Nem tudo o que luz é ouro
RUI TAVARES
17/11/2014 - PÚBLICO
Foi Paulo Portas que pôs Portugal nesta situação amoral de vender a
residência por meio milhão.
Os vistos
dourados são uma má ideia desde o início. Ridicularizam o princípio da
igualdade (“todos os estrangeiros são iguais desde que tenham meio milhão de
euros para comprar apartamentos de luxo em Portugal”).
Vendem aquilo que
não deve ser vendido, a possibilidade de emigrar e residir primeiro, a
nacionalidade e a cidadania depois. Criam entre os países europeus uma corrida
indigna: Malta já oferece cidadania europeia a quem a compre por dois milhões
de euros sem precisar de pôr os pés no país. E são uma porta aberta para a fuga
de capitais e para a lavagem de dinheiro. Enquanto seres humanos morrem no
Mediterrâneo por serem imigrantes e refugiados, alguns dos que roubam os
recursos dos seus países podem comprar em toda a segurança a sua residência no
espaço europeu.
Má ideia para
começar, má implementação para continuar. Tudo, a começar pelo nome pindérico
em inglês (vistos “gold”), tresanda à desvalorização do país que este governo
promoveu desde que tomou posse. Isso já era verdade antes das recentes
revelações sobre possível corrupção na atribuição de vistos dourados, e
continuará a ser verdade quer se comprove ou não a corrupção.
A única coisa que
faltava aos vistos dourados era serem ainda piores do que se pensava. Mas aí
convém separar as coisas, e distinguir corrosão de corrupção. Os vistos
dourados eram, como já ficou dito acima, uma prática que corroía certos valores
da igualdade republicana ou da simples decência humanitária. E sê-lo-íam mesmo
que não se verificasse que, além disso, corrompiam também gente em lugares
cruciais da administração e do estado.
Há pois três
planos distintos em toda esta história.
O primeiro é o da
investigação que pode, ou não, provar as alegações de corrupção. Adicionalmente,
neste plano poderemos também — ou não — encontrar a demonstração de que todo o
programa estava desenhado de uma forma que favorecia a corrupção. E poderemos
ainda vir a descobrir — ou não — que um programa deste tipo nunca poderia
deixar de, independentemente da sua implementação, ser inerentemente mais
atreito a práticas de corrupção. Para tudo isto vamos ter de esperar por mais
informação.
O segundo é o
plano político, ontem emblematizado pela demissão do Ministro da Administração
Interna, Miguel Macedo, declarando este contudo nada ter a ver com os possíveis
atos de corrupção e querer apenas preservar a autoridade que a instituição
governativa deve ter. Como foi imediatamente notado, esta atitude põe em cheque
outros ministros deste governo que, mesmo perante o caos nos respetivos
ministérios e uma acentuada perda de condições para permanecerem no cargo, não
tomaram o mesmo caminho. E põe também em xeque o primeiro-ministro, pelo menos
indiretamente, pelo seu hábito de manter em funções esses ministros.
Seria, contudo,
importante que estes dois planos não ofuscassem o terceiro, que é o dos
próprios vistos dourados, e não deixassem incólume o principal defensor da
ideia. Foi Paulo Portas que pôs Portugal nesta situação amoral de vender a
residência por meio milhão de euros e, em consequência, de parecer um país que
sabe o preço da cidadania sem saber o seu valor.
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