José Sócrates: uma carreira cheia
de suspeitas
MARGARIDA GOMES
22/11/2014 – PÚBLICO
A vida académica
e política de José Sócrates, sobretudo os seis anos em que esteve à frente de
dois governos (o primeiro com maioria absoluta), foi ensombrada por imensas
polémicas, que regressam agora com a sua detenção à saída de um avião que o
trouxe de Paris, a capital europeia que escolheu para viver depois de ter
perdido para o PSD as eleições legislativas de 2011.
Sócrates aderiu
ao PS em 1981. Dois anos depois ganhou a presidência da federação de Castelo
Branco contra os soaristas, cargo em que manteve até 1995. Nos dois governos de
António Guterres, foi secretário de estado-adjunto do Ministério do Ambiente e
ministro do Ambiente e Ordenamento do Território, até à demissão do
primeiro-ministro, em Dezembro de 2002. Na oposição, Sócrates venceu as
eleições para cargo de secretário-geral do PS, em Setembro de 2004, sucedendo a
Ferro Rodrigues.
2003 – Aterro da
Cova da Beira
O ex-ministro e
então deputado do PS é referido nas suspeitas sobre a construção do aterro
sanitário da Cova da Beira, que deu origem a um processo judicial, investigado
durante mais de uma década, mas nunca chegou a ser visado directamente. O
principal arguido foi o seu ex-professor na Universidade Independente, António
Morais que, tal como os restantes, acabou absolvido.
2004 – Caso
Freeport
Iniciado em 2004,
com uma denúncia anónima à Polícia Judiciária de Setúbal sobre um alegado
pagamento de “luvas”, o caso Freeport arrastou-se até 2012 sem resultados,
apesar dos muitos nomes envolvidos no processo. José Sócrates, que nunca chegou
a ser arguido, foi uma das figuras centrais do caso sobre o licenciamento do
centro comercial Freeport, em Alcochete.
Em 2002, era
ministro do Ambiente no Governo de António Guterres quando se dá a aprovação, em
tempo recorde, do estudo de impacto ambiental ao projecto, ao mesmo tempo que o
Governo fez uma alteração dos limites da área da Zona de Protecção Especial
(ZPE) do Estuário do Tejo para a preservação das aves selvagens. A área ocupada
por uma antiga fábrica de pneus, onde o centro comercial foi depois construído,
passou a ficar fora dos limites da ZPE.
Três dias depois
da aprovação, há eleições legislativas antecipadas e o PS sai derrotado. José
Sócrates nunca responderá em tribunal a 27 perguntas que dois procuradores
quiseram fazer sobre o caso, mas que não foram incluídas no processo em 2010 –
na altura, Sócrates era primeiro-ministro.
12 Março de 2005
– A maioria absoluta
Respaldado numa
confortável maioria absoluta, assume funções como primeiro-ministro com 45 anos
de idade. No seu discurso de tomada de posse como chefe do Executivo deixa
claro que o Governo tem “uma agenda, um projecto e um rumo” para Portugal e
acrescenta que o seu projecto comporta um desafio: “O de estar à altura da
maioria absoluta que os portugueses nos quiseram conferir”.
Março de 2007 – O
caso da licenciatura
O seu primeiro
sobressalto como primeiro-ministro acontece em 2007 e está relacionado com a
sua licenciatura em Engenharia Civil pela Universidade Independente, a qual
levantava sérias dúvidas. Na base da suspeita está o facto de existirem
diversos documentos por assinar e carimbar, contradições nas notas e o facto de
as classificações das quatro de cinco cadeiras que tinha para concluir na
instituição terem sido lançadas a um domingo de Agosto.
O processo de
aluno da UI levantou muitas questões na altura. A própria universidade foi
fechada no mesmo ano por ordem de José Mariano Gago, ministro da Educação de
Sócrates, depois de uma inspecção arrasar a qualidade pedagógica da
instituição. Mas o assunto do processo acompanhou José Sócrates mesmo depois de
perder as eleições para a coligação PSD/CDS-PP, no Verão de 2011. No ano
seguinte, a Procuradoria-Geral da República rejeitou reabrir o inquérito que
arquivara anteriormente sobre a licenciatura.
Mas esta não é a
única incongruência no currículo do ex-primeiro-ministro socialista. Na
biografia publicada pela Presidência do Conselho de ministros, é referido que
Sócrates possui uma pós-graduação em Engenharia Sanitária pela Escola Nacional
de Saúde Pública. A verdade é que apenas participou num curso de Engenharia
Sanitária para engenheiros municipais.
2007-2009 –
Conflitos com a comunicação social
Autoritário e com
pouco tolerância para com quem discordava dele, o ex-primeiro-ministro teve
conflitos com a comunicação social, sobretudo a partir do caso da licenciatura,
noticiado pelo PÚBLICO. Entre 2007 e 2009, durante o primeiro mandato, foi
acusado de tentar controlar os meios de comunicação social através de actos de
censura e perseguição. As denúncias chegaram à Comissão Parlamentar de Ética. O
ex-chefe do Governo socialista processou onze jornalistas e todos acabaram
absolvidos.
Janeiro de 2008 –
As casas da Guarda
O PÚBLICO
noticiou que José Sócrates assinou numerosos projectos de edifícios na Guarda,
ao longo da década de 80, cuja autoria os donos das obras garantiam não ser
dele. Em 2010, acrescenta-se que Sócrates foi projectista e responsável por 26
obras na Guarda entre 1987 e o final de 1990, numa altura em que era deputado
em exclusividade pelo PS. Na altura, o então primeiro-ministro explicou que
realizou os projectos "a pedido de amigos" e que não recebeu qualquer
remuneração. Em 1990 e 1991,
a Câmara da Guarda afastou José Sócrates da direcção
técnica de obras particulares, depois de ter sido advertido por causa da falta
de qualidade dos seus projectos.
Fevereiro de 2009
– A casa da Rua Brancaamp
O PÚBLICO noticia
que a compra do apartamento de José Sócrates no edifício Heron Castilho, na Rua
Brancaamp, em Lisboa, levanta suspeitas de fraude fiscal. Segundo consta da
escritura notarial, foi adquirido pelo preço de 47 mil contos (235 mil euros).
Dois anos antes desta venda, um apartamento idêntico no mesmo prédio foi
comprado por um emigrante português que estava isento do imposto de sisa por
70.200 contos (351 mil euros), ou seja, mais 50% do que o valor declarado por
Sócrates.
Agosto e Setembro
de 2009 – Caso das escutas
A notícia do
PÚBLICO sobre as suspeitas, por parte da Presidência da República, de
vigilância por parte do gabinete do primeiro-ministro, em plena campanha para
as legislativas – que acaba por ganhar, mas já sem maioria absoluta , abrem uma
enorme uma brecha nas relações entre a Presidência da República e S. Bento.
Novembro de 2009
- Caso Face Oculta, TVI e Taguspark
Menos de dois
meses após as legislativas, rebenta o caso Face Oculta, no âmbito da qual foram
interceptadas cinco conversas telefónicas e 26 mensagens de telemóvel entre
Armando Vara e o então primeiro-ministro (registos que só foram destruídos em
Setembro último). No processo, que investigou corrupção e favorecimento ao
empresário das sucatas Manuel Godinho, Armando Vara acabou condenado a cinco
anos por tráfico de influência. Foram também condenados mais dez arguidos.
Deste processo
chegaram a ser extraídas certidões para outros inquéritos, um dos quais por
suspeita de atentado ao Estado de Direito, por alegada tentativa de compra da
TVI pela PT, com José Sócrates a ser envolvido num suposto plano de controlo da
comunicação social. Rui Pedro Soares e Paulo Penedos, ambos do PS, estavam
então no centro das atenções.
Outro caso que
derivou dessas escutas foi o do Tagusparque, no âmbito do qual teria sido feito
um contrato com Luís Figo para que este surgisse ao lado de Sócrates nas
vésperas das legislativas. O processo acabou com a absolvição de todos os
arguidos.
2009-2011 –
Ruptura com o Presidente da República
Definindo-se como
um social-democrata de centro-esquerda e um político “sanguíneo”, Sócrates teve
uma relação difícil com o Presidente da República, particularmente no último
Governo, porque segundo Cavaco, nunca soube lidar com a perda da maioria
absoluta e ignorou de “forma deliberada” os avisos vindo de Belém.
Acusado de
esconder a realidade da crise económica atrás de debates sobre “temas
fracturantes”, Cavaco partilhou no livro “Roteiros VI” os bastidores da crise
política de 2011 que se abre com o pedido de demissão do então
primeiro-ministro. No livro, que veio a público em Março de 2012 – um ano
depois da crise –, o chefe de Estado não poupa Sócrates e acusa-o como o
principal responsável pelo desenrolar dos acontecimentos”, afirmando que não
mostrou “genuíno interesse” em conseguir uma base política estável para cumprir
o segundo mandato no governo.
Em Outubro de
2009, depois das legislativas, Cavaco revela ainda que a sua acção foi comedida
– não foi “além do razoável” – na procura de um acordo político que
ultrapassasse as dificuldades de um governo minoritário. Mas o
ex-primeiro-ministro era um grande entrave a qualquer entendimento. Apesar
disso, os avisos de Belém sucederam-se em 2010, com “múltiplas chamadas de
atenção” em privado (nas reuniões semanais) ao primeiro-ministro para travar
uma “forma obstinada de acção política”. O Presidente da República nunca
perdoou a Sócrates a “falta de lealdade institucional, que ficará registada na
história da democracia” que não notificou o chefe de Estado sobre as alterações
ao programa.
Março de 2011 –
Demissão do Governo
Com o país a
atravessar uma grave crise financeira e económica, na sequência da crise
mundial, Sócrates passa 2010 e 2011
a apresentar à oposição (já liderada por Passos Coelho)
e aos parceiros europeus pacotes de medidas com vista ao combate da crise e à
criação de soluções para fazer face ao défice e tentar controlar a dívida do
Estado.
Apesar do
consenso da Europa, o último – o chamado PEC IV - não teve o apoio dos partidos
da oposição e foi chumbado pela Assembleia da República. Com a reprovação do
PEC IV, Sócrates apresenta a demissão e
é empurrado para o pedido de ajuda financeira, que leva à entrada da troika em
Portugal.
Junho de 2001 –
Derrota nas legislativas
Na sequência da
derrota das legislativas de 2011,
a vida Sócrates mudou e o ex-primeiro-ministro rumou a
França para tirar o mestrado em Filosofia Política.
Janeiro de 2013 –
Ligação à Octapharma
Em Janeiro de
2013 é contratado para presidente do Conselho Consultivo do grupo farmacêutico
Octapharma para a América Latina, uma actividade que exerce “a par” dos seus
estudos em Paris.
Abril de 2013 – O
regresso à vida mediática
Um convite
inesperado da direcção da RTP, em 2013, faz regressar José Sócrates, o “animal
político”, como o próprio se descreveu numa entrevista em 2004, como comentador
político e aproveita esse espaço semanal para fazer a defesa da sua governação.
Em Março, quando
é conhecido o convite da RTP, começa a circular uma petição online contra o
regresso de José Sócrates ao cometário politico. Mais de 100 mil pessoas
assinaram a petição. Mas houve também uma petição a favor. Pouco mais de 3 000
cidadãos deram o seu nome a favor do ex-secretário-geral do PS.Na altura em que
começa a comentar na RTP, Sócrates dá uma entrevista em que acusou Cavaco Silva
de ter sido a “Mão escondida por detrás dos arbustos” que levou à crise
politica que fez ciar o sue último Governo.
A detenção agora
o ex-primeiro-ministro do PS mancha a imagem de um político e que alguns viam
como possível candidato a Presidente da República nas eleições de 2016.
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