Governo foi derrotado pela revolta nas bancadas do PSD e do PS
Marques Guedes deu indicações ao
PSD para aprovar proposta de reposição das subvenções vitalícias, que reflecte
intenção dos sociais-democratas do executivo. CDS esteve sempre contra
A tensão
foi subindo de tom ao longo da tarde e da noite de quinta-feira. Muitos
presidentes de distritais do PSD ameaçaram indicar aos deputados para votar contra
a proposta e avisaram Passos Coelho dessa intenção
Nuno Sá Lourenço
e Sofia Rodrigues / 22-11-2014 / PÚBLICO
A proposta de
reposição das subvenções vitalícias dos políticos veio do próprio Governo, que
defendeu a necessidade de alterar este quadro legal em resultado do acórdão do
Tribunal Constitucional na parte relativa às pensões de reforma, apurou o
PÚBLICO.
Paulo Portas
esteve contra esta alteração, que acabou por entrar no Parlamento por via de
dois deputados do PSD e do PS, pertencentes ao conselho de administração da
Assembleia. Foi neste cenário que o ministro da Presidência, Luís Marques
Guedes, deu indicações ao grupo parlamentar do PSD para manter a votação
prevista e aprovar, logo na quinta-feira, na especialidade, a proposta. Nas
bancadas do PSD e do PS, os deputados ameaçaram revoltar-se e votar contra, o
que levou à retirada da proposta.
Caso não houvesse
um recuo, o CDS preparava-se para pedir publicamente a retirada, depois de ter
optado pela abstenção na especialidade. Portas manteve uma divergência sobre
esta reposição no seio do Governo e defendeu que faz sentido manter a condição
de recursos aplicada aos políticos que beneficiam desta pensão. “Há um erro na
substância e afectaria a credibilidade do Orçamento”, disse ao PÚBLICO uma
fonte próxima do vice-primeiro-ministro.
A indicação de
Marques Guedes para votar foi dada na quinta-feira, depois de o líder da
bancada do PSD, Luís Montenegro, ter pretendido adiar a votação da proposta de
alteração ao Orçamento do Estado subscrita por Couto dos Santos (PSD) e José
Lello (PS), perante o incómodo que estava a gerar internamente. Até por vontade
do PS, a proposta foi mesmo votada na especialidade.
Nesse momento, a
bancada do PSD esvaziou-se de repente, tendo ficado apenas os deputados da
comissão que estavam a seguir as votações, proposta a proposta. Era um sinal de
que havia desconforto. A tensão foi subindo de tom ao longo da tarde e da noite
de quinta-feira. Muitos presidentes de distritais do PSD ameaçaram indicar aos
deputados para votarem contra a proposta e avisaram Passos Coelho dessa
intenção. Caso não fosse retirada, o plenário poderia ter assistido à primeira
revolta pública da bancada do PSD, nesta legislatura, contra uma proposta que
tinha a bênção do Governo.
No PS, o
sentimento não era diferente. Alguns deputados reconheceram ao PÚBLICO terem
sido bombardeados com reacções negativas, provenientes da “estrutura interna”
do PS. “Chamar àquilo um erro é pouco. A malta estava passada”, admitiu um
parlamentar que precisou que o desconforto ia mais fundo do que a bancada. “Era
mesmo o PS, o partido”, afirmou, antes de falar em dezenas de mensagens
recebidas em menos de dois dias.
Essas démarches
foram confirmadas por outros deputados do PS. Qualquer um destes solicitou
recato da sua identidade para evitar a “descortesia” de assumirem uma crítica
directa aos proponentes do fim da suspensão. E também por sentirem o
“desconforto” de verem a bancada em maus lençóis, como, aliás, se tornou
visível quando o deputado socialista responsável pela coordenação do debate
orçamental, Vieira da Silva, teve de vir a público contestar a ideia de recuo.
“Sempre dissemos
que esta questão não era uma prioridade do debate orçamental para o PS. Mas, ao
contrário de outro partido [o PSD], também não fiz nenhum salto mortal para
fingir que não dissemos, como dissemos, que não levantaríamos obstáculos a essa
proposta”, sustentou Vieira da Silva depois do encerramento dos trabalhos.
Exemplo desse
desconforto foi a reacção da JS/Porto. Aquela organização assumiu, em
comunicado, que repudiou “de forma veemente” a possibilidade da reposição,
classificando-a como “incompreensível” e “perfeitamente absurda”.
Ao que o PÚBLICO
apurou, chegaram queixas ao executivo de que alguns ex-políticos menos
mediáticos estavam a viver dificuldades, já que, se o rendimento do agregado
familiar superasse os dois mil euros, perdiam o direito à subvenção. Mas se a
proposta fosse aprovada, todos os antigos políticos seriam beneficiados,
independentemente dos seus rendimentos. O PÚBLICO pediu à Caixa Geral de
Aposentações informações sobre quem beneficia da subvenção vitalícia, mas não
obteve resposta.
Fonte da bancada
da maioria lembra que a reposição das subvenções seria feita com um corte
acumulado de 30%. Mas perante o risco de uma revolta interna e o alarido
mediático em torno da reposição das subvenções, Luís Montenegro pediu ontem de
manhã a Couto dos Santos para retirar a proposta, o que foi aceite pelo
deputado. E depois comunicou a decisão ao líder da bancada do PS, Ferro
Rodrigues.
Depois do anúncio
do recuo, em plenário, Luís Montenegro veio dizer que “a vontade política dos
deputados da bancada não era aprovar esta proposta” e que a votação na
especialidade também “não reflectiu” essa vontade. Na bancada do PS, Vieira da
Silva defendeu a solução, mas disse que não era a “prioridade” do partido.
Pelo CDS, o líder
do grupo parlamentar, Nuno Magalhães, assinalou o seu distanciamento, dizendo
que o partido “não assinou, não votou” e que “sempre teve noção de que não é
altura para reposições”.
A oposição
aproveitou para lançar duras críticas. Mariana Mortágua, do BE, disse ser “uma
vergonha” a votação que aconteceu na véspera. O líder da bancada comunista
reiterou ser contra as subvenções e defendeu a sua revogação total.
As versões sobre
o papel de Passos Coelho na gestão deste caso divergem. Segundo algumas fontes
sociais-democratas, o seu papel foi determinante para travar a proposta. Já
outras apontam que terá sido apenas informado do recuo pelo
líder
parlamentar. O certo é que a questão gerou tensão interna, mesmo na cúpula.
Carlos Carreiras,
vice-presidente do PSD, insurgiu-se fortemente contra a reposição das
subvenções no Facebook. Depois do recuo, o autarca deu um sinal de que Passos
Coelho estava também em desacordo. “Não posso deixar de partilhar o quanto me
sinto privilegiado de ser um apoiante incondicional de Pedro Passos Coelho e o
orgulho em que seja presidente do PSD e primeiroministro”, escreveu, em
associação com uma notícia que informava da retirada da proposta.
Do lado do PS, os
contactos junto de António Costa deram eco do distanciamento do futuro líder
socialista. Perante o pedido de esclarecimento do PÚBLICO, a resposta recebida
foi categórica: “António Costa não teve interferência.” E foi rejeitada a ideia
de que as lideranças dos dois principais partidos tivessem discutido o assunto.
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