Isabel dos Santos lança OPA sobre
a PT SGPS para chegar à PT Portugal
ANA BRITO / 09/11/2014 - PÚBLICO
A investidora angolana pretende alcançar uma posição relevante, mas
minoritária, na Oi e manter a PT Portugal. A Sonaecom não participa na oferta,
mas está “em harmonia” com Isabel dos Santos.
São cerca de 1210
milhões de euros, ou 1,35 euros por cada acção da PT SGPS. Isabel dos Santos
vai propor aos accionistas da holding que detém uma posição de cerca de 38% do
capital da Oi que lhes vendam os seus títulos. Da (primeira e) última vez que a
PT foi alvo de OPA, em 2006, o bolo total eram quase 12 mil milhões de euros e
o valor da contrapartida, 10,5 euros (uma revisão em alta face ao valor inicial
de 9,5 euros). Eram outros tempos. Desta vez não é a Sonaecom (dona do PÚBLICO)
quem aparece a ditar os termos da operação, mas sim a sua parceira na ZOPT (a
sociedade que detém 50,01% da NOS), Isabel dos Santos.
De acordo com um
comunicado enviado neste domingo ao final da tarde à CMVM, a filha do Presidente
angolano quer comprar pelo menos 50,01% do capital da PT SGPS, através da Terra
Peregrin, uma sociedade que controla. E diz que o seu objectivo é alcançar uma
posição “relevante, mas minoritária e não de controlo, no capital da Oi”, que
agora controla a PT Portugal. Esta posição abrirá caminho à “manutenção da
unidade do grupo Portugal Telecom, reconhecendo e potenciando a capacidade
tecnológica da empresa, ao mesmo tempo que é reforçada a capacidade da Oi num
momento crítico do mercado de telecomunicações”, sublinhou o porta-voz de
Isabel dos Santos numa declaração enviada ao PÚBLICO.
A PT Portugal
está neste momento a ser alvo de uma oferta de compra do grupo francês Altice
que avalia a empresa em 7000 milhões de euros (valor que inclui a dívida), mas o
fundo norte-americano Apax Partners também está em campo para apresentar uma
proposta.
O porta-voz de
Isabel dos Santos esclareceu que a oferta, “embora não tenha sido concertada
previamente com a sociedade visada ou com a Oi, é positiva e colaborante”. Por
outras palavras, uma OPA que a investidora angolana considera amigável e que
faz parte de um “plano de crescimento de longo prazo e de reforço das
capacidades e dos activos humanos das empresas envolvidas”. Mas o processo
requer a “congregação de um conjunto de vontades”, reconhece a empresária.
Este alinhamento
dos astros terá como ponto de partida uma contrapartida financeira que a dona
de metade da NOS considera “justa e equitativa tendo em conta a instabilidade e
volatilidade acentuadas verificadas no preço de mercado das acções nos seis
meses anteriores à presente data" e que representa um prémio de 11% face
último valor de fecho das acções da PT SGPS.
Sonaecom em plano secundário
A operação, que
será assessorada pelo Caixa-Banco de Investimento, não tem a participação da
Sonaecom, mas foi feita com o “conhecimento prévio” dos parceiros portugueses e
“em harmonia com os objectivos definidos” na declaração anunciada na semana
passada, garantiu o porta-voz de Isabel dos Santos. Ou seja, por enquanto, a
Sonaecom apresenta-se com um papel secundário nesta investida à PT.
Na semana
passada, Isabel dos Santos e Paulo Azevedo, accionistas em partes iguais da
ZOPT, anunciaram ao mercado o interesse em participar numa “solução para a PT
Portugal”. Uma operação que passaria pela compra da empresa portuguesa, com a
convicção de que o impacto dos remédios (venda de activos) que seriam impostos
pelo regulador da Concorrência seriam ainda assim menores que o enorme
potencial de sinergias resultante de uma combinação de activos da PT Portugal e
da NOS.
Mas antes de
chegar aí (ou para chegar aí), Isabel dos Santos parte já para a PT SGPS, a
holding que ficou esvaziada de activos operacionais no aumento de capital
realizado em Maio e que tem agora como único “pertence” a posição accionista na
Oi (os cerca de 38% que vão transformar-se em 25,6% quando estiver concluída a
fusão com a Oi, previsivelmente no primeiro trimestre de 2015, e criada a
CorpCo). Será também a PT SGPS que ficará com toda a dívida da Rioforte
recebendo, em troca, opções de compra através das quais poderá refazer a posição
inicialmente prevista na nova PT/Oi, se for conseguindo recuperar parte dos 900
milhões.
Será então a
partir da PT SGPS que Isabel dos Santos tentará chegar à PT Portugal e,
aparentemente, resolver dois problemas de uma penada, tentando também resolver
o litígio em torno da operadora móvel Unitel. Os sócios angolanos sustentam que
a PT quebrou o acordo de accionistas ao transferir 25% da Unitel para uma
sociedade detida em parceria com a Helios Investments e alegam que voltou a
fazê-lo ao permitir a incorporação de activos na Oi. Na semana passada, os
accionistas da Unitel anunciaram que estão a ponderar “opções legais” para
defender os seus interesses.
Condições da oferta
Para já, no
âmbito da OPA vão ter início “de imediato um conjunto de contactos com as
entidades relevantes”: Oi, Ongoing, Novo Banco, Visabeira, Controlinveste,
entre outros. No anúncio, é referido que "a oferente tenciona manter as
grandes linhas estratégicas definidas pelo conselho de administração da
sociedade visada e os objectivos inerentes aos acordos celebrados entre a
sociedade visada e a Oi", mas a verdade é que, além das aprovações das
entidades reguladoras, Isabel dos Santos avança uma série de condições para
concretizar a oferta.
Entre elas a
alteração dos estatutos da PT SGPS para que a Terra Peregrin possa adquirir
mais de 10% do capital da PT SGPS e votar na assembleia geral em conformidade
com a posição efectivamente detida (a não aprovação em assembleia geral da
desblindagem dos estatutos da PT que limitam a participação social e o direito
de voto a 10% do capital ditou a morte da OPA da Sonaecom em 2007).
Por outro lado, a
Terra Peregrin impõe condições no que diz respeito aos termos dos acordos
assinados entre a PT e a Oi. A empresária exige que até ao 30.º dia a contar da
data da liquidação da operação seja suspenso o processo de combinação de
negócios entre a PT e a Oi, que estas sociedades fiquem impedidas de alienar
activos relevantes e aceitar propostas pelos mesmos no decurso da operação e
que seja eliminada a imposição à PT SGPS do limite de 7,5% de direitos de voto
na futura CorpCo. Também quer que se elimine a obrigação imposta à PT SPGS de,
durante a vigência da opção de compra de reaquisição de acções da Oi, só poder
fazê-lo através deste mecanismo.
Na sequência
deste anúncio, a Comissão do Mercado de Valores Mobiliários decidiu nesta
segunda-feira suspender a negociação das acções da PT.
A nossa capital já é Luanda?
José Manuel
Fernandes / OBSERVADOR
http://observador.pt/opiniao/nossa-capital-ja-e-luanda/
Não consigo
compreender o entusiasmo com a OPA de Isabel dos Santos. Será que não entendem
que defende os seus interesses, e que os interesses da oligarquia angolana
nunca serão os nossos interesses?
Vamos lá ver se
percebi bem. A venda da PT Portugal a uma empresa francesa é um crime de
lesa-pátria. Já a venda da Portugal Telecom SGPS a uma empresária cuja fortuna
é indissociável de ser filha do Presidente de Angola é uma espécie de reedição
de defenestração de Miguel de Vasconcelos, de segunda Restauração.
Portugal tem
coisas que não se entendem.
Durante anos a
fio a existência de uma golden share na PT só teve efeitos perniciosos:
proteção da sua posição dominante no mercado, utilização da empresa para fins
políticos, aventura da Oi e por aí adiante. Mesmo assim, o professor das noites
de domingo da TVI entende agora, três anos depois, que acabar com a golden
share foi um erro.
Durante anos a
fio não houve cão nem gato que não falasse da importância estratégica do
Brasil. No dia em que, num negócio com o Brasil, está em causa o destino de uma
empresa portuguesa, passa a ser necessário “enfrentar os brasileiros”, algo que
só por si “merece uma saúde”.
Num dia, o
destino de Portugal é a Europa. No dia seguinte, o Brasil. Ou talvez não, é
antes “a lusofonia” (fica mal dizer que é apenas Angola). Não há apenas
desnorte na forma como se saltita de destino estratégico em destino estratégico
– há também algum cheiro a ranço. Quando o professor diz que prefere Isabel dos
Santos porque “prefere lusófonos a não lusófonos, que eu não sei quem são”, não
está a apenas a dizer uma coisa que pensa ser popular: está a apelar ao tipo de
sentimentos pós-imperiais que sempre nos impediram de olhar para Angola como
uma oligarquia condenável – o mesmo tipo de sentimentos e de estratégia que nos
levou, por exemplo, a ceder à chantagem e a aceitar a Guiné Equatorial na CPLP.
Espero
sinceramente que a oferta de Isabel dos Santo seja julgada pelas autoridades
competentes apenas pelo que é: uma oferta que tem de fazer pela vida no
mercado, convencendo accionistas e investidores (e a oferta, pelo valor que
hoje tem, é uma má oferta, ficando 30% abaixo da cotação média das acções nos
últimos seis meses). Mais nada. Mas temo que isso não suceda.
Ao contrário do
que hoje vi sugerido em muitas notícias, não há nenhum altruísmo nesta OPA. Isabel
dos Santos já tem interesses no mercado português de telecomunicações, através
da NOS, e qualquer movimento de consolidação com a PT não seria bom para a
concorrência e, por isso, para os consumidores. Isabel dos Santos também quer
influenciar os termos das venda da quota da Oi na Unitel, a empresa de
telecomunicações brasileira de que também é sócia. Talvez também queira entrar
a sério no mercado brasileiro, mas isso exige muito mais músculo financeiro do
que 1,2 mil milhões que agora oferece. No meio disto tudo falar de “proteção da
PT Portugal” e do seu “centro de inovação” é poeira para os olhos – é dizer o
que algumas pessoas querem ouvir, mas não deve levar-nos ao engano.
Mas há mais e
mais importante. E esse mais importante é que as posições que Isabel dos Santos
já detém em Portugal não nos deixam tranquilos. Uma posição no BPI. Outra
posição no BIC, o banco dirigido por Mira Amaral que ficou com os despojos do
BPN. Uma quota do ex-BESA, o antigo BES Angola. Uma parceria com a Sonaecom
para controlo da NOS. Uma participação indirecta na Galp. E um número
desconhecido de propriedades. Pelo menos.
Não foi o génio
empresarial de Isabel dos Santos que lhe permitiu ir acumulando todas essas
posições – as qualidades próprias da filha do presidente de Angola sempre foram
alavancadas pelo poder do pai. Muitas das posições que tem em empresas
portuguesas conseguiu-as no quadro de negociações para a entrada de empresas
portuguesas em Angola. Mais: é sabido que em Angola só se pode investir tendo
sócios locais, e que Isabel dos Santos sempre pode escolher os melhores
negócios.
A empresária tem
um estilo e uma presença mais sofisticado (mais civilizado?) do que outros
investidores angolanos que se distinguem pela forma como exibem as suas
fortunas em restaurantes ou adquirindo apartamentos de luxo, mas isso não a
distancia do seu tipo de práticas. Isabel dos Santos ainda não tem, que se
saiba, investimentos em órgãos de comunicação social portugueses, ao contrário
do que sucede com outros oligarcas angolanos, que já têm posições relevantes ou
de controlo em jornais como o Diário de Notícias, Jornal de Notícias, i e Sol,
até em rádios como a TSF, mas isso não a impediu de passar a controlar a edição
da Forbes para os PALOP apenas quatro meses depois daquela revista ter
publicado uma reportagem em que denunciava as origens da sua fortuna. Há quem
pense que o silêncio se compra.
Isabel dos Santos
também não avança nesta OPA apenas com a força dos seus dólares – ela também
sabe que continua a contar com o facto de ser filha de quem é. É que na Oi
também tem participação o BNDES, o braço financeiro do governo brasileiro, e,
como já hoje foi recordado, ninguém em Brasília quererá indispor a família
presidencial angolana pois há demasiados negócios brasileiros em Angola.
Quando se está
sem dinheiro, como Portugal está, como os empresários portugueses estão, é
compreensível que se aceite a entrada de dinheiro de quem o tem. E os oligarcas
angolanos, imensamente ricos num país imensamente pobre, têm muito dinheiro. Mas
quando se trata de optar entre dinheiro angolano e dinheiro francês, ou mesmo
dinheiro brasileiro, a súbita paixão de tantos comentadores e editorialistas
por Isabel dos Santos deixa-me perplexo.
Portugal
orgulha-se de ter sido o único Império que, um dia, transferiu a sua capital
para um das suas colónias, no caso o Rio de Janeiro, para onde foi a corte de
D. João VI. Portugal não se orgulhará de, estando na União Europeia, ter
deixado uma boa parte da sua capacidade de decisão soberana fugir para Luanda. Aí
a única corte conhecida é a de José Eduardo dos Santos, o pai de Isabel.
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