Editorial de Luís Rosa. Os tempos
estão a mudar
Por Luís Rosa
publicado em 22
Nov 2014 in
(Jornal) i online
A detenção do
ex-primeiro-ministro fortalece o regime democrático e prova que a Justiça
consegue ser cega. António Costa rompeu com Sócrates ao afastar-se das críticas
à Justiça - o que significa que o líder socialista aprendeu alguma coisa com o
caso Casa Pia.
Ontem viveu-se um
dia histórico. O momento da detenção de José Sócrates ficará na memória de
todos os portugueses que assistiram aos directos das televisões. Não por
qualquer argumento justiceiro (já lá vamos) mas porque a democracia portuguesa
ficou mais forte.
Prender para
interrogatório um ex-primeiro-ministro significa que a Justiça é cega: não olha
a nomes quando age. Só uma democracia madura consegue ter uma justiça assim.
Essa é a
precisamente a primeira mensagem a reter: ninguém está acima da lei; somos
todos iguais perante a lei. Muitos dos chamados poderosos da sociedade
portuguesa, entre os quais se inclui José Sócrates, nunca conviveram bem com
essa regra básica de qualquer regime democrático.
Durante muitos
anos a democracia não se distinguiu por ai além da ditadura na aplicação dessa
regra da igualdade ao campo partidário. Ser membro do governo, autarca ou
dirigente do PSD ou do PS significava uma espécie de imunidade contra a acção
da justiça. Os partidos fundadores da democracia queriam proteger os seus e
tudo faziam para pressionar e impedir a acção da justiça. Atacar um dirigente
do PS ou do PSD era atacar o respectivo partido - era essa a atitude. Era assim
que pensavam personagens tão diversas como Isaltino Morais, Valentim Loureiro,
Fátima Felgueiras ou até mesmo José Oliveira Costa - um homem muito ligado ao
PSD. E é assim que pensa José Sócrates.
A detenção de
Sócrates, como a de Ricardo Salgado ou prisão de Isaltino Morais ou as
condenações de Maria Lurdes Rodrigues ou de Jardim Goncalves, demonstram
que começa que o principio da igualdade
de todos perante a lei começa a ser aplicado em Portugal. E isso só fortalece o
nosso regime democrático. Os tempos estão mudar.
E aqui chegamos
às críticas sobre a atitude justiceira das autoridades na prisão de José
Sócrates e a condenação mediática que isso implica. À hora a que escrevo este
texto, ainda não se conhecem as razões que levaram à detenção de Sócrates. Sabemos
pela comunicação social que existem indícios fortes que ligam Sócrates à
alegada prática dos crimes de corrupção, fraude fiscal e branqueamentos
capitais por decisões tomadas nos seus governos. São crimes graves para serem
imputados a um ex-primeiro-ministro. Obviamente que todos se presumem inocentes
até prova em contrario, sendo igualmente certo que José Sócrates está a apenas
a ser investigado - mesmo que seja constituído arguido nas próximas horas,
continuará presumir-se inocente; estamos muito longe de uma acusação ou
julgamento. Mas se a presunção da inocência é igual para todos os arguidos, as
razões que levam a uma detenção também devem ser. José Sócrates não merece nem
deve ter um tratamento privilegiado por se tratar de um ex-chefe de governo. A igualdade mais uma vez tem de ser aplicada.
Foi isso mesmo
que António Costa enfatizou esta manhã, ao recusar misturar os sentimento de
solidariedade pessoal com José Sócrates com a acção política do PS. Ao recusar
dar cobertura às críticas à Justiça que começavam a aparecer no PS, como a de
João Soares, o futuro secretário-geral socialista demontrou que não confunde o
partido com as atitudes dos seus militantes. E rompeu com uma linha de
argumentação que José Sócrates sempre teve: atacá-lo na Justiça era atacar o
PS.
Esta atitude de
António Costa significa que o líder socialista aprendeu alguma coisa com o caso
Casa Pia - caso em que teve a atitude oposta ao aderir à teoria da cabala de
Ferro Rodrigues - mas terá consequências internas e poderá marcar um
afastamento definitivo entre Costa e Sócrates. Veremos como vão reagir os
socráticos, todos apoiantes de Costa, durante o congresso do PS que vai
decorrer no próximo fim-de-semana.
Não deixa de ser
irónico que António Costa possa fazer o que António José Seguro nunca
conseguiu: remeter José Sócrates para o baú da história.
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