Os tempos estão a mudar. Habituem-se. |
Sócrates. Há uns mais iguais do
que outros
Por Luís Rosa
publicado em 24
Nov 2014 in
(Jornal) i online
Não é uma Justiça igual para
todos que destrói a democracia - é a impunidade
Trabalhei com um
jornalista, assumidamente do PS, que analisava qualquer caso judicial sobre
políticos com uma lente infalível: "não há corrupção na esquerda. A
direita, por defender o capital, é naturalmente corrupta". Uma visão
simples que o deixava dormir mais descansado e que lhe permitia ver num
processo contra uma figura de esquerda uma conspiração da direita.
Vem esta pequena
história a propósito de muitas das posições dos comentadores de esquerda sobre
a prisão de José Sócrates. Ouve-se e ficamos incrédulos. Parece que a elite de
esquerda, num assomo aristocrático, pensa que não somos todos iguais perante a
lei. Ou melhor, há uns mais iguais do que outros. Como dizem essas mentes
brilhantes, não se pode tratar de forma igual o que é diferente. Quem tanto deu
ao país, como José Sócrates, merece um tratamento privilegiado à altura do seu
prestígio. Porquê? Porque é um ex-primeiro--ministro. Do PS, acrescento eu. Se
assim é, não pode ser detido. Muito menos à noite e com um espectáculo
mediático à sua volta. Não. Para ouvir Sócrates, a Justiça tem de enviar uma
cartinha registada e com aviso de recepção a convocar o senhor engenheiro para
ser constituído arguido e prestar esclarecimentos às 10h - não pode ser
demasiado cedo para não perturbar o descanso de Sua Excelência. E proibir
qualquer notícia e câmara de televisão num raio de 800 kms - que essa coisa de
notícias sobre processos em segredo de Justiça só vale para Passos Coelho,
Paulo Portas e, vá lá, para os capitalistas horríveis chamados Ricardo Salgado,
João Rendeiro ou Oliveira Costa.
O mais
extraordinário em toda a argumentação utilizada por boa parte dos comentadores
de esquerda é a transformação da detenção de José Sócrates numa violação do
Estado de Direito. "Se este exagero judicial acontece com um ex-primeiro-
-ministro, imagine-se o que pode fazer um juiz ao cidadão comum!". Esta
extraordinária inversão das prioridades (como se o juiz ou o procurador fosse
mais perigoso que o arguido) pretende, não tenhamos dúvidas, desvalorizar e
descredibilizar os indícios que foram recolhidos contra Sócrates.
Sejamos sérios na
análise dos factos. Em primeiro lugar, o processo nasceu de uma comunicação da
Caixa Geral de Depósitos que obriga à abertura de um inquérito. O processo foi
aberto de forma legítima por um magistrado do Ministério Público e está a ser
escrutinado, como manda a lei, por um juiz de instrução criminal. O primeiro
pediu autorização para a detenção de José Sócrates e o segundo validou essa
decisão depois de conhecer os indícios recolhidos. Sócrates está no centro da
investigação. Se assim é, é natural que tenha sido detido juntamente com os
restantes arguidos. A eficácia de uma investigação obriga inúmeras vezes a
deter ao mesmo tempo todos os arguidos de forma a preservar a recolha da prova
e a obter a máxima informação possível dos interrogatórios. Todos estes passos
são normais e justificam-se face às suspeitas que estão em causa.
Estes são os
factos que conhecemos e nenhum deles justifica as críticas que temos vindo a
ouvir - a não ser que esses comentadores tenham saudades do corte e tesoura dos
conselheiros Noronha de Nascimento e Pinto Monteiro que impediram outra
investigação legítima a José Sócrates.
Seja qual for o
político, chame- -se Passos, Portas ou Sócrates, todos devem ser escrutinados,
e sem contemplações, pela Justiça. Não há PS, PSD ou CDS que lhes valha. Não é
uma Justiça igual para todos que destrói a democracia - é a impunidade.
A detenção de
Sócrates, como a de Ricardo Salgado ou prisão de Isaltino Morais ou as condenações
de Maria de Lurdes Rodrigues, demonstram que o princípio da igualdade de todos
perante a lei começa a ser aplicado em Portugal. E isso só fortalece o nosso
regime democrático. Os tempos estão a mudar. Habituem-se.
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