OPINIÃO
REN e Galp: juntas na vergonha
JOÃO MIGUEL
TAVARES 20/11/2014 - 03:24
A falta de responsabilidade social que a Galp e a REN estão a revelar neste
momento é um escândalo, e deve obviamente ter consequências.
Deus sabe como
ando precisado de um “reputado jurisconsulto”. O meu IRS de 2008 a 2010 anda há muito
aos trambolhões por causa de questões relacionadas com direitos de autor. As
Finanças entendem que eu usufruí erradamente de benefícios fiscais, eu entendo
que as Finanças estão a querer usufruir erradamente do meu dinheiro – e nisto
andamos há vários anos. Já fiquei sem devoluções de IRS, tive de oferecer
património para penhora enquanto o caso não se resolve em tribunal, e tudo isto
porque nas questões tributárias o ónus da prova é invertido sem que ninguém se
incomode com isso: primeiro pagas, depois protestas, e és tu que tens de
demonstrar que tens razão.
Comigo e com
milhões de contribuintes é assim. Mas se eu tivesse oportunidade de pagar um
parecer de dezenas de milhares de euros a um “reputado jurisconsulto”,
certamente tudo mudaria. Foi o que fez a Galp: “Após cuidada análise suportada
em pareceres jurídicos de reputados jurisconsultos”, a empresa “decidiu não
proceder à autoliquidação da contribuição extraordinária sobre o sector
energético, em virtude da ilicitude deste tributo”. Da mesma forma, a REN
“continua a avaliar a legalidade daquela contribuição”. E, enquanto isso, agem
como jovens cançonetistas de tunas académicas, aos gritos de “não pagamos, não
pagamos!”. Com a diferença que os jovens académicos acabam por pagar. E eles
não pagam mesmo.
Da próxima vez
que eu vir passar uma estrela cadente nos céus de Portugal, vou formular o
seguinte desejo: um parecer jurídico suportado por reputados jurisconsultos
para cada português, que lhes permita não pagar aquilo que o Estado lhes exige
com tanto afinco. Eu não tenho dúvidas de que a Galp e a REN estejam a ser
espoliadas com a malfadada contribuição extraordinária que as obriga a pagar
uns horríveis 0,85% sobre o valor dos seus activos regulados. Só não percebo é
porque é que elas estão a ser espoliadas e nós, pobres contribuintes, não
estamos a ser espoliados com uma sobretaxa de 3,5% de IRS sobre a nossa
actividade, que, aliás, está cada vez mais desregulada.
É por isso que
espero que não seja verdade a manchete de ontem do Diário Económico, que sugere
que enquanto a questão estiver em tribunal o processo de execução fiscal – já
prometido, e bem, pelo secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, Paulo Núncio,
e pelo ministro Moreira da Silva – ficará suspenso. Não é essa a minha
experiência pessoal – o processo continua a correr e só fica suspenso se a
autoridade tributária estiver para aí virada. No Portugal de 2014, até Deus está
a perder em omnipotência para o Fisco, e não há qualquer razão para Ele (o
Fisco) ser magnânimo para com duas empresas privilegiadas e de rentabilidade
garantida. A falta de responsabilidade social que a Galp e a REN estão a
revelar neste momento é um escândalo, e deve obviamente ter consequências.
Eu, quanto à REN,
posso fazer pouco: quando ligo um interruptor, a electricidade insiste em vir
pelos postes eléctricos dos senhores monopolistas que estão a fugir aos
impostos – perdão, que estão “a avaliar a legalidade” da sua “contribuição”. Mas
quanto à Galp, e já que não tenho gás em casa, estou decidido ao menos a evitar
as suas bombas nos próximos tempos. Os “reputados jurisconsultos” que encham lá
o depósito, da mesma forma que a Galp lhes encheu os bolsos. Eu evitarei. Com o
que me sobra de IRS, prefiro investir no combustível de empresas um pouco menos
jurisconsultadas mas um pouco mais decentes.
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