“A maioria dos políticos são
decentes, a Espanha não está corrompida”
Chefe do Governo admitiu que houve no seu partido “problemas sérios” e
membros “corruptos”, abusos de “pessoas que foram merecedoras” da sua
confiança. Mas disse que pediu desculpa e apelou a consensos
João Manuel Rocha
/ 28-11-2014 / PÚBLICO
Mariano Rajoy
teve palavras de determinação quando ontem apresentou no Parlamento espanhol
projectos legislativos anticorrupção. Mas a missão do chefe do Governo estava
longe de ser fácil. Desde logo porque a discussão ocorreu um dia depois da
demissão da sua ministra da Saúde, Ana Mato, indiciada num escândalo, mas
também porque medidas semelhantes, anunciadas há quase dois anos, têm sido
bloqueadas pelo Partido Popular (PP), de que é líder.
Só na resposta à
oposição, o chefe do Governo, que se escusou a entrar na discussão de nomes de
presumíveis envolvidos em corrupção, acabou por se referir a Ana Mato, para a
desculpar. Disse que o auto do juiz não deixa “margem para qualquer dúvida” e
que a agora ex-ministra não está indiciada de qualquer crime e “ignorava a
prática” de delitos.
A afirmação
mereceu um comentário irónico de Pedro Sánchez, líder do PSOE (Partido
Socialista Operário Espanhol, principal força da oposição): “Deixam-me
preocupado. A demissão de Ana Mato foi por motivos de saúde?” Já antes,
aludindo ao que acontecera na véspera, o dirigente socialista notou que não era
“o melhor dia” para o chefe do Governo falar destes temas.
Na quarta-feira,
a ministra demitiuse depois de ter sido implicada como “participante a título
lucrativo” no caso Gürtel. É no âmbito desse processo, que se arrasta desde que
o partido estava na oposição, que está preso um ex-tesoureiro do PP, Luís
Bárcenas. No final de Outubro, foram detidas 51 pessoas, incluindo o antigo
“número dois” da Comunidade Autónoma de Madrid, o “popular” Francisco Granados,
por suspeita de envolvimento numa rede de corrupção em comunidades autónomas.
Mas Rajoy acha
que não se deve tomar a parte pelo todo. “A Espanha não está corrompida, não
generalizemos. Começa-se assim e acaba-se a atacar o sistema. Isso beneficia os
salva-pátrias de vassoura”, afirmou aos deputados, no que foi entendido como
uma referência ao novo partido de esquerda Podemos.
Na intervenção
inicial do debate agendado antes da demissão de Mato, o chefe do Governo
admitiu que houve no seu partido “problemas sérios” e membros “corruptos”,
abusos de “pessoas que foram merecedoras” da sua confiança. Mas disse que já
pediu perdão por isso e apelou a consensos sobre a matéria. Mas a oposição não
considera suficientes os pedidos de desculpa, como se percebeu pelas palavras
do porta-voz da Izquierda Unida, Cayo Lara, que quis saber quem seria o
responsável pelos benefícios obtidos pelo PP no caso Gürtel — um esquema de
contabilidade paralela e financiamento ilegal.
O presidente do
Governo declarou compreender a “indignação dos cidadãos” face à corrupção, mas
esforçou-se por relativizar o problema. “A maioria dos políticos são decentes,
a Espanha não está corrompida”, disse. “Que não se alargue a suspeita a todos,
porque 50 não desacreditam toda a classe. Posso entender a desconfiança, mas
isso não justifica a generalização da culpa”, insistiu, numa altura em que a
sucessão de casos, que tem afectado de forma mais insistente o PP, agrava o
descrédito dos políticos e pode baralhar os dados das eleições do próximo ano.
Mariano Rajoy foi
ao Congresso de Deputados apresentar uma resposta ao “muito perigoso” problema
da corrupção, designadamente projectos de lei de controlo financeiro dos
partidos e um novo estatuto de altos cargos, que receberam o apoio da bancada
do PP no final da sessão parlamentar. Mas, observou o jornal El País, na
substância não houve novidades, apenas “retoques” ou “emendas parciais” em
medidas que foi repetindo ou já constavam de projectos que têm estado parados.
No início da
legislatura, o chefe do Governo anunciou a reforma da lei de financiamento dos
partidos, a lei de transparência, o estatuto de exercício de altos cargos, a
revisão do código penal e outras medidas que ficaram a marcar passo. Como
escreveu há dias o mesmo jornal, a maioria das iniciativas sofreu adiamentos
devido a alterações de deputados do próprio PP. O Governo também não avançou
com a parte da tramitação que lhe competia, uma inacção que voltou ontem a ser
criticada. “O que ninguém compreende é que até agora ninguém tenha feito nada”,
disse Rosa Díez, dirigente do partido centrista UPyD (União, Progresso e
Democracia).
“Temos um inimigo
comum que é a corrupção, mas não nos afecta a todos da mesma forma”, afirmou
Pedro Sánchez, mencionando expressamente a prisão do tesoureiro do PP e o
financiamento duvidoso. O dirigente socialista reconheceu que o seu partido não
está imune ao problemas mas declarou que, face à sucessão de casos, Rajoy “não
tem capacidade, legitimidade, nem condições” para liderar a regeneração democrática
que considera necessária.
Independentemente
do caminho da justiça, o problema do PP é de credibilidade. Como escreveu o El
País, Rajoy até pode avançar com medidas anticorrupção, mas os custos políticos
dos escândalos que afectam o partido recaem inevitavelmente sobre ele. E a esse
nível, os dados são para ele preocupantes: segundo o Centro de Investigações
Sociológicas, 86,6% dos espanhóis confiam pouco ou nada no chefe do Governo.
Foi a “situação familiar” de Ana
Mato que ditou a sua queda
Rita Siza /
28-11-2014 / PÚBLICO.
A ministra da
Saúde de Espanha, Ana Mato, apresentou a sua demissão do cargo na quarta-feira,
horas depois de ter sido implicada como “participante a título lucrativo” no
escândalo de corrupção conhecido como o “caso Gürtel”, que diz respeito a um
esquema de contabilidade paralela e financiamento ilegal do Partido Popular.
“Decidi apresentar a minha demissão de
ministra da Saúde, Serviços Sociais e Igualdade”, diz um comunicado assinado
por Ana Mato, que desmentiu qualquer participação no esquema de corrupção,
apesar de ser citada no auto do juiz Pablo Ruz, que encerrou a primeira fase da
investigação ao caso Gürtel com a acusação de 43 arguidos.
Segundo explica
Ana Mato no comunicado de resignação, a sua associação ao escândalo tem a ver
com a sua “situação familiar no momento em que supostamente se produziram os
factos” e tem “efeitos meramente civis” e não criminais. O seu ex-marido Jesús
Sepúlveda, antigo autarca de Pozuelo de Alarcón (Madrid), é um dos 43 arguidos
do mega-processo.
“Mas não quero,
sob nenhum pretexto, que a minha permanência no cargo de responsabilidade possa
ser utilizada para prejudicar o Governo de Espanha, o seu presidente e tampouco
o Partido Popular”, lê-se no mesmo documento.
A saída do
executivo terá sido combinada com o presidente do Governo, Mariano Rajoy, num
encontro de mais de duas horas no Palácio da Moncloa, que, de acordo com o
diário El Mundo, ocorreu logo que o juiz responsável pelo caso Gürtel
acrescentou o nome de Ana Mato ao rol de suspeitos de corrupção - no processo,
diz-se que a ministra demissionária terá “disfrutado” ou sido “beneficiária” de
presentes e de serviços turísticos no valor de mais de 55 mil euros.
Concretamente, o
processo identifica uma série de viagens, bilhetes de avião e comboio,
alugueres de automóvel e estadias em hotel, num valor total de 50.332 euros,
todas pagas com verbas movimentadas no âmbito do esquema Gürtel. Também aponta
para o pagamento de festas de aniversário e da comunhão da filha, ou ainda de
artigos da marca Louis Vuitton, avaliados em mais de cinco mil euros.
Ana Mato não está
imputada como suspeita de ter praticado qualquer crime, mas antes por ter
lucrado com os delitos cometidos pelo seu marido na altura. Como explica o El
País, a ministra demissionária “terá de se sentar no bando dos réus durante os
procedimentos, não como arguida mas como responsável cível dos supostos
crimes”. Essa figura, acrescenta o jornal, também chamada de “receptação cível”
aplica-se aos indivíduos que beneficiam do resultado de um crime de que não
tiveram conhecimento.
O chamado caso
Gürtel diz respeito a um esquema de corrupção para o financiamento ilegal do
Partido Popular e de favorecimentos para a assinatura de contratos e
adjudicação de obras públicas. A figura central da trama é Francisco Correa,
que dirigia a “rede” que distribuía presentes, dinheiro e viagens por
dirigentes políticos e funcionários públicos, que retribuiriam depois o gesto
com contratos com as empresas envolvidas na trama.
Entre as dezenas
de arguidos encontram-se o antigo tesoureiro do PP, Luis Bárcenas, que acabou
por converter-se em testemunha privilegiada do caso; os seus antecessores
Álvaro Lapuerta e Ángel Sanchís, e vários dirigentes e autarcas do partido em
Madrid, Málaga e Castilla y Léon. O auto lavrado pelo juiz Pablo Ruz identifica
fortes indícios dos crimes de prevaricação, suborno, apropriação indevida,
tráfico de influências, branqueamento de capitais, falsidade documental, fraude
à Administração Pública e delitos fiscais, entre outros.
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