Uma tarde de “embalo semântico”
com muitas críticas ao governador do Banco de Portugal
CRISTINA FERREIRA
e PAULO PENA 19/11/2014 – PÚBLICO
Maria Luís Albuquerque revelou aos deputados que “sabia que o BdP tinha um
plano de contingência” para o BES antes de lhe ter sido comunicada a decisão
final. E avaliou criticamente o trabalho do regulador: “Falhou aqui muita
coisa. Primeiro as auditoras, depois a supervisão”.
Um exemplo de
“embalo semântico” (a expressão requer explicação, mais adiante)? Maria Luís
Albuquerque, ministra de Estado e das Finanças, está a explicar aos deputados
quando teve conhecimento da decisão de Carlos Costa, governador do Banco de
Portugal (BdP), de “resolver” o BES, criando um “banco bom”, o Novo Banco, e um
“banco mau”, só com créditos difíceis de recuperar. Primeiro, a ministra diz
que só teve conhecimento quando a decisão já estava tomada. "O senhor
governador não me consulta. Comunica-me.” Garantiu, então, que só foi informada
a 1 de Agosto, depois da decisão do conselho de governadores do BCE.
Porém, no final
da audição, quase seis horas depois de ter entrado na sala 6 do corredor
parlamentar das comissões, a história tornou-se mais complexa… Quando lhe
perguntam pela coincidência de haver uma reunião do Conselho de Ministros, que
aprova uma alteração à lei que permite, justamente, a resolução bancária, na
véspera de lhe ser comunicada por Carlos Costa a resolução do BES, Maria Luís
admite que sabia mais. “Sabia que o BdP tinha um plano de contingência. O
Governo sabia por que razão é que o BdP estava a pedir a alteração à lei”,
revelou.
Logo no início da
audição, passavam 14 minutos das três da tarde, a ministra usou o mesmo estilo
de resposta para responder a outra dúvida dos deputados. Começou por garantir,
na sua intervenção inicial, que “o Governo nunca apreciou qualquer
recapitalização pública do BES”. Logo na primeira ronda de perguntas, do
deputado do PSD Duarte Pacheco, admitiu ter sido criado, tal como o PÚBLICO
noticiou ontem, um grupo de trabalho para “operacionalizar” a hipótese de
recapitalização pública. Aí, desvalorizou a importância desse passo. “Era
preciso manter contactos fáceis, num cenário de contingência”, referiu,
comprando o exercício a um “simulacro dos bombeiros, sem nada de concreto”.
Logo a seguir,
admitiu que existia uma linha de recapitalização disponível. Depois, clarificou
as suas palavras neste mesmo Parlamento, em Julho, garantindo que tinham sido
mal interpretadas: “Aquilo que sempre dissemos é que o Estado não está
disponível para recapitalizar o GES, a parte não financeira.” O banco não. “O
mecanismo de recapitalização pública estava disponível. Não responderia que
não, por princípio, como fizemos para o GES.”
Contudo, apesar
de não ter sido sua a decisão, a ministra considera que a opção pela resolução
foi a melhor. “A resolução foi a melhor decisão para o erário público. Não fui
eu que tomei a decisão, mas concordo.”
É esta a
explicação para o “embalo semântico” - uma expressão que muito divertiu a
ministra - usada por Mariana Mortágua do BE. No fundo, a crítica é a mesma que,
momentos antes, tinha motivado um acesso de rispidez a Maria Luís Albuquerque
quando Miguel Tiago, do PCP, apontara discrepâncias entre o que a ministra
dizia sobre o mesmo assunto.
Foi também nessa
altura que começaram a surgir, nas respostas da ministra, as maiores críticas
ao governador do BdP. Este é um best-off: “Entre o dia 13 de Junho e o dia 7 de
Julho tive inúmeros contactos com o governador do BdP que me reiterou que não
havia riscos para a estabilidade financeira”; É com base nas garantias do BdP
que faço essas afirmações [sobre a ausência de risco no BES]”; “Tenho de confiar
no que o supervisor me diz”; “Falhou aqui muita coisa. Primeiro as auditoras,
depois a supervisão. É algo que tem de ser analisado…”.
Quase no final,
Maria Luís Albuquerque temperou esta visão das coisas. “Confio pessoalmente no
senhor governador.” Aliás, com mais ou menos “embalo”, a ministra revela um
domínio perfeito da técnica parlamentar, embora nunca tenha exercido a função.
Não se lhe nota um único gesto de “medo cénico”, mesmo falando numa comissão de
inquérito, transmitida em directo pela televisão, e com depoimentos
escrutinados ao milímetro por jornalistas, assessores, banqueiros, advogados.
Apesar de tudo, a
explicação para o destino dado ao BES coincide, nos depoimentos de Maria Luís
Albuquerque e Carlos Costa. Parece pouco “económica”, mas é a mesma, quase
ipsis verbis. “Precipitação de acontecimentos.”
Se Carlos Costa
mostra ter preferido outra solução, o célebre “plano A”, ou seja, a
recapitalização do BES, a ministra mostra ter uma preferência pelo “plano B”, o
que foi adoptado, a resolução. De resto, Maria Luís Albuquerque repetiu, três
vezes, a mesma ideia: “Nunca, em momento algum e por qualquer entidade, foi
solicitado ao Governo a recapitalização com dinheiro público do BES. Nunca foi
feito qualquer pedido.”
Então o que fez
Vítor Bento, quando foi ao ministério das Finanças? A 30 de Julho, dois dias
antes do fim do BES ser decidido, Vítor Bento, acompanhado por José Honório e
Moreira Rato, solicitaram à ministra uma reunião, "pois estavam muito
preocupados com o volume de prejuízos" semestrais de 3600 milhões, os
maiores de sempre da história empresarial portuguesa. “Não foi uma proposta,
não foi um pedido, foi uma pergunta a que dei uma resposta. (…) Vítor Bento não
me veio pedir dinheiro. Perguntou se seria possível usar um mecanismo [os
CoCos, usado no Banif]”.
O mesmo se passou
com Ricardo Salgado. "Tive várias reuniões com Ricardo Salgado e outros
gestores", durante o primeiro semestre, "e o que esteve sempre em
cima da mesa eram pedidos de apoios públicos ao GES (área não financeira) que
não fariam sentido".
Sem comentários:
Enviar um comentário