o que se passa nos dias de hoje.

E, portanto, uns porque pagaram, outros porque receberam, outros porque trabalham em empresas que são fornecedoras e que não querem perder negócio, outros porque são colaboradores e devem fidelidade à empresa, outros porque são amigos ou familiares, ou por mil outras razões - não puderam falar e, mesmo hoje que tudo se escancara em escândalo e revolta, há pessoas de quem se esperaria que denunciassem ou criticassem factos e o não fazem.




Numa altura em que o assunto que grita no País é o escândalo e o drama da queda do império Espírito Santo, Miguel Sousa Tavares sempre tão atento à actualidade, não toca no assunto GES/BES. Compreende-se: a sua filha é casada com um Espírito Santo. Eu também teria dificuldade em arrasar publicamente um compadre meu.




Marcelo Rebelo de Sousa já o disse publicamente várias vezes: é amigo pessoal de Ricardo Salgado, já passaram muitas férias juntos, e é sabido que a sua namorada de longa data, Rita Amaral Cabral, é administradora do Grupo. Como poderia ele falar abertamente? Como poderia ele lançar alertas públicos? Fala apenas em geral, em termos globais e fala agora. Ouvi-o há pouco dizendo que já em 98 afrontou Ricardo Salgado mas não tenho ideia. Desconheço se teceu críticas privadas ou quase privadas mas em privado tudo é possível porque, supostamente, as paredes não têm ouvidos. Sobretudo, é inconsequente. O que importava, perante as dramáticas consequências para tanta gente, era que, atempadamente, se tivesse tentado impedir que tanto mal acontecesse.

[Nota: Falar agora é fácil e meio mundo o faz como se já soubesse deste brutal escândalo há mil anos. Mas a coisa é ainda mais desagradável quando o falatório assume contornos de conversa de vizinha. É o que achei da recente conversa de Paes do Amaral. Paes do Amaral foi casado com uma irmã de Rita Amaral Cabral e, portanto, quase cunhado de Marcelo Rebelo de Sousa. A forma deselegante como, na entrevista que concedeu ao jornal Dinheiro Vivo a propósito da privatização da TAP, envolveu Marcelo Rebelo de Sousa na teia de Ricardo Salgado soou-me a vingança, a mau feitio, a coisa feia, a coisa muito pouco nobre - mas, enfim, por estes dias a nobreza parece andar pelas ruas da amargura]




Continuo. Falo agora não de jornalistas ou comentadores mas, sim, de gestores tidos por excelentes, verdadeiros opinion makers junto de quem se interessa pela boa governance de sociedades. Henrique Granadeiro ou Zeinal Bava eram presença frequente em seminários ou debates, casos exemplares. Contudo, estão nas administrações de empresas que têm como accionista os Espírito Santo - como podem falar, se estão onde estão pela confiança que merecem junto do ex-dono disto tudo? Não podem. Aliás, de forma incompreensível, atiraram para a lama a sua própria reputação, a reputação da PT e estoiraram com as economias dos que acreditavam neles. Um caso difícil de entender e que ainda irá dar que falar.


São exemplos, simples exemplos, porque as ligações são poderosas e inúmeras.





Nicolau Santos recordou na sua crónica do suplemento de Economia do Expresso de sábado: em tempos falou das suspeitas e indícios envolvendo Ricardo Salgado e, por causa dessa ousadia, o Expresso sofreu uma quebra de receitas publicitárias no valor de 3 milhões. O BES é um grande anunciante, uma fonte de receitas relevante para toda a gente que precisa das receitas publicitárias. Não é fácil a uma empresa como aquela que gere o Expresso encaixar uma perda de receitas de 3 milhões. Por isso, antes que alguém falasse, que pensasse bem. Assim funcionam estas coisas.


Por isso, foram poucos os que, em momentos difíceis, tiveram a coragem de romper o cerco. Nicolau Santos, como já antes o disse, tem sido exemplar na forma como rompe os cercos do medo. Esta semana não apenas recorda os que valorosamente têm posto o dever de informar acima de medos ou interesses, como tem a coragem de enunciar as actuações tíbias de Carlos Costa que tem sido tão elogiado por meio mundo e cuja actuação, na prática, tem sido tardia, pouco eficaz, e, sejamos claros, pouco credível.

Nicolau Santos fala também em Pedro Santos Guerreiro, um jornalista de primeiríssima água. Claro na expressão, directo, honesto, pela sua mão têm sido escritos dos mais claros artigos sobre a ruína da família Espírito Santo.


Esta semana, Pedro Santos Guerreiro, faz uma antevisão do que vai acontecer às empresas do Grupo (falências, depreciações, venda, prejuízos para os fornecedores e demais credores, muito desemprego), ao BES (perda de valor, perda de dimensão, provável aquisição por parte de outro banco, anulação da marca BES) e para a família (perda de tudo, ser processada, desagregar-se). Ler Pedro santos Guerreiro é ler a realidade sem photoshop.

Nicolau Santos fala ainda de João Vieira Pereira que acompanhou algumas investigações.




Confesso que, em geral, não me revejo na escrita e nas opiniões de João Vieira Pereira. Parece-me frequentemente errático nas suas apreciações, injustificavelmente crédulo (o que parece acontecer sempre que as promessas vêm do lado da actual coligação), só reagindo perante evidências, aparentando pouca consistência nos seus juízos de valor. Mas, de vez em quando, tem assomos de clarividência e escreve de forma directa, sem brandura. É o caso do que escreve esta semana no seu Bloco de Notas. Não sei exactamente a que se refere quando fala de links mas presumo que ele saiba e, por isso, transcrevo:

O Grupo Espírito Santo era claramente extractivo. Extraía para alguns. Para os seus. Família ou amigos. Não havia bem comum. Havia o bem de um.

Sobre ele girava um império. Os links estão todos feitos. A Durão Barroso, a Paulo Portas, a José Sócrates, à EDP, à PT, e até ao Benfica. Os casos sucederam-se durante anos. Sempre com o memsmo denominador. No palco ou nos bastidores.

Mas a culpa é tanto dele como de quem lá o deixou ficar. Durante anos houve um pacto que ninguém ousou quebrar, ninguém.Por mais que agora venham dizer que sempre avisaram, é mentira! Ninguém teve coragem para o fazer. Ninguém com o poder de acabar com a vergonha.

A vergonha de haver um poder económico que não trouxe prosperidade. E que ajuda a explicar por que razão continuamos na cauda da Europa. O valor criado era apropriado por alguns, os eleitos. E foram muitos os que ganharam no jogo.


Não posso estar mais de acordo. Só lamento que, com a presciência que agora revela, João Vieira Pereira não tenha tido a mesma lucidez nas vezes em que o vi defender, com unhas e dentes, as medidas estúpidas com que Passos Coelho tem vindo a destruir a economia, a aumentar a dívida e a atacar trabalhadores, como se tivessem sido estes últimos os responsáveis pelo estado do País. Mas, enfim, se finalmente, caíram os véus que, por vezes, pareciam toldar-lhe a vista, só posso ficar contente. O país precisa de um jornalismo isento e lúcido.




Exemplo de um cata-vento que diz o que calha consoante sopram os ventos é, em minha opinião, João Duque, justamente o da 'confusion de confusiones'. Chega a ser patético. Esta semana escreve uma crónica, naquele seu estilo que tenta ser humorístico, mostrando que, com a estrutura accionista e a estrutura organizativa (e fiscal), as empresas do Grupo Espírito Santo formam uma teia impossível de rastrear. Pois. Têm razão Nicolau Santos e João Vieira Pereira quando dizem que agora é fácil pisar quem já está no chão. Pois não foi João Duque que, à frente do ISEG, concedeu mais uma distinção a Ricardo Salgado? Em 2013, Ricardo Salgado  não foi prestigiado com o doutoramento "honoris causa" por serviços prestados à economia, cultura, ciência e à universidade?

Transcrevo uma parte de uma notícia de Julho de 2013, assinada por Maria Teixeira Alves,sobre o discurso de agradecimento de Ricardo Salgado ao ser agraciado :
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"Hoje em dia não se pode falar de emprego e crescimento sem ter conta uma visão estratégica sobre o que se passa no mundo", disse [Ricardo Salgado] defendendo a internacionalização. Elogiou o papel do BESI na internacionalização do banco.
"Agrada-nos muito ter contribuído para o aumento das exportações portuguesas", disse.
Ricardo Salgado reforçou o papel do Estado no equilíbrio das finanças públicas para poder reduzir a austeridade ao mínimo e promover o crescimento económico". O banqueiro realçou ainda a importância da União Bancária.
Finalmente elogiou o papel do ISEG, presidido por João Duque, no conhecimento.

Por isso, quanto a João Duque, estamos entendidos.



Mas volto ao muito esclarecedor artigo de Nicolau Santos e, para abreviar razões, limito-me a transcrever:

O BES foi seguramente, nos últimos anos, o banco que mais investiu em publicidade na comunicação social. Essa estratégia nunca foi inocente. Na sua mão tinha sempre a espada de Dâmocles, que levava o director de cada rádio, jornal ou televisão a pensar duas vezes antes de publicar algo desagradável para o banco verde.

A esta actuação aliava uma outra: o convite a jornalistas para irem a conferências de uma semana em estâncias de férias de neve na Suiça ou em França, onde de manhã se ministravam cursos de esqui na neve e à tarde se ouviam especialistas na área económica e financeira. E no verão repetia-se a dose: uma semana num barco algures no Mediterrâneo, acompanhando a Regata do Rei, até que num dos dias se subia a bordo do veleiro (ou será iate?) onde estava Ricardo Salgado para uma conversa descontraída sobre o banco.


Poderia eu acrescentar: Meu Caro Nicolau Santos, acha que esta prática era exclusivamente dedicada a jornalistas ou a estâncias de neve ou náuticas? Quantos directores ou administradores de empresas foram assistir a jogos de futebol aqui, ali e acolá, com viagem de avião, deslocações, almoços e jantares tudo incluído por convite do BES? Poderia juntar alguns exemplos para além do futebol como, por exemplo, torneios de golfe aqui e além mar, ou outros, mais mas isto está longo para além da conta e eu sei que a vossa paciência tem limites.


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Seria bom que se pudesse fazer uma limpeza nos bastidores da política, da economia e das finanças de Portugal, especialmente acabando de vez com a teia que perigosamente, ao longo de muitos anos, se foi entretecendo entre os seus vários agentes. Mas seria bom que isso não implicasse o sacrifício de muitos inocentes. E é disso que tenho receio, é isso que me preocupa. Mas tudo se há-de resolver e, com sorte, os efeitos colaterais não serão dramáticos e a justiça correrá célere para punir os culpados de tanto atraso de vida.


E até lá, até que a justiça faça o que tem a fazer, que haja decência e respeito (inclusivamente por parte da Justiça e dos seus agentes).

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