Ex-autarca não acredita que a
câmara consiga gerir o metro e a Carris
Marina Ferreira diz que o
município de que foi presidente “não tem capacidade para gerir transportes”.
Presidente do ACP considera que entregar a Carris e o metro à câmara só “para
satisfazer alguma clientela”
Com esta
direcção municipal e esta direcção da Emel, será “muito complicado planear a
rede” da Carris e do metro, diz Nunes da Silva
A Câmara de Lisboa “virou
as costas” aos transportes públicos ao longo das últimas décadas e o Estado
“tem sido um mau gestor” das empresas desta área. O veredicto é da
ex-presidente da Câmara de Lisboa Marina Ferreira que, apesar de defender que
“é preciso encontrar uma solução alternativa” que dê resposta às necessidades
de mobilidade, não acredita que o município tenha capacidade para assumir a
gestão da Carris e do Metropolitano de Lisboa.
Inês Boaventura /
14-11-2014 / PÚBLICO
“A câmara onde eu
trabalhei não tem capacidade para gerir transportes. A câmara que eu conheci
não tem capacidade para ser reguladora nem planeadora. Isso iria
inevitavelmente cair na área do urbanismo, onde a mobilidade e o trânsito eram
vistos como os chatos que vinham complicar tudo”, afirmou a actual presidente
da Administração do Porto de Lisboa (APL), que foi vereadora da Mobilidade da
Câmara de Lisboa (PSD) e presidente da comissão administrativa nomeada após a
queda do executivo de Carmona Rodrigues, em 2007.
Marina Ferreira
falava numa conferência sobre Mobilidade Urbana e Transportes, promovida pelo
PSD de Lisboa na noite de quartafeira, na qual não faltaram críticas à actuação
dos últimos executivos camarários. Os sucessivos Governos centrais também não
saíram incólumes, não só pelo que têm feito nas empresas de transportes, mas
também por não terem dado aos municípios um papel decisivo nas autoridades
metropolitanas de transportes.
“Lisboa,
historicamente, teve vereadores que projectaram obras, que pensaram quais eram
as necessidades do trânsito automóvel”, avaliou Marina Ferreira, acrescentando
que a cidade, “infelizmente, nunca foi pensada no âmbito da mobilidade”. Um
problema que, em seu entender, se arrasta desde que a Carris e o Metropolitano
de Lisboa foram nacionalizados.
Desde aí, diz a
ex-autarca e antiga presidente da Autoridade Metropolitana de Transportes de
Lisboa (AMTL), “a câmara pura e simplesmente virou as costas aos transportes
públicos”, que passaram a depender de um Estado preocupado “com a racionalidade
económica e não com a mobilidade”. “Lisboa é a única cidade do mundo em que há
um afastamento total entre a autarquia e os transportes, e essa é uma situação
que tem de ser invertida”, sustentou Marina Ferreira.
Quanto àquela que
deve ser a solução de futuro, a presidente da APL considera que mais “importante”
do que discutir “quem manda e quem põe dinheiro nas empresas” é perceber “qual
é o serviço de que necessitamos”. Seja qual for o caminho, Marina Ferreira não
tem dúvidas de que as autoridades metropolitanas de transportes devem ter um
figurino diferente do actual, em que, “na melhor linha centralista, é o Estado
a definir aquilo de que as cidades precisam”.
Já o ex-vereador
da Mobilidade Fernando Nunes da Silva (que ocupou o lugar no segundo mandato de
António Costa) sublinhou que “os municípios têm de estar fortemente implicados
no sistema de transportes”, por duas razões essenciais: “Controlam variáveis
estruturantes”, como a via pública, a política de estacionamento e o uso dos
solos, e têm uma proximidade relativamente às pessoas “muitíssimo maior” do que
aquela que tem o Estado, o que permite que haja uma “responsabilização
política”.
Mas deve ser a
Câmara de Lisboa a gerir os transportes? Isso “é outra conversa”, diz Nunes da
Silva, defendendo que aquilo que é essencial é que, “à semelhança do que acontece
nas outras grandes cidades do país”, fiquem nas suas mãos o planeamento e a
definição do serviço e do tarifário. O professor universitário admite, aliás,
que “se o Governo resistir à pressão que os operadores privados estão a fazer”
e entregar a gestão da Carris e do Metropolitano de Lisboa ao município, este
poderá ter de “fazer uma parceria com um privado”, que dê “um apoio técnico
para fazer a operação”.
Para o actual
deputado municipal dos Cidadãos por Lisboa, essa entrega à câmara pode ser um
primeiro passo para que mais tarde ela seja assumida por “um conjunto de
municípios”, através da AMTL. “Ou a câmara assume este papel neste momento para
provocar a emergência de uma autoridade metropolitana ou então nunca mais
saímos daqui”, concluiu Nunes da Silva.
Já o presidente
do Automóvel Clube de Portugal (ACP) afirmou que atribuir a Carris e o
Metropolitano de Lisboa à autarquia é “uma ideia peregrina”. “Só se for para
criar o caos e satisfazer alguma clientela”, acrescentou Carlos Barbosa, que é
deputado municipal eleito pelo PSD. E nem o argumento de que em vários países
europeus há câmaras a gerir os transportes públicos o convenceu: “Isso é estar
a comparar uma mercearia em Lisboa com um shopping na Europa”, disse, antevendo
um “futuro negro” para os munícipes, com um possível aumento de impostos
incluído, caso aquilo que é defendido pelo presidente da câmara se concretize.
A intervenção de
Carlos Barbosa ficou marcada por um extenso rol de críticas ao trabalho dos
sucessivos executivos liderados por António Costa, e a uma política na área da
mobilidade que, em seu entender, tem sido “triste, pequena, pobre,
completamente desfasada da realidade”. Apontando exemplos como “o garrote ao
automóvel” nalgumas zonas da cidade, o “disparate” da zona de Emissões
Reduzidas, os radares e semáforos avariados, as estradas “inspiradas em
Beirute” e as ciclovias “a eito”, o presidente do ACP condenou a câmara por
actuar com base em “experimentalismos” e “caprichos”. “Esta vereação tem medo e
atira-se para coisas que não têm sentido nenhum em termos de mobilidade”,
continuou o deputado municipal, acrescentando que “o grande problema do país e
da câmara é a falta de capacidade de decisão”.
Referido nesta
conferência foi também o actual secretário de Estado dos Transportes. “Eu não
queria estar no lugar dele”, afirmou Marina Ferreira, lembrando que Sérgio
Monteiro encontrou, ao chegar ao Governo, “uma das mais graves situações de
subfinanciamento, que era a dos transportes”, e para a qual a troika exigiu uma
solução.
Também Nunes da
Silva aproveitou para dizer que a sua experiência como vereador num executivo
socialista lhe permitiu perceber “o quanto os independentes são descartáveis”. “São
importantes para ganhar as eleições e para garantir maiorias, mas não são
minimamente importantes para levarem para a frente as suas ideias”, criticou,
acrescentando que há uma “quase fobia” de permitir que aqueles que não estão
filiados em partidos políticos “façam as coisas”.
O deputado
municipal também não se coibiu de afirmar que o actual director municipal de
Mobilidade e Transportes, por quem sublinhou ter estima pessoal, “não sabe nada
de mobilidade urbana”. “Com esta direcção municipal e com esta direcção da Emel
[Empresa Municipal de Mobilidade e Estacionamento de Lisboa]”, disse Nunes da
Silva, será “muito complicado” assumir responsabilidades como a de “planear a
rede” das empresas de transportes.
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