Investigadores suspeitam que
Sócrates já sabia que iria ser detido à chegada ao aeroporto
MARIANA OLIVEIRA
e PEDRO SALES DIAS 23/11/2014 - PÚBLICO
Num processo em que os investigadores queriam segredo absoluto, as fugas de
informação foram várias. Nem a troca de carros dentro do aeroporto, para a
operação não ser identificada, resultou. Sócrates poderá ter como atenuante das
medidas de coacção o facto de ter regressado ao país voluntariamente.
O
ex-primeiro-ministro, José Sócrates, suspeito num processo que investiga crimes
de corrupção e fraude fiscal, adiou a viagem de avião de regresso a Portugal,
na passada quinta-feira, dia em que os outros três arguidos, incluindo um amigo
de infância e o seu motorista, foram detidos. Sócrates acabou por viajar de
Paris para Lisboa na sexta-feira à noite, atrasando a sua detenção.
Nos dias
anteriores, os investigadores foram vendo as sucessivas listas de embarque de
passageiros entre Paris e Lisboa de todas as companhias de aviação. Para isso,
deslocaram-se às instalações da ANA – Aeroportos de Portugal onde está
centralizada essa informação, adiantou fonte policial. Apesar de várias
tentativas, o PÚBLICO não conseguiu confirmar esta informação junto de fonte
oficial da empresa.
O PÚBLICO apurou
que este adiamento é, aliás, sublinhado em documentos que relatam as
diligências levadas a cabo na investigação. Na convicção dos investigadores, o
adiamento da viagem é um indício de que o ex-primeiro-ministro saberia que iria
ser detido, mas, apesar disso, optou por regressar a Portugal.
Esse facto poderá
ser levado em linha de conta quando o juiz do Tribunal Central de Instrução
Criminal (TCIC), Carlos Alexandre, decretar as medidas de coacção, já que será
difícil sustentar um eventual perigo de fuga. Nomeadamente, decidir se o antigo
governante fica ou não em prisão preventiva.
Há cerca de um
mês, a informação de que José Sócrates poderia vir a ser detido já circulava.
Ao longo deste sábado, já depois da detenção do ex-primeiro-ministro, várias
fontes relataram ter tido conhecimento antecipado da iminente detenção de
Sócrates.
Terão, por isso,
sido várias as fugas de informação neste processo. Quando o antigo
primeiro-ministro aterrou no aeroporto da Portela, já equipas de reportagem de
alguns órgãos de comunicação tentavam apanhar a viatura policial que
transportava Sócrates, tendo a SIC divulgado imagens, pouco nítidas, do que
dizia ser Sócrates no interior de uma viatura descaracterizada. Nessa altura já
havia pelo menos um carro de exteriores no Campus da Justiça, em Lisboa, onde
esteve Sócrates durante o dia de sábado para ser identificado pelo juiz Carlos
Alexandre do TCIC.
Tudo indica que
José Sócrates ainda não terá sido confrontado com os indícios recolhidos na
investigação, um acto que deverá ocorrer neste domingo. O juiz Carlos Alexandre
terá dado prioridade aos arguidos que tinham sido detidos ao final da tarde de
quinta-feira e foram identificados no dia seguinte, sexta-feira. Carlos
Alexandre, encarregue de mais este caso mediático, foi até Setembro o único
magistrado do TCIC, onde são tramitados os inquéritos criminais mais complexos
e que, normalmente, são investigados pelo Departamento Central de Investigação
e Acção Penal, actualmente dirigido pelo procurador Amadeu Guerra. Já não é o
único neste momento, mas o processo terá começado antes de Setembro.
O juiz terá
optado por ouvir neste sábado o empresário Carlos Manuel dos Santos Silva,
amigo de infância de Sócrates e um dos quatro detidos nesta operação. Perto da
meia-noite, a representante do empresário, a advogada Paula Lourenço, natural
da Covilhã e amiga de ambos, continuava no interior do TCIC. Segundo uma fonte
da defesa, já na sexta-feira a advogada tinha estado todo dia no Campus da
Justiça, a acompanhar o cliente e amigo. O empresário, conjuntamente com
Gonçalo Trindade Ferreira, advogado que tem o domicílio profissional na sede de
uma das empresas de Santos Silva e o motorista de Sócrates, João Perna, pernoitaram
no estabelecimento prisional anexo às instalações da Polícia Judiciária. Já
José Sócrates passou essa noite nas instalações do Comando Metropolitano de
Lisboa da PSP, em Moscavide, aonde regressou na noite de sábado e onde terão
dormido os outros três suspeitos na primeira noite de detenção.
Um carro
transportando José Sócrates deu entrada às 16h45 no Campus da Justiça, onde o
antigo chefe de governo esteve mais de cinco horas. Minutos antes, carros das
autoridades judiciais foram filmados a sair da casa de José Sócrates no centro
de Lisboa, onde o ex-primeiro-ministro terá acompanhado buscas ao apartamento
onde mora.
Ao contrário do
que tem acontecido noutros processos mediáticos que envolvem Sócrates, a sua
defesa não está a ser assegurada pelo advogado Daniel Proença de Carvalho. Quem
apareceu a representá-lo foi um ilustre desconhecido, João Araújo, que chegou
ao Campus da Justiça às 17h e saiu antes das 22h. O advogado de 65 anos não
está integrado em qualquer sociedade, partilhando apenas as instalações do
escritório, na Rua Pinheiro Chagas, em Lisboa, com um colega, que não soube
explicar ao PÚBLICO como João Araújo se tornou defensor do
ex-primeiro-ministro. Carlos Caldeira adiantou apenas que o colega de
escritório, inscrito na Ordem dos Advogados desde 1977, se formou na Faculdade
de Direito da Universidade de Lisboa e foi defensor de dois arguidos no caso
das FP-25, que julgou uma rede bombista que esteve activa no pós-25 de Abril.
Curiosamente, também defendeu o fiscalista Saldanha Sanches, num processo
movido por Daniel Proença de Carvalho.
Questionado pelo
PÚBLICO sobre se vem acompanhar o cliente, o advogado não quis prestar
declarações e limitou-se a repetir "venho sozinho". Ainda antes de
ser ouvido por Carlos Alexandre, era possível ver José Sócrates, de costas,
pelas brechas de uma janela do rés-do-chão do edifício espelhado. Estava numa
reunião, acompanhado pelo advogado.
Desde
quarta-feira que a operação, levada a cabo pelo Departamento Central de
Investigação e Acção Penal e por inspectores da Autoridade Tributária e
Aduaneira acompanhados no terreno por agentes da investigação criminal da PSP,
estava a ser preparada. Face ao melindre do caso, mais do que o segredo de
justiça estava em causa o segredo absoluto. Nem a Divisão Aeroportuária da PSP,
em Lisboa, que em algumas circunstâncias cumpre mandados judiciais e detém à
chegada arguidos, sabia que o Ministério Público esperava o
ex-primeiro-ministro.
Os agentes do
aeroporto só descobriram o que ocorreu quando os inspectores tributários e os
colegas da PSP chegaram com Sócrates e entraram nas instalações da divisão.
Ali, Sócrates esperou cerca de meia hora enquanto os investigadores fizeram uma
troca de automóveis.
Os investigadores
queriam discrição máxima. Queriam evitar que a situação criasse polémica no
aeroporto com os passageiros do avião em que Sócrates voltou. Por isso, a
detenção não ocorreu na manga do avião. Mal o aparelho aterrou, os investigadores
seguiram de automóvel para a pista. Sócrates foi levado num veículo
descaracterizado, sem que fossem levantadas as mínimas suspeitas de ter sido
detido. Já nas instalações do aeroporto, os inspectores trocaram de carro para
despistar alguém que estivesse mais atento às movimentações. Por essa altura já
existiam informações de que Sócrates tinha sido detido.
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