O que já se sabe sobre o caso
Sócrates. E o que falta saber
Desde a detenção, na noite de
sexta, até hoje, já correu muita informação sobre a investigação. Eis uma
síntese, já com algumas dúvidas para as quais faltam respostas.
Ana Suspiro /
24-11-2014 / OBSERVADOR
A detenção
sexta-feira à noite no aeroporto da Portela deu início ao pior fim de semana da
vida de José Sócrates, que literalmente veio de Paris para Moscavide (comando
Metropolitano da PSP onde dormiu). A ação da justiça provocou um terramoto
político – é a primeira vez que um ex-primeiro ministro é detido em Portugal –
e judicial de proporções que ainda são difíceis de calcular.
Por entre as
muitas interrogações e especulações (José Sócrates terá sido já condenado sem
acusação? A Justiça tem indícios suficientemente fortes para deter o
ex-primeiro ministro? Como vai o PS de Costa sobreviver a esta herança negra)
fique a conhecer os 13 pontos essenciais que já se conhecem e o que falta
saber.
• Quais são as suspeitas que recaem
sobre o antigo primeiro-ministro? José Sócrates foi constituído arguido por
indícios de três crimes: branqueamento de capitais, evasão fiscal e corrupção.
A investigação levou à detenção de mais três pessoas: Carlos Santos Silva,
amigo de longa data de Sócrates, Gonçalo Ferreira, advogado que trabalha com
Carlos Santos Silva, e João Perna, motorista, alegadamente do próprio José
Sócrates.
• Quando se soube? A notícia de que
Sócrates estava a ser investigado pela justiça foi avançada pela Sábado a 30 de
Julho, mas a revista ligava as diligências à operação Monte Branco. O inquérito
à rede de branqueamento de capitais, com passagem pela Suíça, já apanhou entre
outros o ex-presidente do BES, Ricardo Salgado. A Procuradoria-Geral da
República (PGR) negou a relação, o que foi visto como um desmentido da notícia
que terá servido para proteger as diligências deste processo autónomo que
culminaram na detenção do ex-primeiro ministro na sexta-feira à noite,
noticiada já depois da meia-noite pelos jornais Sol e Correio da Manhã e
confirmada já na madrugada de sábado.
• Qual a origem do processo? A PGR
esclarece que se trata de um inquérito independente que não resultou de outros
casos, que investiga operações bancárias, movimentos de dinheiro sem
justificação conhecida e legalmente admissível. O inquérito teve origem numa
comunicação bancária efetuada ao Departamento Central de Investigação e Ação
Penal (DCIAP), ao abrigo da lei de prevenção e repressão de branqueamento de
capitais. Esta legislação impõe aos bancos que estejam atentos a movimentos bancários
suspeitos, desde transferências de elevados fundos, depósitos feitos em
dinheiro ou operações com entidades estrangeiras, sem justificação para a
origem do dinheiro. Ex-governantes são pessoas politicamente expostas, de maior
risco, que exigem uma vigilância reforçada das suas operações, uma obrigação
que se estende a familiares e a parceiros de negócio.
• Qual foi o banco a denunciar o
movimento? Os jornais Diário de Notícias e Jornal de Notícias informam que foi
a Caixa Geral de Depósitos (CGD) a fazer comunicação, o que não constitui
surpresa já que por várias vezes, José Sócrates referiu que só tinha conta no
banco do Estado. A conta da CGD teria mais de 20 anos. Foi também a este banco
que o ex-primeiro ministro pediu um empréstimo de 120 mil euros, segundo o seu
próprio testemunho, que serviu para financiar a sua estada em Paris para onde
foi estudar filosofia depois de ter deixado de ser primeiro-ministro.
• O que se sabe das investigações? A
comunicação de movimento bancário suspeito terá sido feita há mais de um ano e
estará relacionado com transferências elevadas, algumas superiores a 200 mil
euros, da mãe para a conta do ex-primeiro ministro. O sigilo bancário e fiscal
foi levantado para permitir as inquirições. Estas transações terão, segundo a
imprensa, resultado da alienação de imóveis que estavam em nome da mãe, Maria
Adelaide de Sousa, a Carlos Santos Silva. Só que o dinheiro usado pelo
empresário e amigo de Sócrates para financiar estas aquisições seria do próprio
ex-primeiro ministro. O esquema de triangulação, em que Carlos Santos Silva
seria um testa de ferro, terá permitido branquear (colocar no circuito legal)
dinheiro cuja origem é desconhecida e portanto suspeita e ao mesmo tempo
possibilitar que José Sócrates tivesse acesso a estes fundos que não estavam em
seu nome.
• Estão em causa factos relacionados com
a governação de Sócrates? Tudo indica que sim, que as suspeitas vão nesse
sentido. Segundo o Jornal Sol, o inquérito terá apurado que o ex-primeiro
ministro teria uma fortuna de 20 milhões (25 milhões avança o Correio da Manhã)
fora do país, camuflada numa conta na UBS, na Suíça em nome de uma offshore da
qual Carlos Santos Silva será o beneficiário. Parte deste dinheiro terá
regressado a Portugal ao abrigo do Regime Extraordinário de Regularização
Tributária (RERT) em vigor em 2009, que permitia regularizar a situação fiscal
de capitais ocultados fora de Portugal. Mediante o pagamento de uma taxa baixa
de 5% os beneficiários ficavam livres do crime de evasão fiscal, e o Estado
recebe mais receita fiscal. O RERT aprovado por Sócrates primeiro-ministro,
terá sido aproveitado por Sócrates contribuinte. O primeiro RERT, na prática um
perdão fiscal, foi aprovado em 2005 e segundo o Observador apurou os factos sob
investigação remontam a 2006, o segundo é de 2009. O último RERT foi usado em
2013 pelo ex-presidente do BES, Ricardo Salgado nas suas famosas correções
fiscais.
• O património atribuído a Sócrates é
compatível com os rendimentos? A inconsistência aparente entre o rendimento e o
estilo de vida e bens atribuídos ao ex-primeiro ministro, sobretudo imóveis,
será uma das questões que o ex-primeiro ministro terá de justificar neste
inquérito. José Sócrates assegura que não recebe subvenção pelo cargo que
ocupou, nem acumulou capitais. Conta que financiou a estada em Paris para
estudar filosofia com um empréstimo de 120 mil euros da Caixa, mas os jornais
Sol e Correio da Manhã atribuem-lhe a compra de um apartamento de luxo na
capital francesa por 2,8 milhões de euros. Antes, levantaram suspeitas os
apartamentos adquiridos no Heron Castilho, na rua Brancaamp em Lisboa, por
Sócrates e pela mãe. O filho explica o financiamento do imóvel com um
empréstimo. A aquisição feita pela mãe terá sido financiada com a venda de
outros imóveis que recebera de herança.
• De que esquemas é que estamos a falar?
A investigação dedicou-se agora à venda do apartamento da sua mãe a Carlos
Santos Silva (depois de outros dois apartamentos em Queluz terem tido o mesmo
destinatário). E também a alegada compra da casa de Paris pelo mesmo
empresário. Há suspeitas neste de que as operações com dinheiro vinham também
das ditas contas paralelas de Sócrates e que este acabaria transferido pela mãe
para a sua conta na CGD – ou, noutros casos, através do seu motorista, João
Perna.
Desde janeiro de
2013, que Sócrates é presidente do conselho consultivo para a América Latina da
Octapharma, declarando um rendimento mensal de 12 mil euros. No entanto, o
jornal Sol diz que Sócrates receberia regularmente das mãos de Carlos Santos
Silva quantias em dinheiro da ordem dos 10 mil euros, alegadamente por conta
das verbas que estariam em nome do empresário e amigo dos tempos da Covilhã.
• Quem é Carlos Santos Silva? Foi
administrador do Grupo Lena até 2009 e as instalações da empresa em Leiria
estiveram no roteiro das buscas realizadas pelas autoridades. A empresa
desmente qualquer ligação entre este inquérito e a atividade da empresa ou
atuais quadros, não obstante o Grupo Lena ter ficado associado aos governos
Sócrates pelos contratos que assinou em viagens oficiais do então
primeiro-ministro sobretudo à Venezuela de Hugo Chavez. A ligação será pessoal
e antiga. Carlos Santos Silva é indicado como amigo de Sócrates desde os tempos
da Covilhã e a sua empresa, a Conegil, fez parte do consórcio que se suspeitou
ter sido favorecido na adjudicação de um aterro sanitário na Cova da Beira –
sem que isso tivesse sido provado em tribunal. O nome Santos Silva terá ainda
sido referido nas gravações do caso Face Oculta.
• Sócrates sabia que ia ser detido? A
informação sobre os vários adiamentos da hora do seu regresso de Paris para
Lisboa indicia que o ex-primeiro ministro teria no mínimo a suspeita que tal
iria acontecer. O primeiro voo estava previsto para quinta-feira, dia em que
foram detidos os outros três arguidos, mas terá mudado duas vezes o voo do
regresso. O Jornal Público conta que os investigadores, que estiveram no aeroporto
a consultar listas de passageiros, desconfiam que Sócrates saberia que era
esperado, tendo ainda assim decidido voltar. Tendo em conta os laços de
confiança e amizade pessoal com os outros detidos, seria natural que tivesse
sido avisado. Informação recolhida pelo Observador indica que terão sido os
sucessivos adiamentos do voo de regresso que levaram as autoridades a avançar
com a detenção no aeroporto. A intenção inicial seria pedir ao ex-primeiro
ministro que os acompanhasse em diligências, como as buscas que ocorreram
sábado na casa de Sócrates. Outro sinal foi o almoço privado entre Sócrates e o
antigo procurador-geral da República, Pinto Monteiro, que decorreu no início da
semana.
• Que mais se escreveu já sobre o caso?
Não muito – e claramente nada de confirmado. Mas o Sol escreveu já, por
exemplo, que Sócrates é suspeito de ter comprado milhares de livros seus,
fazendo esgotar uma edição; também que comprou um Mercedes por mais de 90 mil
euros (em leasing); e que o representante da Octapharma tem forjado facturas em
nome do ex-primeiro-ministro e que tem permitido que passe dinheiro de José
Sócrates através de uma offshore sua, em Londres.
• Quem defende José Sócrates? É uma das
surpresas deste processo. Depois de rumores que apontavam na direção de Daniel
Proença de Carvalho, que representou José Sócrates em processos de difamação
movidos pelo ex-primeiro ministro, e que está associado à defesa de outros
arguidos famosos, como Ricardo Salgado, quem aparece é João Araújo. É um
advogado pouco conhecido que não faz parte de nenhum dos grandes escritórios.
Depois de hesitar em confirmar que representava Sócrates, acabou por assumir
que era o advogado do ex-primeiro-ministro, mas tem-se para já recusado a
prestar esclarecimentos sobre as diligências.
• Como reagiu o PS de António Costa? Em
dia de consagração como novo secretário-geral dos socialistas, a última coisa
que António Costa esperaria era ter de comentar a detenção de um antecessor no
cargo. Logo no sábado de manhã, enviou uma mensagem por SMS que começou por
reconhecer que a notícia da detenção de Sócrates era chocante, mas onde apelou
aos militantes para não confundirem sentimentos de solidariedade com ação
política do partido, pedido mobilização. Depois de eleito, o secretário-geral
dos socialistas garantiu que o PS assume toda a sua história e afastou “as más
práticas estalinistas de eliminação da fotografia deste ou daquele.
• O que falta saber? Uma das principais
questões que a investigação terá de responder é a chamada “million dollar question”,
ou neste caso a pergunta que vale 20 milhões de euros. A confirmar-se o
património secreto atribuído ao ex-primeiro-ministro, qual foi a origem do
dinheiro? Uma das suspeitas de crime que está ser investigada é corrupção. Mas
esta não será uma resposta previsível no curto prazo. Mais depressa serão
conhecidas as medidas de coação aplicadas a José Sócrates e aos restantes
arguidos, o que deverá ser anunciado após o inquérito do Juiz Carlos Alexandre
ao ex-primeiro ministro que se iniciou na tarde de domingo. Depois dos nomes
sonantes escolhidos pelas autoridades para as operações Furacão, Face Oculta,
Monte Branco e Labirinto, falta também saber como será batizada a investigação
ao ex-primeiro ministro, que para já designamos de Caso Sócrates.
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