OPINIÃO
Subvenção vitalícia
VASCO PULIDO
VALENTE 22/11/2014 - PÚBLICO
Normalmente o dia começava com o almoço, num restaurante qualquer, de
preferência perto, porque nessa altura os da Assembleia da República (um para
gente pobre, outro para gente rica) eram os dois tão maus, que só a esquerda e
os pais de família os suportavam.
De manhã nunca
havia nada que fazer - nem de resto à tarde ou à noite. Os senhores deputados
estavam nas comissões, onde também não se discutia ou decidia coisa nenhuma.
Mas normalmente o dia começava com o almoço, num restaurante qualquer, de
preferência perto, porque nessa altura os da Assembleia da República (um para
gente pobre, outro para gente rica) eram os dois tão maus, que só a esquerda e
os pais de família os suportavam.
Quando se
voltava, era costume, para quem sabia ler, passar por um quiosque ao lado da
porta do chamado hemiciclo e comprar um grosso molho de jornais para passar o
tempo. Lá dentro, havia sempre um fila de advogados nervosos que queriam
assinar depressa o “livro de presenças”, que garantia à Pátria a sua
assiduidade, para depois de escapulirem para o seu autêntico trabalho.
Durante a sessão
falavam algumas criaturas, por ordem da direcção do grupo parlamentar. Ninguém
percebia do que se tratava, porque ninguém estava informado nem da política do
partido, nem dos propósitos dos notáveis que nos pastoreavam. As tropas, quando
acabavam os jornais, iam passear para o corredor ou visitar amigos das bancadas
da oposição, o que envolvia invariavelmente grandes festejos. Entretanto,
chegavam as cinco horas e no nosso lugar já se tinham acumulado alguns papéis
sem justificação do seu fim ou indicação da sua origem. Um funcionário do
partido vinha dizer aos representantes do povo como deviam votar ou não votar.
A páginas tantas, veio mesmo um com um novo processo. Trazia uns papelinhos de
cor que agrafava aos documentos que deviam fazer a felicidade da Pátria:
encarnado significava não, verde sim e amarelo esperar. Assim se poupavam
explicações ao rebanho.
Na secretaria, os
senhores deputados cumpriam zelosamente as formalidade de um funcionário
público, que no fundo eram. Só na justificação das faltas se lhes reconhecia um
privilégio: podiam indicar sem pormenores que a sua ausência, longa que fosse,
se devia a “trabalho político”. Muitos defensores da Pátria usavam alegremente
esta desculpa. Excepto às sextas-feiras (ou às quintas, não me lembro bem),
quando se despachava a votação da semana a toque de caixa, para libertar os
deputados da província que suspiravam de amor pela sua família. Um esforço
destes, devemos reconhecer, merece a gratidão do país. Admito que não aguentei
aquele deprimente sítio, mais de três meses. Mas quem ficou merece com certeza
uma enorme medalha e uma subvenção vitalícia.
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