quinta-feira, 27 de novembro de 2014

“A maioria dos políticos são decentes, a Espanha não está corrompida”

Ana Mato
A corrupção ibérica
Para quem acha que o mundo está a desabar depois do desmoronamento do GES e com a detenção para interrogatório de Ricardo Salgado; com as buscas e prisões envolvendo altos quadros da administração pública e, agora, com a denominada Operação Marquês, que conduziu ao encarceramento de José Sócrates, entre outros, devia olhar aqui para o lado. Em Espanha decorrem, neste momento, mais de 1700 investigações judiciais envolvendo cerca de 500 dirigentes políticos. Lá, como cá, os visados não são de um único partido, mas estão intimamente ligados pelo cordão umbilical do poder. Ou seja, pertencem, ou foram nomeados, ou tiveram negócios que de alguma forma passaram pelo crivo da política e dos partidos do chamado arco da governação. Lá, como cá, as leis anticorrupção são pífias e anunciam-se quando a casa está a arder. Lá, como cá, os prevaricadores esperam que isto dê em nada. Lá, como cá, talvez se enganem...

Editorial / Público

“A maioria dos políticos são decentes, a Espanha não está corrompida”
Chefe do Governo admitiu que houve no seu partido “problemas sérios” e membros “corruptos”, abusos de “pessoas que foram merecedoras” da sua confiança. Mas disse que pediu desculpa e apelou a consensos
João Manuel Rocha / 28-11-2014 / PÚBLICO

Mariano Rajoy teve palavras de determinação quando ontem apresentou no Parlamento espanhol projectos legislativos anticorrupção. Mas a missão do chefe do Governo estava longe de ser fácil. Desde logo porque a discussão ocorreu um dia depois da demissão da sua ministra da Saúde, Ana Mato, indiciada num escândalo, mas também porque medidas semelhantes, anunciadas há quase dois anos, têm sido bloqueadas pelo Partido Popular (PP), de que é líder.
Só na resposta à oposição, o chefe do Governo, que se escusou a entrar na discussão de nomes de presumíveis envolvidos em corrupção, acabou por se referir a Ana Mato, para a desculpar. Disse que o auto do juiz não deixa “margem para qualquer dúvida” e que a agora ex-ministra não está indiciada de qualquer crime e “ignorava a prática” de delitos.
A afirmação mereceu um comentário irónico de Pedro Sánchez, líder do PSOE (Partido Socialista Operário Espanhol, principal força da oposição): “Deixam-me preocupado. A demissão de Ana Mato foi por motivos de saúde?” Já antes, aludindo ao que acontecera na véspera, o dirigente socialista notou que não era “o melhor dia” para o chefe do Governo falar destes temas.
Na quarta-feira, a ministra demitiuse depois de ter sido implicada como “participante a título lucrativo” no caso Gürtel. É no âmbito desse processo, que se arrasta desde que o partido estava na oposição, que está preso um ex-tesoureiro do PP, Luís Bárcenas. No final de Outubro, foram detidas 51 pessoas, incluindo o antigo “número dois” da Comunidade Autónoma de Madrid, o “popular” Francisco Granados, por suspeita de envolvimento numa rede de corrupção em comunidades autónomas.
Mas Rajoy acha que não se deve tomar a parte pelo todo. “A Espanha não está corrompida, não generalizemos. Começa-se assim e acaba-se a atacar o sistema. Isso beneficia os salva-pátrias de vassoura”, afirmou aos deputados, no que foi entendido como uma referência ao novo partido de esquerda Podemos.
Na intervenção inicial do debate agendado antes da demissão de Mato, o chefe do Governo admitiu que houve no seu partido “problemas sérios” e membros “corruptos”, abusos de “pessoas que foram merecedoras” da sua confiança. Mas disse que já pediu perdão por isso e apelou a consensos sobre a matéria. Mas a oposição não considera suficientes os pedidos de desculpa, como se percebeu pelas palavras do porta-voz da Izquierda Unida, Cayo Lara, que quis saber quem seria o responsável pelos benefícios obtidos pelo PP no caso Gürtel — um esquema de contabilidade paralela e financiamento ilegal.
O presidente do Governo declarou compreender a “indignação dos cidadãos” face à corrupção, mas esforçou-se por relativizar o problema. “A maioria dos políticos são decentes, a Espanha não está corrompida”, disse. “Que não se alargue a suspeita a todos, porque 50 não desacreditam toda a classe. Posso entender a desconfiança, mas isso não justifica a generalização da culpa”, insistiu, numa altura em que a sucessão de casos, que tem afectado de forma mais insistente o PP, agrava o descrédito dos políticos e pode baralhar os dados das eleições do próximo ano.
Mariano Rajoy foi ao Congresso de Deputados apresentar uma resposta ao “muito perigoso” problema da corrupção, designadamente projectos de lei de controlo financeiro dos partidos e um novo estatuto de altos cargos, que receberam o apoio da bancada do PP no final da sessão parlamentar. Mas, observou o jornal El País, na substância não houve novidades, apenas “retoques” ou “emendas parciais” em medidas que foi repetindo ou já constavam de projectos que têm estado parados.
No início da legislatura, o chefe do Governo anunciou a reforma da lei de financiamento dos partidos, a lei de transparência, o estatuto de exercício de altos cargos, a revisão do código penal e outras medidas que ficaram a marcar passo. Como escreveu há dias o mesmo jornal, a maioria das iniciativas sofreu adiamentos devido a alterações de deputados do próprio PP. O Governo também não avançou com a parte da tramitação que lhe competia, uma inacção que voltou ontem a ser criticada. “O que ninguém compreende é que até agora ninguém tenha feito nada”, disse Rosa Díez, dirigente do partido centrista UPyD (União, Progresso e Democracia).
“Temos um inimigo comum que é a corrupção, mas não nos afecta a todos da mesma forma”, afirmou Pedro Sánchez, mencionando expressamente a prisão do tesoureiro do PP e o financiamento duvidoso. O dirigente socialista reconheceu que o seu partido não está imune ao problemas mas declarou que, face à sucessão de casos, Rajoy “não tem capacidade, legitimidade, nem condições” para liderar a regeneração democrática que considera necessária.
Independentemente do caminho da justiça, o problema do PP é de credibilidade. Como escreveu o El País, Rajoy até pode avançar com medidas anticorrupção, mas os custos políticos dos escândalos que afectam o partido recaem inevitavelmente sobre ele. E a esse nível, os dados são para ele preocupantes: segundo o Centro de Investigações Sociológicas, 86,6% dos espanhóis confiam pouco ou nada no chefe do Governo.

Foi a “situação familiar” de Ana Mato que ditou a sua queda
Rita Siza / 28-11-2014 / PÚBLICO.

A ministra da Saúde de Espanha, Ana Mato, apresentou a sua demissão do cargo na quarta-feira, horas depois de ter sido implicada como “participante a título lucrativo” no escândalo de corrupção conhecido como o “caso Gürtel”, que diz respeito a um esquema de contabilidade paralela e financiamento ilegal do Partido Popular.
 “Decidi apresentar a minha demissão de ministra da Saúde, Serviços Sociais e Igualdade”, diz um comunicado assinado por Ana Mato, que desmentiu qualquer participação no esquema de corrupção, apesar de ser citada no auto do juiz Pablo Ruz, que encerrou a primeira fase da investigação ao caso Gürtel com a acusação de 43 arguidos.
Segundo explica Ana Mato no comunicado de resignação, a sua associação ao escândalo tem a ver com a sua “situação familiar no momento em que supostamente se produziram os factos” e tem “efeitos meramente civis” e não criminais. O seu ex-marido Jesús Sepúlveda, antigo autarca de Pozuelo de Alarcón (Madrid), é um dos 43 arguidos do mega-processo.
“Mas não quero, sob nenhum pretexto, que a minha permanência no cargo de responsabilidade possa ser utilizada para prejudicar o Governo de Espanha, o seu presidente e tampouco o Partido Popular”, lê-se no mesmo documento.
A saída do executivo terá sido combinada com o presidente do Governo, Mariano Rajoy, num encontro de mais de duas horas no Palácio da Moncloa, que, de acordo com o diário El Mundo, ocorreu logo que o juiz responsável pelo caso Gürtel acrescentou o nome de Ana Mato ao rol de suspeitos de corrupção - no processo, diz-se que a ministra demissionária terá “disfrutado” ou sido “beneficiária” de presentes e de serviços turísticos no valor de mais de 55 mil euros.
Concretamente, o processo identifica uma série de viagens, bilhetes de avião e comboio, alugueres de automóvel e estadias em hotel, num valor total de 50.332 euros, todas pagas com verbas movimentadas no âmbito do esquema Gürtel. Também aponta para o pagamento de festas de aniversário e da comunhão da filha, ou ainda de artigos da marca Louis Vuitton, avaliados em mais de cinco mil euros.
Ana Mato não está imputada como suspeita de ter praticado qualquer crime, mas antes por ter lucrado com os delitos cometidos pelo seu marido na altura. Como explica o El País, a ministra demissionária “terá de se sentar no bando dos réus durante os procedimentos, não como arguida mas como responsável cível dos supostos crimes”. Essa figura, acrescenta o jornal, também chamada de “receptação cível” aplica-se aos indivíduos que beneficiam do resultado de um crime de que não tiveram conhecimento.
O chamado caso Gürtel diz respeito a um esquema de corrupção para o financiamento ilegal do Partido Popular e de favorecimentos para a assinatura de contratos e adjudicação de obras públicas. A figura central da trama é Francisco Correa, que dirigia a “rede” que distribuía presentes, dinheiro e viagens por dirigentes políticos e funcionários públicos, que retribuiriam depois o gesto com contratos com as empresas envolvidas na trama.


Entre as dezenas de arguidos encontram-se o antigo tesoureiro do PP, Luis Bárcenas, que acabou por converter-se em testemunha privilegiada do caso; os seus antecessores Álvaro Lapuerta e Ángel Sanchís, e vários dirigentes e autarcas do partido em Madrid, Málaga e Castilla y Léon. O auto lavrado pelo juiz Pablo Ruz identifica fortes indícios dos crimes de prevaricação, suborno, apropriação indevida, tráfico de influências, branqueamento de capitais, falsidade documental, fraude à Administração Pública e delitos fiscais, entre outros.

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