OPINIÃO
Um país de corruptos e de
minhocas
PEDRO SOUSA
CARVALHO 28/11/2014 - PÚBLICO
Os portugueses
são corruptos? Os nossos dirigentes e políticos são corruptos? São mais
corruptos do que os corruptos dos outros países? O Eurobarómetro da Comissão
Europeia diz que para 90% dos portugueses a corrupção é um fenómeno generalizado,
uma das percentagens mais elevadas entre os 28. Mas há quem pense o contrário.
Ainda todos se lembrarão desta frase assertiva de Cândida Almeida, dita em
2012, na altura directora do Departamento Central de Investigação e Acção Penal
(DCIAP): “O nosso país não é um país corrupto, os nossos políticos não são
políticos corruptos, os nossos dirigentes não são dirigentes corruptos.
Portugal não é um país corrupto. Existe corrupção, obviamente, mas rejeito
qualquer afirmação simplista e generalizada de que o país está completamente
alheado dos direitos, de um comportamento ético [...]."
Não sei se somos
um país muito ou pouco corrupto, mas nos últimos tempos onde a Justiça tem
mexido sai uma minhoca (esta expressão também é de Cândida Almeida, que a usou
a propósito do caso BPN). Se calhar, a Justiça passou a escavar onde antes não
escavava. Se calhar, temos mais minhocas. Se calhar, a crise secou a terra e
obrigou as minhocas a exporem-se mais. Sucedem-se todos os dias casos de
buscas, investigações, detenções, prisões e condenações de banqueiros,
políticos, altos quadros do Estado, gente poderosa que não estávamos habituados
a ver a braços com a Justiça.
Ainda ontem, a PJ
fazia buscas na casa de Ricardo Salgado e de outros membros do clã Espírito
Santo, num caso que envolve suspeitas de crimes de burla qualificada, abuso de
confiança, falsificação de documentos, etc. Como se os casos BES, BCP, BPP e
BNP não bastassem, ontem o jornal i também dava conta de que o presidente do
Banco Finantia e mais uns quantos foram condenados pelo Banco de Portugal numa
história que envolve alegada falsificação de contabilidade, offshores e
prestação de informação falsa. Isto tudo na semana em que pela primeira vez na
história da democracia portuguesa um ex-primeiro-ministro é detido, por
suspeitas de fraude fiscal qualificada, corrupção e branqueamento de capitais.
A Justiça já não
tem mãos a medir. Quem na PJ inventa os nomes de código para apadrinhar todas
estas investigações um destes dias ainda se arrisca a ganhar um prémio
literário: é a Operação Furacão, é o Monte Branco, é a Operação Labirinto, é o
Remédio Santo, é a Face Oculta... A operação de detenção de José Sócrates foi
apelidada de Marquês. Mais inspirado estivesse o funcionário da Judiciária e
talvez lhe tivesse dado o nome de Operação Último Tango em Paris. Mas não se
pode pedir mais a quem tantos nomes tem inventado.
São casos atrás
de casos. E é caso para dizer cada cavadela, cada minhoca. As minhocas não
apareceram hoje. Sempre tivemos corrupção. No futebol, nas autarquias, na
construção, na política, etc. A Justiça é que se calhar está mais competente.
Tem mais meios, há maior articulação entre a PJ e o Ministério Público, está
mais bem preparada para combater crimes de maior complexidade, e, se calhar,
tem mais vontade. Não muito longe vai o tempo em que procuradores do Ministério
Público no caso Freeport argumentavam ter ficado sem tempo para fazer 27
perguntas ao primeiro-ministro.
Hoje, a Justiça
parece estar a funcionar melhor. E não devemos ficar melindrados por elogiar a
Justiça. Naturalmente que ficamos sempre de pé atrás. Como diz o ditado, gato
escaldado tem medo de água fria. Mas a verdade é que temos assistindo a casos
inéditos na Justiça que nos fazem pensar não numa decadência de regime, mas na
sua regeneração. Por exemplo, o crime de tráfico de influências passou a fazer
parte do nosso Código Penal desde 1995. É possível que até agora só Armando
Vara e os amigos da Face Oculta tenham sido condenados à prisão pela prática
deste crime? Como dizia Germano Marques da Silva ao Expresso, "o tráfico
de influências não é mais do que uma cunha remunerada. E nós somos um país de
cunhas”.
A Justiça, para
ser respeitada, também tem de se dar ao respeito. É urgente travar casos
flagrantes de violação do segredo de Justiça. Quando chegou, Joana Marques
Vidal fez do combate à violação do segredo de Justiça uma bandeira. Continua a
meia haste.
E muito daquilo
que se pensa que é o caso BES e o caso Sócrates também nos leva a pensar que a
Justiça para funcionar melhor também precisa de mais ajuda do poder legislativo
e do poder executivo. Quando os sucessivos governos criam regimes como o RERT —
Regime Excepcional de Regularização Tributária, que não são nada mais do que
gigantescas máquinas de lavar dinheiro, estão a dificultar o trabalho à
Justiça, que fica assim impossibilitada de abrir um procedimento criminal ao
dinheiro que é repatriado para Portugal. E também ajudava se houvesse um
consenso no Parlamento para criminalizar o enriquecimento ilícito. Quem está na
política ou exerce cargos públicos não deveria temer a inversão do ónus da
prova. Para quem tem o dinheiro, é fácil provar a licitude da origem do
dinheiro. A não ser que lhe tenha caído do céu ou seja de origem ilícita. E
para a Justiça pode ser extremamente difícil fazer o contrário, ou seja, provar
a sua ilicitude.
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