Estado vende o pouco que resta
sem ganhar dinheiro
Em pouco mais de três anos, foram-se praticamente todos os anéis. O que
sobra para vender dará pouco ou nenhum encaixe. A par da TAP, o calcanhar de
Aquiles do Governo, restam apenas a EMEF, a CP Carga e a Carristur
“O Governo não tem por prática
revelar a receita esperada com as privatizações
Ministério da Economia “A
componente de segurança ferroviária estará sempre salvaguardada, seja no
cenário de privatização futura, seja se a empresa se mantiver na esfera
pública”, garante a tutela
Raquel Almeida
Correia / 16-11-2014 / PÚBLICO
Em pouco mais de
três anos, o Estado saiu do capital de 14 empresas. Muitas delas estratégicas.
Foram-se os anéis e, no fim de linha do programa de privatizações acordado com
a troika, restam apenas a TAP e três subsidiárias das transportadoras públicas:
EMEF, CP Carga e Carristur. O que as une é a reduzida expectativa de encaixe
financeiro. No caso da TAP, é a necessidade de injectar dinheiro fresco que
motiva a venda, já que a Europa proíbe ajudas estatais. Mas, para as empresas ligadas
aos transportes, o argumento é mais ideológico. O Governo defende que não há
razão para continuarem na esfera pública.
As previsões de
receitas com privatizações em 2015, inscritas no Orçamento do Estado (OE)
entregue em Outubro, não deixam margem para dúvidas. O Governo estima um
encaixe nulo com a venda de empresas no próximo ano. Mesmo que consiga
arrecadar umas escassas dezenas de milhões de euros com a alienação da TAP,
relançada na passada quinta-feira, é muito provável que nenhum dinheiro venha
da alienação de EMEF, CP Carga e Carristur, já que as duas primeiras dão
prejuízo e a última não vai além de lucros de 500 mil euros. Além disso, o
passivo que carregam reduzirá a pó qualquer expectativa de ganhos. O benefício,
para o Estado, é livrar-se deste fardo.
O segundo round
da privatização da transportadora aérea, após o fracasso da primeira tentativa
no final de 2012 com a rejeição da oferta de Gérman Efromovich, deverá garantir
um encaixe muito residual. Além de a TAP continuar a apresentar prejuízos e de
acumular uma dívida, a assumir pelos privados, na ordem dos 1000 milhões de
euros, o processo incluirá todo o grupo (nomeadamente, a deficitária unidade de
manutenção no Brasil). E, numa primeira fase, serão alienados 66% do capital.
Há dois anos, perante a privatização de 100%, Efromovich ofereceu apenas 35
milhões ao Governo, embora a situação financeira da empresa fosse pior.
Ainda na
quinta-feira, o secretário de Estado dos Transportes assumiu que o objectivo
não é fazer dinheiro, mas justificou a decisão com a necessidade de capitalizar
a TAP e permitir que continue a crescer. A proibição de auxílios estatais no
sector, a que todos os Estados-membros estão sujeitos, impede a entrada de
capital público, o que tem obrigado a empresa a muito jogo de cintura para não
perder o comboio numa indústria altamente competitiva.
Já em relação às
restantes três empresas que surgem na lista de privatizações do OE para 2015,
foi a própria ministra das Finanças que admitiu, no dia da apresentação do
documento, que as expectativas de receita são baixas. Questionado pelo PÚBLICO,
o Ministério da Economia preferiu não divulgar estimativas. “O Governo não tem
por prática revelar a receita esperada com as privatizações para não dar
qualquer indicação de preço mínimo ao mercado, salvaguardando assim o interesse
público”, respondeu a tutela.
Já no que às
motivações diz respeito, o ministério de António Pires de Lima deixou claro que
estas empresas podem perfeitamente ser geridas por privados. “Já operam no
mercado liberalizado e o serviço que prestam não configura um serviço público
cuja detenção accionista necessite de estar na esfera púbica”, afirmou fonte
oficial da tutela, acrescentando que “não subsiste qualquer razão para o Estado
deter empresas de transporte turístico [Carristur] ou concorrer no mercado de
manutenção [EMEF] ou carga ferroviária [CP Carga]”.
Apenas a
privatização desta última empresa estava, como a tutela lembra, “no Memorando
de Entendimen
to assinado pelo
anterior Governo” com a troika. A sua venda, que estava prevista logo para
2012, foi sendo sucessivamente adiada. O ministério justifica o atraso com o
facto de ter aguardado “pela definição do investimento público nas
infra-estruturas ferroviárias, entretanto aprovada pelo PETI3+”, um plano
estratégico apresentado este ano.
A Comissão
Europeia referiu recentemente que, na sequência da transferência dos terminais
ferroviários da CP Carga para a Refer, está em curso uma reavaliação financeira
da empresa, que a tutela diz estar ainda a ser feita “sob responsabilidade da
Direcção-Geral do Tesouro e Finanças”. Tendo em conta que a operadora de
manutenção já não tem terminais e praticamente também não dispõe de frota, nem
de recursos humanos próprios, o Governo respondeu que “serão privatizados os
activos afectos à operação que não estejam relacionados com a infra-estrutura”.
Uma “separação típica entre a operação e a infra-estrutura, à semelhança de
outros activos como a rede ferroviária ou as infra-estruturas aeroportuárias”,
exemplificou.
Mas, das três
subsidiárias dos transportes, a CP Carga poderá ser a última a ver a
privatização concretizada, já que o Ministério da Economia acredita que “as
primeiras operações a estar no mercado deverão ser a Carristur e a EMEF”, por
serem “de execução mais simples”. Os processos de alienação “estão em
preparação pelas empresas em articulação com o Governo”, acrescentou. A tutela
garantiu que os processos de concessão dos transportes públicos a privados, que
envolvem as empresas-mãe destas subsidiárias (a Carris e a CP), entre outras,
não vão afectar estas operações, nem em termos de modelo, nem de calendário.
“Os mercados são distintos e não há interferência”, assegurou.
A CP Carga, a
EMEF e a Carristur também são empresas muito diferentes. A primeira viu os
prejuízos aumentarem em 2013, para 23 milhões de euros, e a segunda passou de
lucros a perdas no espaço de um ano. Já a operadora do universo da Carris tem
conseguido manter-se em terreno positivo, embora os ganhos não cheguem a um
milhão de euros. Todas têm tentando sobreviver, nos últimos anos, às profundas
reestruturações que o sector enfrentou, nomeadamente às imposições para cortar
no pessoal.
No OE para 2015,
o executivo não vai além destas empresas no programa de privatizações para o
próximo ano, mas há outro caso, também do sector dos transportes, que ainda
levanta dúvidas. Apesar de não constar na lista, a Refer Telecom já foi
anunciada como vendável por António Ramalho, que preside ao grupo de trabalho
que está fundir a Refer com as Estradas de Portugal. No entanto, o Ministério
da Economia disse ao PÚBLICO que a empresa “é um activo a valorizar” no quadro
desta fusão, acrescentando que “a própria Estradas de Portugal aproveitará o
know
how desta
subsidiária para potenciar o canal técnico rodoviário”.
A Refer Telecom é
a única empresa do sector ferroviário que dá lucro. Em média, os seus
resultados líquidos rondaram os 2,6 milhões de euros nos últimos três anos. A
empresa foi criada em 2000 quando a Refer decidiu autonomizar a componente de
telecomunicações que está na base da segurança ferroviária. Aproveitando as
redes de fibra óptica existentes, a Refer Telecom começou a vender serviços
para o exterior que representam hoje 50% da sua facturação. A outra metade,
porém, é o contrato com a empresa-mãe destinado a permitir que os comboios
circulem em segurança.
A tutela veio
garantir que “a componente de segurança ferroviária estará sempre
salvaguardada, seja no cenário de privatização futura, seja se a empresa se
mantiver na esfera pública”. Uma eventual venda servirá, de acordo com a mesma
fonte, para “reduzir o enorme passivo financeiro da empresa, o que, de forma
directa, contribuirá para a diminuição da dívida pública”, já que a empresa
está integrada nas contas do Estado. com Carlos Cipriano
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