Não haverá mais bebés.
Habituem-se
Por Ana Sá Lopes
publicado em 16
Jul 2014 – in (jornal) i online
A cultura em
vigor é a maior ameaça à natalidade. A crise financeira agravou tudo
Não foi porque as
mulheres começaram a trabalhar que se deu o rombo da natalidade: afinal, as
mulheres das classes trabalhadoras sempre tiveram muitos filhos, no tempo
anterior à massificação dos métodos anticoncepcionais. Foi a pílula - e muito
menos a entrada das mulheres das classes média e alta no mercado de trabalho -
a responsável pela queda a pique das famílias numerosas. Muitas dessas famílias
numerosas, importa dizer, viviam a pão e água.
À pílula
seguiu-se uma dessacralização e uma sacralização, que nos últimos 40 anos
funcionaram em paralelo e se foram agravando: as pessoas dessacralizaram a
ideia de "casar e ter filhos", mantendo-se na indecisão sobre se era
exactamente isso que queriam e no momento em que decidiram - o que foi acontecendo
cada vez mais tarde - foram engolidas por uma cultura de
"sacralização". A gravidez era, dantes, uma coisa despreocupada.
Hoje, os progressos científicos transformaram-na radicalmente: as mulheres
grávidas têm mesmo de mudar de vida e hábitos porque os riscos que lhes são
hoje apresentados (desconhecidos anteriormente) são medonhos. A gravidez
sacralizada é só o princípio - o complicómetro dispara no nascimento do bebé. A
cultura em vigor é a maior ameaça à natalidade: as mulheres deixaram de
reconhecer o relógio biológico e convenceram-se (também aqui graças ao
progresso científico) de que é possível e absolutamente natural ter o primeiro
filho depois dos 40 anos. E vão adiando o "momento certo", mesmo que
existam condições sentimentais e financeiras. Muitas vezes o momento certo não
chega, porque a fertilidade entra em decadência depois dos 35. Junta-se a isto
o rol de pressões para que os pais sejam absolutamente perfeitos - e tenham
dificuldade em multiplicar a perfeição por dois ou três. À antiga expressão
"tudo se cria"
(e muitas vezes
criava-se muito mal) sucedeu o oposto: é "tudo" mesmo muito difícil
de criar. Esta situação, que mistura o direito à opção com um caldo cultural
que transformou o acto normal de ter filhos numa paranóia, é a principal responsável
pela queda da natalidade.
Dito isto, a
crise financeira veio agravar a situação, que já não era famosa, e juntou-lhe
muito desemprego e uma crise de confiança no futuro. As medidas de apoio à
natalidade não resolvem a situação mas, de qualquer modo, como mais ou menos
explicou Passos Coelho, não haverá dinheiro - "é preciso fazer
contas". Com esta cultura e esta política, não haverá mais bebés.
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