As areias movediças que cercam a
consagração de António Costa
O ambiente socialista não está para ebulições. O novo líder quer a
pacificação interna e o escândalo da detenção de Sócrates aconselha contenção. No
entanto, há divergências que podem inflamar o conclave
Nuno Sá Lourenço
/ 29-11-2014 / PÚBLICO
A“estratégia”
montada por António Costa está pensada para limitar os danos, os socialistas
“sabem o que está em jogo” e a “lógica da autodefesa” já entrou em campo. Apesar
de, historicamente, os conclaves socialistas ficarem sempre marcados por
intervenções que fogem ao guião do líder, existe a percepção, no interior do
principal partido da oposição, de que há pouco espaço de manobra para surgir
contestação no XX Congresso do PS.
“Este congresso
não terá utilidade, vai desenvolver-se dentro do mesmo ritual de há cinco ou
seis anos: entronização do secretário-geral”, reconhecia um ex-parlamentar que,
apesar disso, admitia comparecer na Feira Internacional de Lisboa, no Parque
das Nações.
Com o PS na
“corda bamba”, no seio das diferentes facções internas reconhecia-se o
potencial de risco. Uma situação demasiado séria e explosiva. “Os militantes
têm a total noção do que está em jogo”, dizia ontem um ex-dirigente distrital. “A
estratégia de Costa não vai sair fora dos carris”, vaticinava.
Além disso,
reconhecia outro antigo líder federativo, o “calculismo” estava instalado nas
hostes. “Muitos já entraram numa lógica de autodefesa”, explicava esse
socialista, antes de lembrar que ontem estava “tudo a tratar das listas”. E,
contudo, o risco permanecia. “Basta que a alguém desagrade algumas mudanças de
última hora [nas listas]”, admitia esse antigo dirigente.
Seguristas nas
redes sociais
No mesmo dia da
detenção de José Sócrates explodiam os comentários nos vários grupos de
reflexão socialista espalhados pelo Facebook. E para lá das declarações de
revolta, o que surpreendia eram os posts apontados ao ex-primeiro-ministro. Num
destes grupos, o Corrente de Opinião Transparência e Socialismo (criado à
boleia das primárias e que tinha entre os seus membros dirigentes seguristas
como Carlos Zorrinho ou António Galamba), a 25 de Novembro defendia-se que era
necessário tirar lições das detenções de Sócrates e do ex-director do SEF:
“Para que todos aprendam que, para governar este país, precisam de ser, antes
de mais, honestos, correctos e sérios, caso contrário vêem os seus dias com
extensa escuridão.”
Noutro grupo, o
Movimento Cívico Socialistas Inconformados, um membro reagia aos ataques à
Justiça. “Se a justiça na praça pública é condenável (e eu obviamente considero
que sim), então tão errado é partir-se da ideia de ‘culpado’ por antecipação
como de ‘inocente’ por antecipação. Deixemos a Justiça seguir o seu rumo porque
a separação de poderes é um elemento-base da democracia.”
Os comentários
tanto geravam reacções positivas como negativas. Mas o debate prosseguiu ao
longo dos dias.
Um antigo
deputado e ex-dirigente socialista admitia, no entanto, o reduzido espaço de
manobra desta facção para levantar ondas no congresso. “A intervirem, só se
fosse numa lógica construtiva”, vaticinou. Fosse através de propostas a favor
da transparência, fosse pela proposta de um regresso de António José Seguro a
um cargo de responsabilidade com o apoio do PS.
E depois há ainda
a incógnita denominada Francisco Assis. O agora eurodeputado pode inflamar o
congresso com uma intervenção em defesa de uma coligação governamental com o
PSD. Uma linha de argumentação em clara divergência com o discurso actual de
António Costa, que tem colocado maior ênfase numa negociação com alguma
esquerda política. Ainda assim, um dirigente afirmava que, tendo em contas
outros materiais explosivos, esse até seria um tema benigno.
Históricos “não
obedecem”
Há um dilema que
afecta sempre qualquer liderança socialista. Qualquer secretário-geral gosta de
ter ao seu lado os seus antecessores em determinados momentos políticos. O problema
é que os senadores socialistas são uma faca de dois gumes. As suas declarações
produzem sempre impacto, mas a verdade é que são incontroláveis. Como
reconhecia um ex-dirigente referindo-se a um desses históricos, quando falam
“não obedecem a ninguém”.
Foi o que
aconteceu com Mário Soares, em Évora, à saída da prisão depois de visitar José
Sócrates. Tinha prometido não falar à imprensa e depois foi o que se viu. Ao
que o PÚBLICO apurou, os alarmes soaram em Lisboa quando o também histórico
Manuel Alegre confirmou a sua presença no congresso e admitiu abordar o tema
quente de Sócrates. Houve movimentações para tentar fazer ver ao ex-candidato a
Presidente da República o risco de uma intervenção inflamada sobre o
ex-primeiro-ministro.
Os perigos não se
limitam à defesa do ex-primeiro-ministro e ex-líder socialista detido. O oposto
pode também acontecer. Um exemplo disso pode ser lido no blogue do empresário
Henrique Neto. Desafiou Costa a “limpar a casa no próximo congresso”,
insurgindo-se contra os que atacavam a Justiça. “O PS não pode, sob a capa da
chamada unidade de todos os socialistas, continuar a ser o partido dos
interesses, da distribuição de benesses e mordomias e do enriquecimento ilícito
de alguns dos seus militantes e promotores.”
Em defesa do
ídolo
Um dirigente
nacional confirmava-o ontem ao PÚBLICO. Entre os aliados de sempre do
ex-primeiro-ministro discutia-se a mobilização das tropas para a FIL. “Alguns
deles estão desejosos de tentar levantar o congresso e envolver o partido.”
Ao longo dos
últimos dias, alguns destes ultrapassaram a barreira levantada por António
Costa, quando, por mensagem telefónica aos militantes, avisou que era tempo de
deixarem a Justiça “fazer o seu trabalho”. O risco é da instalação de um
“ambiente emocional” que acabe por descambar no congresso.
Edite Estrela
repescou a teoria da conspiração logo no dia seguinte à detenção. “Qual a
melhor forma de desviar as atenções do escândalo dos vistos gold?”, escreveu no
Facebook. O deputado André Figueiredo falou na necessidade da “legítima defesa”
perante um “assassinato na praça pública”.
Mas a declaração
de José Sócrates, na qual este separou o seu processo do PS, retirou o tapete a
essas movimentações. E o melhor barómetro dessa inversão foi a forma como a
ex-eurodeputada Edite Estrela falou um dia depois. Falou em “excesso de ruído”
e defendeu que o PS tinha de “se concentrar nas suas responsabilidades para com
os portugueses”.
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