Temos muita sorte
Vasco Pulido
Valente / 16-11-2014 / PÚBLICO
O dr. Cavaco acha
que não há uma crise política na República e que tudo corre normalmente.
primeiro-ministro Passos Coelho concorda com ele. Claro que, por aqui e por
ali, houve um ou outro percalço. Nada de importante. A sra. ministra da Justiça
permitiu que se criasse uma enorme trapalhada nos tribunais por causa da
“plataforma” Citius e continua por aí a ameaçar os putativos culpados, que não
aparecem. Mas Passos Coelho gosta muito dela e quer que ela fique
descansadíssima no seu lugarzinho. O ministro da Educação, Nuno Crato, presidiu
à mais confusa abertura do ano lectivo em vinte anos, mas, como sempre, o seu
querido chefe e amigo não se quis separar dele e até, para que não ficasse a
mais leve dúvida sobre o assunto, o elogiou em público.
Parte do Governo
caiu com certeza num buraco, porque não se ouve falar dele e, na baralhada de
títulos da Presidência do Conselho, não se consegue perceber o que é suposto
fazer cada um. Os sr. Poiares Maduro e o sr. Marques Guedes, de quando em
quando, ainda perpassam pela cena para se aliviar de alguma irrelevância. O sr.
Lomba não é visto desde 2013 e correm boatos sérios de que emigrou à socapa. De
qualquer maneira, para Passos Coelho, são essenciais. Sem eles, a Gomes
Teixeira não tinha com certeza a mesma alegria e a mesma vivacidade. Falta
evidentemente o grupo anónimo, que anda de carro preto, e de que não se conhece
com segurança a existência e o destino. O que não impede o dr. Cavaco de se
rever com satisfação na normalidade e no fulgor da nossa querida democracia.
Anteontem,
soubemos com espanto que a polícia suspeitava de corrupção, de peculato e de
branqueamento de capitais de 11 personalidades de consequência, entre as quais:
o director nacional do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, o presidente do
Instituto de Registos e Notariado e a secretária-geral do Ministério da
Justiça. Mais de 200 agentes da PJ revolveram e tornaram a revolver 60
escritórios de altos dirigentes da administração do Estado. Não se sabe o que
por lá encontraram. Seja como for, o ministro da Administração Interna, Miguel
Macedo, que conhecia alguns dos presumíveis patifes, resolveu, com senso de
responsabilidade e decência, apresentar a sua demissão. O primeiro-ministro
disse logo que não, que não era capaz de viver sem ele e que, evidentemente, a
actual situação, sendo inteiramente normal e quase feliz, não justificava um
gesto tão drástico. De Belém não veio um murmúrio.
Temos muita sorte.
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