Santos Pereira: Portas fez
“intriga e chantagem” com o país e não merece “perdão”
HELENA PEREIRA / 28/11/2014,
OBSERVADOR
No livro "Reformar sem
medo", o ex-ministro da Economia fala da sua saída do Governo e conta que
Portas estava "descontraído" com promoção de Maria Luís horas antes
de se demitir.
O ex-ministro da
Economia Álvaro Santos Pereira fala pela primeira vez sobre a crise política do
verão de 2013 em que acabou despedido do Governo e foi substituído por um
centrista, Pires de Lima. No livro “Reformar sem medo”, que chegou esta
sexta-feira às livrarias, o ex-ministro relata os dias frenéticos daquele verão
e Paulo Portas, que passou de uma demissão a ser empossado
vice-primeiro-ministro, não sai nada bem na fotografia. Portas “intrigou”
contra Santos Pereira desde o primeiro dia do Governo e fez “chantagem” com o
país numa atitude que não merece “perdão” – palavras do ex-ministro.
“O que me é
insuportável é a intriga pela intriga, é os políticos fazerem tudo o que está
ao seu alcance, sem olhar a meios, para ter mais poderes ou ganhos políticos. Isso
acho profundamente lamentável, errado”, escreve Álvaro Santos Pereira, acusando
Portas, líder do segundo partido de coligação, de ter feito, para mais,
“intriga e chantagem com um país numa situação dramática e que estava sob
assistência financeira”.
No capítulo “A
intriga política”, o primeiro ministro da Economia de Passos Coelho conta como
viveu os dois anos em que esteve no Governo e, por ordem cronológica, a sua
versão dos acontecimentos nos primeiros dias de julho de 2013.
“Há pessoas que se dedicam
quase em exclusivo à intriga política (…) frequentemente escudando-se por
detrás de políticas populistas e de facilidade comunicacional”, diz, referindo-se
a Portas e revelando que, desde o início do Governo, “houve intriga e conflitos
internos”. “Não tenho dúvida que parte dos ataques foi interna”, explica,
lembrando uma célebre frase do ex-primeiro-ministro britânico Winston
Churchill: “Os adversários sentam-se em frente e os inimigos ao lado (na
bancada do Governo)”.
“Tudo começou”
pela tutela da AICEP, a Agência para o Investimento e Comércio Externo de
Portugal, – conta Santos Pereira – e “depois prosseguiu com tudo o que
envolvesse boas notícias, investimentos, Concertação Social, ou até os ataques
aos lóbis”. Foram “dois anos de ataque cerrado, embora nunca direto”, refere.
Até que chega o
dia 1 de julho, em que o ministro das Finanças, Vítor Gaspar, se demite. “O
timing da demissão de Vítor Gaspar surpreendeu-me”, disse. Mas, “a surpresa das
surpresas aconteceu dia 2 de julho”, terça-feira, dia em que Portas apresenta a
demissão – durante a tarde.
Nessa manhã de
dia 2, Portas ainda lhe liga para discutir uma nomeação para a Autoridade da
Concorrência, um “pretexto”, segundo Santos Pereira. Acabam a conversar sobre a
demissão de Gaspar e Portas diz-lhe, a propósito da sua sucessora, Maria Luís
Albuquerque, que “não conhecia bem a nova ministra”. Estava “relativamente
descontraído” e disse que preferia que a escolha tivesse recaído sobre o
ministro da Saúde, Paulo Macedo. Horas depois, Portas demite-se invocando ter
sido contra a escolha de Maria Luís para substituir Gaspar.
Álvaro Santos
Pereira tem conhecimento da demissão de Portas, nessa tarde, já em Berlim, onde
tinha uma reunião de trabalho, e fica “siderado, atónito, perplexo” com a
notícia. “Senti que a pátria tinha sido traída e que o país tinha sido atirado
para a lama, tinhamos acabado de deitar o trabalho dos últimos dois anos para o
lixo”, conta.
No livro, o
ex-ministro revela que ligou a um ministro do CDS (teria sido Luís Pedro Mota
Soares, ministro da Segurança Social pois a outra pessoa indicada pelo partido
é uma mulher, Assunção Cristas, na Agricultura). Santos Pereira diz-lhe que
“era preciso que o CDS continuasse no Governo” e aquele responde-lhe que “as
coisas estavam muito mal entre os dois partidos, que não havia confiança entre
eles e que o melhor mesmo era que o CDS saísse do Governo e haver um acordo de
incidência parlamentar até ao final da legislatura”.
Essa solução era,
para o então ministro da Economia, “um disparate e um caos total”. E diz ao
interlocutor “que pedissem o que quisessem, mesmo a pasta da Economia”. Segundo
Santos Pereira, esta pasta era “uma ambição do CDS desde o primeiro dia”. Um
dirigente do CDS, António Pires de Lima, acabou a substitui-lo. “Para mim era
evidente o que iria acontecer”, sublinha.
Pedro Passos
Coelho já estava com Santos Pereira em Berlim quando Paulo Portas recua na sua
decisão e dá o “irrevogável” por não dito. Santos Pereira reage sem oposição à
sua substituição no Governo porque “o país não precisa de mais dramas e
turbulências”, mas não deixa de considerar o que se passou “uma chantagem”.
Na segunda-feira
seguinte, dia 8, o ministro começa a encaixotar as suas coisas no gabinete. O
Presidente da República não dá posse aos novos ministros, porém, e pede um
entendimento alargado. O processo de negociações, que termina sem sucesso,
demora três semanas “bastante difíceis”.
Durante esse
período, ocorre no Parlamento um debate do Estado da Nação e um debate de moção
de censura ao Governo. “No debate do Estado da Nação, mantive a compostura e
fiquei sentado a ouvir o discurso de alguém que fez o que fez ao país”, lembra,
sobre Portas, acrescentando que “há limites” para “os sapos que se tem que
engolir na política”. No debate seguinte, saiu da sala no momento em que Portas
discursa e também já não vai à tomada de posse dos novos ministros para não ter
que “apertar a mão” ao empossado vice-primeiro-ministro.
Santos Pereira
termina o capítulo dedicado ao Portas com uma interrogação:
“Em qualquer outro país
minimamente avançado e democrático, essas ações nunca seriam perdoadas, nem
pela opinião pública, nem pela imprensa e muito menos pelo próprio partido. É
chocante e é pena que os agentes políticos e a imprensa não tenham atuado em
conformidade com alguém que assim agiu. Porque será?”.
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