A Espanha: sistema político em
risco de implosão
Sondagens indicam que o Podemos ultrapassa o PSOE e estará perto do PP
Análise Jorge
Almeida Fernandes / 2-11-2014 / PÚBLICO
DANI POZO/AFP
Realiza-se o que
era inacreditável há seis meses: emerge como força alternativa o Podemos, de
Pablo Iglesias (na foto), o partido “antisistema” que foi a surpresa das
eleições europeias e que se propõe fazer implodir as instituições herdadas da
Transição de 1978.
Há pânico nas
sedes do Partido Popular (PP) e do PSOE. Amanhã, o Centro de Investigaciones
Sociológicas (CIS) divulga a sua mega-sondagem sobre as intenções de voto em
Espanha. “Fontes bem informadas” do PP anunciam um “terramoto”. O Podemos seria
já a segunda força política espanhola e a primeira na intenção directa de voto.
Estaria a curta distância do PP e claramente à frente do PSOE. As sondagens
divulgadas há uma semana apontavam já essa tendência. A ascensão do Podemos é
um fenómeno nacional, de Madrid a Barcelona.
Também na
Catalunha o sistema partidário está em mutação. A Esquerda Republicana da Catalunha
(ERC) está em ascensão, arrancando a hegemonia à Convergência e União (CyU) de
Artur Mas, enquanto o PP e os socialistas sofrem uma queda vertical e o Podemos
se implanta. A nota mais saliente é que a condução do processo independentista
está cada vez menos nas mãos da Generalitat (governo regional) e cada vez mais
nas das associações radicais da “sociedade civil”, como a Assembleia Nacional
Catalã ou a Òmnium Cultural. Para analisar a Catalunha, é aconselhável esperar
pelo dia 10 de Novembro.
2. As sondagens
são apenas um sintoma que pode antecipar a ruína do “sistema”, na sequência da
multiplicação de escândalos de corrupção que mancham partidos e sindicatos,
municípios e regiões, da Catalunha à Andaluzia. Desta vez, atingiram em cheio o
PP.
Outubro foi um
mês fatídico. Primeiro foi o caso dos cartões de crédito “negros” da Caja
Madrid, salva da falência pelo Estado, em que mais de 80 pessoas são acusadas
de usar os cartões para gastos sumptuários e cujo nome mais sonante é Rodrigo
Rato, antigo vice-presidente nos Governos de Aznar e, depois, director do FMI. Já
foi expulso do PP. Está em liberdade com uma fiança milionária. Seguiuse Ángel
Acebes, antigo ministro e ex-secretário-geral do PP, que teria utilizado a
“caixa negra” do partido para comprar acções de um grupo de comunicação
“amigo”.
Esta semana, os
juízes lançaram a Operação Púnica, com a detenção de 51 pessoas acusadas de
fazerem parte de uma rede de corrupção a nível municipal e regional, cobrando
comissões em troca da adjudicação de obras públicas e serviços. Operava
sobretudo em Madrid, Múrcia, Leão e Valência. Francisco Granados,
ex-secretário-geral do PP em Madrid, entrou na cadeia na sexta-feira. Era o
braço direito de Esperanza Aguirre, ex-presidente da Comunidade de Madrid e
poderosa “baronesa” do PP. Outra vítima é José Manuel Molina, ex-presidente do
município de Toledo, próximo de María Dolores Cospedal, presidente da Junta da
Comunidade de Castela-La Mancha e secretária-geral do PP.
Quem se segue?
Que vão fazer os juízes? Que vão fazer os políticos que se sentem abandonados
pelo seu partido e os empresários coniventes? Na segunda-feira, Mariano Rajoy
declarou no Senado: “Peço desculpas em nome
3. Os partidos,
como o PSOE, que atribuem à emergência do Podemos a raiz dos seus males, ainda
nada perceberam, escreve o politólogo Blanco Valdés, na Voz de Galicia. “O
Podemos éa consequência do fastio perante o estado dos partidos e aquilo que
milhões de espanhóis já não suportam: a corrupção.” Conclui: “O Podemos está
aqui para nos lembrar, dia após dia, o grave risco que hoje corre este país: de
que, aos ombros da corrupção, os [seguidores] de Iglesias possam do Partido
Popular a todos os espanhóis. Compreendo a indignação dos cidadãos.” chegar ao
Governo nacional.”
Enric Juliana,
director adjunto do La Vanguardia, sublinha outra dimensão. “A Tangentópolis
espanhola avança a uma velocidade que recorda o imparável processo italiano do
início dos anos 90 contra a corrupção política. Cada dia, mais um escândalo no
telejornal. Hoje afecta um partido; amanhã afectará o do lado. A sequência
acelera-se, os casos sobrepõem-se e o que fica é uma terrível sensação de
desalento e uma colossal crise de confiança no sistema político.” Diagnostica a
“falência moral” das instituições.
A grande maioria
dos novos simpatizantes de Iglesias não é motivada por afinidade ideológica ou
por acreditar na sua capacidade de governar. Ele apaga a contraposição
esquerda-direita, para explorar a fractura entre “elite e cidadãos”, acrescenta
Barreiro. “Ganha porque sabe fazer um diagnóstico que coincide com o dos
cidadãos, não porque tenha soluções.”
Explora uma série
de dicotomias, escreve o historiador Santos Julià. “Pessoas contra a casta,
nova política contra velha política, senso comum contra ideologia, fóruns de
decisão contra a lógica dos partidos, país real contra país das elites,
democracia contra oligarquia, maioria social contra minoria de privilegiados.”
Antes das
eleições europeias, o seu ideário assentava no anti-europeísmo e num
antiimperialismo primário, de inspiração “bolivarista”. Prometia não pagar a
dívida. Hoje, propõe “um processo de reestruturação ordenada da dívida”. Não
tem programa económico. A par do discurso da democracia directa — uma espécie
de “videocracia” — Iglesias impôs ao partido uma estrutura em que o
secretário-geral concentra todos os poderes.
5. O PP contava
tirar partido da ascensão do Podemos na medida em que este anulava o PSOE. Hoje
sente que Iglesias também o ameaça. O cálculo de Rajoy era chegar às eleições
do fim de 2015 com resultados económicos que pudesse explorar. Arrisca-se a ser
apanhado numa armadilha e assistir à “decapitação” do PP pelos juízes. Escândalos
e frustração social podem ser uma mistura explosiva. No PP, muitos o acusam de
imobilismo e exigem medidas drásticas contra a corrupção.
Dizia Harold
Wilson que, em política, o longo prazo é uma semana. Para Rajoy, um ano é a
eternidade. Espera que a tempestade passe. É o risco
que escolheu.
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