Sócrates ao PÚBLICO: “As
imputações que me são dirigidas são absurdas, injustas e infundamentadas”
PAULO PENA
26/11/2014 – PÚBLICO
José Sócrates
reage, pela primeira vez desde que foi detido no aeroporto, ao processo em que
o acusam de corrupção, fraude fiscal e branqueamento de capitais. Pede que a
política “fique à margem”, embora não tenha dúvida de que "este caso tem
também contornos políticos”.
Preso
preventivamente desde a noite de segunda-feira, 24, e detido para
interrogatório nos três dias anteriores, José Sócrates, 57 anos, esteve em
silêncio sobre o caso mais mediático do país - o seu - durante cinco longos
dias. Nesta quarta-feira à tarde ditou, de uma cabine telefónica da prisão de
Évora, onde se encontra, uma carta ao seu advogado, João Araújo, para entregar
ao PÚBLICO.
Nela, invocando
"legítima defesa", diz considerar "absurdas, injustas e
infundamentadas" as acusações de corrupção, fraude fiscal e branqueamento
de capitais que a justiça portuguesa lhe dirigiu. Nesse texto, de oito
parágrafos, afirma que "este caso tem também contornos políticos”.
O texto começa
por uma imagem que evoca o “ascetismo” filosófico: “Fora do mundo”, é como José
Sócrates diz estar, há cinco dias. E logo avança para a sua primeira crítica -
ao “crime” que diz estar a ser cometido, contra a Justiça e contra si. Para o
ex-primeiro-ministro, esse crime tem um autor: a acusação, ou seja, o
Ministério Público.
De seguida,
Sócrates garante que, “em legítima defesa”, irá, “conforme for entendendo”,
“desmentir as falsidades lançadas sobre mim e responsabilizar os que as
engendraram”.
E é só no quarto
parágrafo que aborda a questão essencial, e aquela porque aguardavam a maioria
dos que seguem o seu caso. Ainda assim, Sócrates detém-se primeiro nos aspectos
processuais - “A minha detenção para interrogatório foi um abuso e o
espectáculo montado em torno dela uma infâmia” - para só depois falar da
substância das acusações que sobre si recaem: “As imputações que me são
dirigidas são absurdas, injustas e infundamentadas.” A escolha das palavras é
esta. Depois dessa frase, Sócrates queixa-se da “humilhação gratuita” que
sofreu com a decisão do juiz Carlos Alexandre de o colocar em prisão
preventiva, uma medida de coacção que considera ser “injustificada”.
O texto tem,
então, uma passagem quase sarcástica, aquela em que o homem que dirigiu o
Governo durante sete anos, cinco dos quais com maioria absoluta, descobre “uma
lição de vida” sobre o poder. O “verdadeiro poder - de prender e de libertar”.
Neste texto, e nas circunstâncias que o produziram, é fácil encontrar figuras
de estilo pouco habituais nos discursos políticos. O que dizer da frase,
naturalmente dirigida aos que o prenderam, mas que parece ter uma ressonância
quase pessoal, se lida por muitos dos que o acusavam de ser autoritário? “Não
raro, a prepotência atraiçoa o
prepotente.”
O final da declaração
é guardado para marcar uma fronteira. “Este é um caso da Justiça e é com a
Justiça Democrática que será resolvido.” Porém, Sócrates não deixa de ver aqui
“contornos políticos” - mas não aprofunda o tema. A intenção torna-se clara a
seguir. Sócrates agradece a solidariedade de amigos e camaradas. Mas exige que
a política não se misture no seu caso. “Este processo é comigo e só comigo.
Qualquer envolvimento do Partido Socialista só me prejudicaria, prejudicaria o
Partido e prejudicaria a Democracia.” Assim, por esta ordem. Sócrates parece
dizer que não é por nenhuma grandeza retórica que pede o afastamento do PS, é
porque a mistura, indesejada, entre o processo e o partido prejudicá-lo-ia, em
primeiro lugar.
E no fim, uma
frase que parece demonstrar o ânimo que nele têm visto, e sublinhado, os que o
viram depois da detenção: do advogado, João Araújo, a Mário Soares e Capoulas
Santos. Se tivesse reticências, no final, a frase soaria, quase, a bravata. Assim,
é uma quase-constatação: “Este processo só agora começou.”
Para já, sai à
liça o advogado que nesta quarta-feira anunciou, à agência Lusa, que na próxima
semana vai pedir a libertação do ex-primeiro-ministro, por considerar que a sua
prisão preventiva é ilegal. João Araújo indicou que o recurso que irá
apresentar no Tribunal da Relação de Lisboa visa a libertação do ex-líder
socialista, justificando que a sua detenção está ferida de ilegalidade por
"questões substanciais", que não especificou.
O advogado disse
ainda que pretende fazer esta semana uma visita de trabalho a José Sócrates no
Estabelecimento Prisional de Évora para "analisar a situação e o despacho
do juiz" de instrução.
Entre a
“bandalheira” e a “normalidade”
A situação, já se
sabe, suscita opiniões muito diversas e retrato disso é o fosso entre a leitura
que o actual Presidente da República e o antigo chefe de Estado Mário Soares
fazem do caso. A partir de Évora, onde foi ontem visitar o
ex-primeiro-ministro, o fundador do PS qualificou o caso como uma
“bandalheira”, enquanto em Abu Dhabi, onde se encontra em visita oficial ,
Cavaco Silva considerou que “as instituições democráticas estão a funcionar com
toda a normalidade”.
Apesar da
multiplicação, na comunicação social estrangeira, de notícias sobre a detenção
de Sócrates, o Presidente da República diz acreditar que a imagem de Portugal
não sofrerá grandes danos. “Até há duas semanas, Portugal estava com uma muito
boa imagem nos mercados externos, na União Europeia e fora da União Europeia”,
começou por dizer, numa menção temporal alargada para abarcar também o caso dos
vistos gold. “Estou convencido de que essa imagem não se vai alterar
significativamente”, afirmou Cavaco Silva, acrescentando: “Quem nos observa
verifica que as instituições democráticas estão a funcionar com toda a
normalidade no nosso país.”
Sobre o caso em
si, recusou pronunciar-se: "No respeito pelo princípio da separação de
poderes, eu entendo que, como Presidente da República, não devo acrescentar uma
única palavra sobre esse assunto."
Livre desse jugo,
o histórico líder socialista Mário Soares criticou duramente o facto de o
ex-primeiro-ministro estar preso preventivamente, qualificando o caso como
"político" e orquestrado por "malandros". "Todo o PS
está contra esta bandalheira", disse, apesar de considerar que este caso
não tem "nada a ver com os socialistas". Uma declaração que contrasta
com o pedido feito por António Costa para que o partido não fosse envolvido
"na apreciação de um processo que, como é próprio de um Estado de direito,
só à Justiça cabe conduzir com plena independência".
Sobre o encontro
propriamente dito, Soares usou a palavra "emoção" para o descrever:
“Ficou emocionado por eu estar [a visitá-lo] e eu fiquei emocionado por vê-lo.”
O ex-Presidente disse que falaram "sobre tudo", comentando que está
"muito bem" e com "um moral fantástico". Com Maria Lopes, em Abu
Dhabi , e Lusa
A declaração de Sócrates ao
PÚBLICO na íntegra
27/11/2014 -
00:13
Há cinco dias
“fora do mundo”, tomo agora consciência de que, como é habitual, as imputações
e as “circunstâncias" devidamente seleccionadas contra mim pela acusação
ocupam os jornais e as televisões. Essas “fugas” de informação são crime.
Contra a Justiça, é certo; mas também contra mim.
Não espero que os
jornais, a quem elas aproveitam e ocupam, denunciem o crime e o quanto ele põe
em causa os ditames da lealdade processual e os princípios do processo justo.
Por isso, será em
legítima defesa que irei, conforme for entendendo, desmentir as falsidades
lançadas sobre mim e responsabilizar os que as engendraram.
A minha detenção
para interrogatório foi um abuso e o espectáculo montado em torno dela uma
infâmia; as imputações que me são dirigidas são absurdas, injustas e
infundamentadas; a decisão de me colocar em prisão preventiva é injustificada e
constitui uma humilhação gratuita.
Aqui está toda
uma lição de vida: aqui está o verdadeiro poder - de prender e de libertar. Mas
em contrapartida, não raro a prepotência atraiçoa o prepotente.
Defender-me-ei
com as armas do estado de Direito - são as únicas em que acredito. Este é um
caso da Justiça e é com a Justiça Democrática que será resolvido.
Não tenho dúvidas
que este caso tem também contornos políticos e sensibilizam-me as manifestações
de solidariedade de tantos camaradas e amigos. Mas quero o que for político à
margem deste debate. Este processo é comigo e só comigo. Qualquer envolvimento
do Partido Socialista só me prejudicaria, prejudicaria o Partido e prejudicaria
a Democracia.
Este processo só
agora começou.
Évora, 26 de Novembro de 2014
José Sócrates
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