OPINIÃO
É imoral repor as subvenções
vitalícias
PEDRO SOUSA
CARVALHO 20/11/2014 - 23:33
PS e PSD estão a tentar mascarar uma decisão política de decisão jurídica.
Coisa que lhes fica mal.
Foi na década de
80 que o Bloco Central introduziu a subvenção vitalícia para os políticos, uma
aberração extraordinária que José Sócrates e o PS tiveram o bom senso de
eliminar em 2005. Esta benesse foi criada em 1985 e permitia aos deputados com
apenas oito anos de serviço terem direito a uma subvenção para o resto da vida.
Uma década depois, em 1995, o tempo para se ter direito a essa subvenção subiu
para 12 anos, mesmo assim bastante mais generoso face aos 30 ou 40 anos que um
pensionista qualquer tem de descontar para ter direito a receber uma reforma.
Num determinado
momento histórico, numa altura em que grande parte dos deputados exercia o
mandato em regime de exclusividade, se calhar até fez sentido atribuir aos
políticos algumas benesses, como o subsídio de reintegração. Seria uma forma de
evitar que para a política viessem apenas os medíocres que não conseguiram ter
um emprego bem pago no sector privado. Uma realidade que entretanto mudou (a
parte de haver alguns deputados medíocres no Parlamento é que não mudou).
Foi em 2005 que o
Governo de José Sócrates terminou com esta subvenção, mas a lei não foi
aplicada de forma retroactiva – ou seja, os deputados que em 2005 já tivessem
os 12 anos de funções mantiveram o direito a receber uma subvenção vitalícia de
48% do ordenado base, quando completassem 55 anos de idade. E foi Passos Coelho
que no Orçamento para 2014 decidiu colocar um novo travão às pensões vitalícias,
aplicando a chamada "condição de recurso" – ou seja, os deputados que
tinham um rendimento superior a dois mil euros (excluindo a subvenção) ficaram
sem essa prestação. Nos restantes casos, o rendimento ficou limitado à
diferença entre os dois mil euros e o rendimento (excluindo a subvenção).
No Orçamento para
2015, o Governo mantinha a mesma formulação. Mas eis que na semana passada
surgiram um deputado do PSD (Couto dos Santos) e um outro do PS (José Lello),
numa espécie de minibloco central, a sugerirem que os ex-políticos com
rendimentos acima dos dois mil euros pudessem recuperar o valor das suas
subvenções vitalícias. Em vez do corte anterior, a subvenção (na parte que
excede os 2 mil euros) passaria a pagar uma contribuição extraordinária de 15%,
tal como a CES que vai ser aplicada às pensões mais elevadas.
A proposta foi
ontem aprovada com os votos do PSD e PS, com a abstenção do CDS e com os votos
contra do Bloco e do PCP. Não deixa de ser estranho, quando PS e PSD não se
entendem sobre centenas de normas do Orçamento do Estado. Acabaram de rasgar o
pacto da fiscalidade. Não se entendem sobre a reforma do IRS e a
"fiscalidade verde" e não há maneira de se sentarem à mesma mesa para
discutir a reforma do Estado. Enfim, coisas em que realmente interessa haver
acordo. Mas quando chega a altura de votar sobre a reposição das subvenções
vitalícias, de repente nasce uma amizade enternecedora e uma cumplicidade entre
os dois maiores partidos da Assembleia da República.
Ficará a cargo de
cada um julgar a moralidade (ou não) de se aliviar a austeridade que recai
sobre os políticos numa altura em que pensionistas, funcionários públicos e a
maioria dos contribuintes continuam a sofrer cortes salariais, a pagar
contribuições extraordinárias e a suportar sobretaxas de IRS. Mas são bastante
questionáveis os argumentos que Couto dos Santos e José Lello usam para
justificar o fim dos cortes.
Primeiro porque
equiparam as subvenções vitalícias às pensões normais de reforma. Ora a
primeira é um privilégio e a segunda é um direito para o qual as pessoas
descontaram ao longo de toda uma vida de trabalho. E, partindo deste erro, os
dois deputados então partem para o segundo erro, que é argumentar que o corte
das subvenções vitalícias em vigor é inconstitucional. Não se referem a um
acórdão específico do Tribunal Constitucional, mas dizem que a jurisprudência
do TC “aponta para o carácter não definitivo das medidas excepcionais de
ablação retroactiva das prestações, para a garantia igual das expectativas
legítimas sobre opções de vida já consumadas e para a sua proporcionalidade e
igualdade”.
Traduzindo do
juridiquês, são vários disparates de seguida. Primeiro dizem que o TC entende
(vá-se lá saber como é que adivinharam o que o TC entende) que medidas
excepcionais não se devem prolongar durante muito tempo e que os deputados e
políticos merecem receber a subvenção porque criaram expectativas e estavam a
contar com ela. Então os funcionários públicos também não criaram expectativas
de que iam receber um determinado salário e agora estão a receber um outro
bastante mais pequeno? E invocar a igualdade, quando só alguns titulares de
cargos políticos recebem a subvenção vitalícia é de uma demagogia vitalícia.
O que estes dois
deputados fizeram, com a cobertura dos respectivos partidos, foi tentar
mascarar uma decisão política de decisão jurídica. Se realmente tivessem
dúvidas sobre a constitucionalidade dos cortes, fariam aquilo que tantas vezes
fizeram no passado, que é pedir ao Tribunal Constitucional que analisasse a
legalidade da medida. Têm medo que o TC diga que o corte é legal? Infelizmente,
tendo os deputados o poder de mudar a lei, e estando a decidir em causa
própria, não resta muito a fazer a não ser continuarmos a pagar a sobretaxa de
IRS e as contribuições extraordinárias para que não falte ao Estado os 10
milhões de euros que todos os anos esbanja para pagar as subvenções aos
deputados para o resto da vida.
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