Por que tem êxito o Podemos?
Pablo Iglesias, “um líder de
mente incisiva e vontade bolchevique”
Jorge Almeida
Fernandes / 30-11-2014 / PÚBLICO
1. O Podemos
divulgou esta semana as grandes linhas do seu programa económico. É uma
proposta de tipo social-democrata “de há 30 anos”, como há semanas a qualificou
o seu líder, Pablo Iglesias. Na campanha para as eleições europeias de 25 de
Maio, o Podemos propunha a suspensão do pagamento da dívida ( default) e,
implicitamente, a saída do euro. Era um programa de ruptura, antieuropeísta e
anti-imperialista. Na véspera do voto, Iglesias fez uma inflexão e declarou que
a saída do euro seria um absurdo. Daí em diante, à medida que subia nas
sondagens, ele “moderava” o programa económico — para acabar a apontar os
países nórdicos como seu modelo de sociedade.
Desapareceram
também promessas como a reforma aos 60 anos ou “a renda para todos os
cidadãos”, trabalhassem ou não. Iglesias passa a proclamar agora que o seu
programa é “realista”, denunciando as promessas “irrealistas” que o Partido
Popular (PP) e o PSOE fizeram nas últimas eleições. A versão “rupturista”
coadunava-se com o percurso político dos seus fundadores, vindos da
extrema-esquerda, dos movimentos de protesto antiglobalização e do populismo
sul-americano — a Venezuela de Chávez ou a Bolívia de Morales.
“Eles são
pragmáticos. Se precisam de mudar o discurso para alcançar os seus objectivos,
mudá-lo-ão. Querem obter votos da direita e da esquerda, aquilo a que chamam
transversalidade” — explicou ao El País Heriberto Cairo, decano da Faculdade de
Ciências Políticas da Universidade Complutense de Madrid.
Cairo sabe do que
fala. O Podemos nasceu na Complutense e é dirigido por cinco dos seus
professores: Iglesias, Iñigo Errejón, Juan Carlos Monedero, Carolina Bescansa e
Luis Alegre, todos de Ciências Políticas. Cairo foi o director de tese de
Iglesias e de Errejón. Tem orgulho nos discípulos: “Se há alguma coisa a
sublinhar no Podemos é o magnífico exercício com as tecnologias de informação e
comunicação aplicadas à política. É uma absoluta novidade e marcará a forma de
fazer política.”
2. O que mais
interessa Iglesias não é o programa económico mas ocupar “a centralidade” no
tabuleiro político. Para isso definiu um novo sujeito, “a gente”, e um inimigo,
“a casta” política. “Gente” já não é o povo nem o proletariado. Não se trata de
fazer a revolução mas de “empoderar la gente”. Considera que, desde a queda do
Muro de Berlim, o eixo esquerdadireita deixou de ser operacional. Prefere, de
acordo com o actual clima da opinião pública em Espanha, combater em torno de
dois outros eixos: cidadãos/elite e novo/velho. Estabelece como meta a
demolição do “regime” herdado da Transição de 1978.
O primeiro
segredo de Iglesias foi ter deixado de falar para a esquerda e falar para a
“gente”. O segundo foi ter conseguido entrar em sintonia com o estado de
espírito dos espanhóis. Não é um propósito genérico nem uma acção empírica. Os
politólogos trabalham, estudam os inquéritos, testam as propostas. O Podemos
quer dizer “aquilo que as pessoas pensam”. Os grandes partidos só agora começam
a perceber um fenómeno que menosprezaram.
O
descontentamento com a economia e com o funcionamento das instituições e a
insuportável multiplicação dos escândalos de corrupção são o caldo de cultura
do seu sucesso. Os inquéritos indicam que, mais do que a frustração económica,
capitaliza a degradação das instituições. Os cidadãos “zangados” que mais atrai
“são os indivíduos de maior formação, os mais críticos perante a situação
política, os que assinalam com mais intensidade a corrupção e a classe política
[e não o desemprego] como o principal problema do país. Por outras palavras,
tratase de cidadãos ‘zangados’ mas não de quem mais directamente sofre os
efeitos da crise”, explica a politóloga Sandra León.
O Podemos ocupou
um vasto “nicho de eleitores” desiludidos com os partidos tradicionais. “Mas a
principal chave do seu êxito é que consegue ser atractivo em sectores muito
diferentes do eleitorado”, sublinha outro cientista político, José
Fernández-Albertos. “O descontentamento (...) é em Espanha muito mais
transversal do que qualquer das ideologias dos partidos tradicionais. E isto dá
ao Podemos uma vantagem nas urnas em relação aos rivais.”
Tem um eleitorado
“camaleónico”. Ou seja: “É percebido na esquerda como muito à esquerda e, entre
os moderados, como substancialmente moderado. (...) Por quanto tempo conseguirá
o Podemos manter esta transversalidade de apoios? Acabará este camaleonismo
quando a opinião pública conhecer melhor as suas propostas concretas?”
Fernández-Albertos
admite que o eleitorado de Iglesias esteja a atingir o seu tecto. A menos que
se verifique uma derrocada do PSOE (até agora o partido mais afectado) ou que
passe a atrair um muito maior número de eleitores do PP (hoje atrai 7%).
“[O Podemos] pôs
um espelho à frente da sociedade. Dedica-se a reproduzir os sentimentos da
gente, reafirmando o estado de desolação que atravessa o país”, escreve outro
politólogo, Ignacio Urquizu. “Um dos paradoxos do Podemos é que, sendo um
produto da crise política, a sua forma de fazer política contribui para a
descrença. Ou seja, recuperar a confiança na política implicará algo mais do
que dizer o que as pessoas querem ouvir, justamente a base do êxito do
Podemos.”
Por outro lado,
“referir a nossa democracia como um regime não é inocente”. O seu jogo de
palavras sobre “o final de um regime” não só põe em causa tudo o que a
democracia espanhola realizou como visa desmantelar o legado da Transição em
nome de um vago “processo constituinte” cujo conteúdo e metas Iglesias não se
dá ao trabalho de precisar.
3. Há outro tipo
de críticas, como a do historiador Antonio Elorza. “A linguagem dúplice permite
[a Iglesias] esconder o que está do outro lado do espelho. Aqui entra em jogo a
autêntica revolução Podemos, materializada na comunicação política desde a
utilização constante da videocracia ao desenvolvimento da técnica de acesso e
controlo do poder através da Rede.”
No Podemos, há um
simulacro de democracia directa. A extrema difusão do “ágora electrónico”
coincide com o centralismo e com a personalização do poder. Este está
concentrado no grupo dirigente e no secretário-geral. A capacidade de liderança
de Iglesias não deve ser menosprezada. A construção do partido, desde a escolha
do nome, foi minuciosa e competentemente preparada.
A título de
curiosidade, transcrevo as palavras de homenagem que Iñijo Errejón lhe dedica
no capítulo de agradecimentos da sua tese, em 2012. “Em Pablo Iglesias
encontrei um companheiro de mente incisiva e vontade bolchevique, assim como um
permanente estímulo intelectual. Ensinou-me que a arte da guerra se pratica com
método e firmeza, fazendo mais do que dizendo, como eu gosto.”
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